domingo, 26 de abril de 2015

RESENHA DE LIVRO: UMA LIÇÃO INESQUECÍVEL


O ser humano é uma inconstante dicotomia entre benevolência e crueldade. Qualquer um dos lados aflorados é capaz de transformar drasticamente a vida deste mesmo indivíduo ou de pessoas ao seu redor.

Quando um garotinho de rua pede uma moeda de esmola para Laura Schroff, ela vê sua benevolência atiçada, e deste momento em diante, ela tem a sua vida e a daquela improvável alma, vagante das ruas de Nova York, mudadas para sempre.
Exatamente como o título sugere, este livro trata mesmo de UMA LIÇÃO INESQUECÍVEL, conta uma inusitada relação de amor entre uma executiva estabilizada e um menino negro pedinte de rua. Mas particularmente eu prefiro o título original da obra: An Invisible Thread (Um Fio Invisível), pois faz mais justiça ao que a autora queria passar sobre sua relação com Maurice; o garoto de rua que certo dia lhe pede esmola e eles acabam se tornando amigos.

A trama começa narrando o inusitado encontro entre os dois protagonistas, mas ela não fica atrelada apenas ao cotidiano atual. Os autores, Laura Schroff e Alex Tresniowski, constantemente mudam o foco para mostrar o passado turbulento que fora a vida de Laura e Maurice, construção literária que nos ajuda a entender e gostar dos personagens.
A história contada no livro é real e foi vivida pelos protagonistas. E mesmo diante de relatos fortes sobre vidas improváveis, lares destruídos por violência, drogas e miséria, ainda sim a veracidade dos fatos não deixa o clima tornar-se novelesco ou piegas. Tive a sensação de que os autores tentaram fidelizar a realidade de cada situação vivida por Laura e Maurice, sem haver a preocupação em arrancar lágrimas do leitor.

Em determinado instante da trama, Laura, que narra tudo em primeira pessoa, levanta um questionamento bem interessante: Ela se pergunta se é correto entrar na vida de um menino pobre e sem perspectivas, e então lhe proporcionar instantes de conforto, lazer e fartura. Isso seria mesmo algo digno á se fazer? Segundo ela, tal atitude poderia vir a ser um ato de dissimulada crueldade, pois sempre após se encontrar com Laura, Maurice precisava se deparar com o contraste sombrio que sua vida é em comparação á vida de sua nova amiga. A autora se pergunta se tudo o que faz para o garoto, talvez não seja apenas para que ela própria se sinta melhor... Uma questão difícil de ponderar.
Um ponto que achei desnecessário foi uma entrevista que encerra o livro, na qual Laura conta alguns detalhes sobre a obra e o seu desenvolvimento. Não creio que isso fosse necessário, uma vez que, a própria trama já desenrola coisas suficientes para nos deixar por dentro da importância e o desejo de se realizar este trabalho. De qualquer forma, a entrevista é um posfácio e não há necessidade de ser lida.

UMA LIÇÃO INESQUECÍVEL é o testemunho de duas vidas que em determinado instante de tempo se encontram, de forma inesperada e irreversível. Então, executiva e morador de rua se tornam amigos, e aprendem juntos humildade e amor.
O teor do livro parece nos dar indícios de que há qualquer momento iremos ás lágrimas, mas embora estejamos diante de uma bela história, a desconsolação não chega á se fazer presente.

Mas é um bonito relato de vida e vale á pena ser degustado.

