quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

CAMPANHA ESQUEÇA UM LIVRO EM COLATINA


Sempre me senti um pouco deslocado por ser um amante de rock vivendo no meio de uma tribo apreciadora de sertanejo, forró, funk, pagode e afins... E quando o assunto é minha outra grande paixão, ou seja, os livros, então minha situação fica ainda mais desesperadora. Sinto-me como um ser improvável, que segue em queda livre rumo á extinção.
Certa vez, eu li uma matéria, não me lembro em qual site e tão pouco quem era o autor, na qual ele fazia um desabafo sobre o quanto é ridícula essa proliferação da ideia de que os brasileiros não gostam de ler. E ele sustentava sua tese mostrando alguns números que colheu através dos meios informativos; números otimistas que apontam considerável crescimento na demanda de livros e e-books, em nosso país, além do expressivo aumento de editoras e seus relacionados.
Quando li essa matéria fiquei um pouco envergonhado, porque eu mesmo sempre fiz parte dos que carregam a bandeira do pessimismo á cerca de nosso povo, mesmo porque eu não apenas me deparo com os baixos números, mas também presencio a falta de interesse coletiva pela literatura. Porque o cheiro da merda pode ser sentido numa breve busca pela verdade sobre o nosso desinteresse; que os brasileiros leem em média seis minutos por dia; que mais da metade dos brasileiros não leram nenhum livro nos últimos três meses; que 75% do nosso povo nunca entrou numa biblioteca (aqui em minha cidade tem gente que nem sabe onde ela fica); e para esta mesma nação, que ama futebol e adora pegar no pé dos nossos vizinhos hermanos, talvez estes recentes dados consiga, enfim, lhe tocar: existe mais livrarias na capital deles, Buenos Aires, do que em todo o nosso território nacional. E que a média de leitura dos nossos rivais por ano é mais que o dobro da nossa (4,6% livros por ano deles, contra 1,9% nossa). Uma goleada! Se fosse uma partida de futebol, a nação inteira estaria indignada.
Mesmo assim, eu disse á mim mesmo que, como nunca fiz nada para melhorar esse quadro, também não faria para piorá-lo ainda mais. Prometi que jamais escreveria um post que apontasse com meus dedos preguiçosos o quão ruim são as estatísticas sobre literatura no Brasil, aqui no blog.
Só que recentemente eu optei por quebrar minha promessa. Não porque quero contribuir com a proliferação da péssima realidade de nosso país; mudei de ideia, porque quero arregaçar as mangas e fazer algo, á começar pela minha cidade. Pensei em trazer para cá, a ideia que encontrei na Internet; um projeto bacana e que custa tão pouco, que considerei quase um pecado me recusar á contribuir. Chama-se “Campanha Esqueça um Livro”, que consiste no simples ato de deixar um livro esquecido em local público, para que um suposto leitor possa o encontrar e talvez adquirir o gosto pela leitura. Dentro deste livro, deixarei um breve recado impresso, explicando a situação para que o felizardo que o encontrou possa avaliar se quer ou não lê-lo, e caso não queira, que o deixe em local público para que outra pessoa tenha a mesma oportunidade de encontra-lo.
Uma ideia que de tão fácil, é simplesmente genial.
É a chance de apresentar este desconhecido universo linguístico; único que produz filosofia, ciência e literatura, capaz de ampliar o pensamento com mais profundidade acerca das realidades objetivas e subjetivas e, claro, fazer com que consigamos um bom emprego e ascendamos profissionalmente. Se ao menos eu conseguir introduzir um novo leitor com esta simples ideia, já terá valido á pena...

Espero num futuro bem próximo, poder vir aqui com um novo post para compartilhar os bons resultados dessa iniciativa.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

RESENHA DE LIVRO – Meu Sonho Contigo


Não é preciso o menor esforço para se perceber o quanto o personagem foco deste incrível trabalho literário (mas de nome duvidoso), intitulado “Meu Sonho Contigo”, é perspicaz. A autora, Nuala O’Faolain (esplêndida) conseguiu com maestria, exibir traços e personalidades de uma mulher de meia idade, bem-sucedida profissionalmente, mas que viveu sua vida inteira distante do amor. Seja este amor familiar ou afetivo. A profundidade narrativa que podemos encontrar e por que não, sentir, neste livro é tamanha, que por vezes ficamos com a sensação de que estarmos diante de uma biografia, em vez de um romance de ficção.