sábado, 25 de abril de 2015

CRÔNICA: SALA VAZIA


Deitado no tapete da sala, de barriga pra baixo, eu pensava em alguma coisa para escrever. O barulho do ventilador ligado, girando para paredes vazias, lá no quarto, era um sinal de que eu vagueava sem destino pela casa. Em minha frente, a estante de livros onde notei uma grossa camada de poeira, uniformemente adormecida entre os volumes... Pensei que eu deveria arriscar compor uma poesia.
Será que foi o vislumbre da poeira impregnada em meus móveis que despertou essa inusitada sugestão? Certa vez, eu li num texto, que as palavras surgem e constroem frases naturalmente na mente de um poeta, diante do simples entrever da realidade ordinária. Eu não me julgo um poeta, e nem mesmo sou bom na arte de construir versos. Principalmente porque acredito que a grande magia da poesia não é a de transmitir algo lógico ou comunicativo, mas, sobretudo a de construir emoções.
Mas eu aprendi que escrever deve se tornar um hábito constante na vida de quem quer se manter estudante dessa arte... Se escrever for apenas um hobby, então seremos como atletas de fim de semana, onde não exercitaremos o suficiente para elevarmo-nos á novos degraus de excelência. Exatamente como um atleta que precisa praticar os músculos, um escritor precisa praticar a escrita. Mesmo quando sua mente está vazia, feito calçadão do centro da cidade em noite de chuva.
Bom, o fato é que o desconforto de ficar muito tempo deitado assim, imprensando o abdômen, me deixa sem ar. Então, eu me sentei e, casualmente, olhei para o negrume da tela da TV desligada. Foi estranho, mas me lembrei de que fazia meses que eu não assistia nenhum canal televisivo e, mesmo assim, não sentia falta de nenhum deles. Quantas risadas tolas, quantos gritos de gol, quantos bocejos entediados, quanta indignação. Quantas lágrimas eu e ela já compartilhamos juntos... Eu queria fazer as pazes contigo, ó querida condutora da futilidade mundana. Mas o espelho escurecido e emburrado, diante de mim, mais se parecia com uma criança mimada, que jamais perdoará o meu completo abandono.
Absorto, eu reparo um pequeno tufo de algodão, preso nos pelos do meu peito. Eu o retiro e olho de perto. E entendo que não se trata de um tufo de algodão, mas de resquícios da Tekila, minha adorável Poodle, portadora de enorme quantidade de fiapos de algodão, que se desprendem dela, deixando por onde passa um rastro matreiro de cor branca. Percebi que toda a extensão do tapete era um ambiente impregnado de pequenos bolinhos provindos de sua crina canina, denotando que aquele recinto havia sido emancipado.

Senti-me um estranho, um intruso dentro de minha própria sala.
Até mesmo o tapete, com toda sua expansividade familiar, agora me era excêntrico, porque eu havia me tornado um visitante raro da sala, incapaz de notar seu novo adorno esbranquiçado.
Como pode eu ser incapaz de reparar transformações tão evidentes dentro da minha própria casa? Era como se eu estivesse entrando na sala pela primeira vez. E exatamente como ocorre na natureza dominante, a Tekila teria todo o direito de me expulsar, pois aquele terreno agora lhe pertencia. Afinal, até a TV recusava-se á fazer as pazes comigo; os livros deviam me odiar por deixá-los á mercê da poeira incessante; e os fiapos de algodão de minha pequena leoa reivindicavam o solo daquele ambiente.
Levantei-me e fugi, feito um covarde, para a cozinha. Frequentemente, eu esticava o pescoço, como um periscópio humano, vigiando a sala de longe. Aquelas veracidades cruéis não me queriam por lá, e agora eu temia estar sendo perseguido, e talvez a revolução se intensificasse, ocasionando em uma expulsão coletiva. Tive medo de olhar também ao redor da cozinha, pois os talheres poderiam se unir aos copos e o microondas, numa campanha coletiva para me repelir.