Kathleen de Burca é uma escritora irlandesa, bem sucedida e apaixonada pelo ofício. No entanto, a vida desta competente profissional, resume-se aos amigos do trabalho. E quando um deles vem á falecer – talvez o mais querido de todos – ela decide retornar á Irlanda e colocar em prática um antigo desejo: escrever um romance sobre um antigo caso de adultério, que abalou o país, no que seria uma mescla de fatos históricos e ficção. Para o leitor, seria algo como ler uma história dentro da outra.
É este o ponto que eu considerei inferior no livro. A autora (me refiro á Nuala) parece ter deixado toda a sensibilidade do texto, nas impecáveis narrativas de sua personagem, se esquecendo da história paralela contada pela mesma, o que acabou deixando estes instantes insossos e tediosos. Por sorte, esses momentos são pequenos no livro.

As passagens mágicas da escritora (agora me refiro á personagem, Kathleen de Burca), ficam á cargo dos relatos que ela faz das memórias de infância e de suas relações estremecidas com os familiares. A profundidade nas quais reminiscências são narradas é algo quase tangível. De um ser humano que trás á tona seu passado sem nenhum pudor ou vergonha; simplesmente mostrando a natureza humana em toda sua beleza e monstruosidade. Muitas das vezes, sem sequer haver uma explicação.
Em determinado momento, Kathleen finalmente descobre o que poderia ser o amor, mas até este também lhe é apresentado sem nenhum confete ou lacinho dourado. Apenas a crueza, que complica ainda mais sua vida, lhe obrigando á tomar difíceis decisões.

Não se engane com o título brega, “Meu Sonho Contigo” é um livro gostoso em sua força e profundidade. Que expõe sem nenhum romantismo, aquilo que poderia muito bem ser uma anônima aventura, vivida por mim ou por você. Uma jornada cujo encanto se revela nos detalhes mais simplistas, de um ser humano limitado e falho...

sábado, 4 de janeiro de 2014

RESENHA DE LIVRO – Felicidade Clandestina


Não sei se o meu maior pecado é ainda não ter nenhum livro de Clarice Lispector em minha modesta estante, ou se é o fato de eu ter levado tanto tempo para conhecer essa fantástica escritora, nascida na Republica Popular da Ucrânia, porém brasileiríssima (Clarice foi naturalizada; ela se declarava Pernambucana) para o nosso orgulho. Quando questionada sobre sua nacionalidade, ela costumava destilar a seguinte pérola: “Naquela terra eu literalmente jamais pisei; fui carregada no colo”. Declarava-se brasileira com altivez.

Como não poderia deixar de ser, no meio literário eu vivi vendo seu nome e ouvindo falar desta escritora, mas levei muitos anos para finalmente ler um livro de sua autoria. E enfim, minha remissão aconteceu com este delicioso “Felicidade Clandestina”, que nada mais é do que uma obra que reúne textos que podem ser classificados como “contos”, embora este não seja exatamente o termo abrangente, porque Felicidade Clandestina parece alternar seus gêneros; ás vezes nós nos pegamos lendo um conto, noutras encontramos algo mais próximo do que seria uma crônica (que são os meus preferidos).

O conteúdo da obra reúne vinte e cinco textos que tratam de temas diversos, alguns relatados de maneira corriqueira, como recordações da infância e juventude da autora (alguns textos são autobiográficos). Já outros trabalhos são um pouco mais complexos e ligados á questões da alma, pensamentos reflexivos e uma espécie de representação dos processos mentais de cada personagem. Conforme avançamos com a leitura, vamos encontrando uma obra mais introspectiva do que outra, coisa que somente os grandes gênios da literatura são capazes de realizar.

O mais impressionante dentro do mundo literário é que livros não envelhecem como geralmente ocorre com outras fontes de cultura. Este livro da Clarice foi lançado inicialmente em 1971, mas quando eu estava lendo, senti como se estivesse diante de algo recente; de textos que expressam situações cabíveis e absolutamente sensatas, mesmo para leitores deste longínquo ano de 2014, e que provavelmente assim continuarão sendo pelos próximos séculos que virão. Clarice Lispector escreve com um traçado moderno e jovial; como se ainda estivesse viva, e provavelmente ela ainda está... só que dentro do coração de seus leitores.

É graças á essa mágica dos livros que aos poucos eu posso me redimir dos meus pecados literários, e á cada dia, poder conhecer novos autores brilhantes, escondidos por entre infinitas prateleiras de bibliotecas ou nas imensas livrarias, pelo mundo afora.

Felicidade Clandestina é leitura obrigatória para os amantes de literatura em geral, e Clarice Lispector é sim, a mais engenhosa autora brasileira que já li até a data desta postagem.