O ser humano é o único animal que não sabe o que fazer na hora de marcar terreno.
Mas a sala já havia aprendido isso, e a corte residencial estava formada, em todos os vãos da estante. A acusação trouxe algumas testemunhas de peso: minhas pequenas Gueixas de pano, que conviveram comigo há tanto tempo, agora me olhavam com menos admiração: “Você é mesmo um ausente! Como pôde ser tão ingrato? Até já dormiste neste chão, velado por nós!”, eu era capaz de escutar suas duras acusações. O dragão de argila, que adquiri de uma vendedora indígena em Foz do Iguaçu, apesar de não ter feito nenhum pronunciamento, pareceu optar pela neutralidade, recusando-se á tomar algum partido... E por fim, a Dama da Justiça, imponente e resoluta, o mais antigo adereço da estante, com sua balança nas mãos, parecia pronta para me dar a sentença.
Culpado!
Finalmente eu entendi que não somos nós aqueles que precisam invadir, sobrepor ou apreciar o lar. Na verdade, é o ambiente que nos escolhe, que nos analisa antes de decidir se gostará de nós... Ou ele nos expulsa sem nenhum pudor, como se fôssemos indesejáveis leprosos.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

RESENHA DE LIVROS – A MULHER COM O LAPTOP


Logo que comecei a leitura deste livro, tive a impressão de que eu estava entrando numa cansativa jornada de 318 páginas, as quais se piorassem, eu não veria alternativa, senão cometer um ato raro: abandonar a leitura. Sim, este A MULHER COM O LAPTOP começa um pouco enfadonho, daquelas leituras que causam inevitáveis ardências nos olhos. E mais; em momento algum ela decola pra nos fazer querer virar mais uma página e ler mais um pouquinho.

Outro aspecto que imediatamente me causou desconforto, é que o autor nos arremessa, sem nenhum pudor, uma elevada quantidade de personagens, o que nos deixa completamente perdidos, tentando recordar quem é quem na história.
Começo esta resenha com queixas, exatamente para dar segmento á epítome, destacando que o autor, D.M. Thomas, consegue se redimir em parte de alguns de seus pecados literários, conforme vamos progredindo nas páginas deste seu trabalho.

A trama passa a ter um ganho substancial na exata proporção em que o personagem principal vai se mostrando para o leitor. Sobretudo quando ele faz desabafos impronunciáveis, instigado pelos próprios sentimentos. Ainda assim, a leitura peca por nunca passar de morna e quase não têm grandes instantes para nos deliciar. São apenas situações quase que corriqueira, como se estivéssemos acompanhando o dia-dia de pessoas num inusitado workshop. A falta de familiaridade com os personagens também incomoda bastante, mas acho que o leitor acaba criando certo vínculo próprio apenas com os seus preferidos, embora eu deva dizer que nenhum foi cativante o suficiente aos meus auspícios, talvez por falta de mais interação construtiva ou o elevado número de coadjuvantes.
A trama conta a história de Simon, escritor de segunda classe, que é convidado á passar uma temporada numa ilha grega, onde coordenará uma oficina literária. Os “alunos” da oficina são personagens distintos, meio que em busca de certa libertação de seus impulsos interiores. O desafio de Simon é de tentar ensinar aos participantes a diferença entre querer escrever e a qualidade do que é escrito. A trama parece meia vaga e ás vezes nos deixa a impressão de que ela é mero escapismo para algo maior que está por vir, o que infelizmente nunca acontece.

Os pontos fortes do livro ficam por conta da narrativa bem construída, muitas vezes intensa e noutras com diálogos profundos: “Quanto mais bela uma mulher, mas ela tende a desprezar a beleza feminina, após o declínio da sua”. Sacadas reflexivas, como essa, embelezam alguns instantes da obra. Outro aspecto positivo é que a forma de linguagem é um pouco diferente da habitual. Não sei dizer nem se é difícil, mas é imprevisível e incomum, principalmente quando se trata de um narrador na primeira pessoa. Incomodou um pouco no início, mas depois aprendi a gostar da forma de escrita de D.M. Thomas, um escritor que mostrou possuir um estilo textual peculiar, mas que teria sido melhor aproveitado se a trama fosse um pouco mais sedutora.
Foi uma viagem por uma história nem um pouco previsível, mas sem grandes momentos. Com uma forma de linguagem singular, e um título que só foi ser explicado no finzinho da obra. Pra quem for degustar, fica a dica: não avance até o final para entender o título. Prefira desfrutar de todo o livro, viajando numa aventura pouco empolgante, mas que é simpática e despretensiosa.