terça-feira, 23 de junho de 2015

RESENHA DE LIVRO – VIDAS PROVISÓRIAS


O autor do livro analisado nesta resenha, certamente é bem mais conhecido por seus trabalhos como repórter. Á título de exemplo, Edney Silvestre se destacou como correspondente em Nova York, durante os ataques terroristas do onze de Setembro. Mas o cara é também possuidor de grande talento para literatura que, e assim como era no meu caso, a maioria dos brasileiros desconhece.

Vidas Provisórias é um trabalho dotado de viés delicado e sutil, que narra histórias paralelas e simplistas de dois personagens, os quais vivem “vidas provisórias” no exterior: um jovem universitário, irmão de um militar dos tempos da ditadura, que é sequestrado em seu apartamento no Rio de Janeiro e brutalmente torturado pelas mãos dos militares da década de 60, depois é descartado em fronteira, sem nenhum documento de identidade. Ao mesmo tempo, acompanhamos uma adolescente de dezessete, que escapa do Brasil, munida de passaporte falso, temendo a violência truculenta que assolava o país.
Usando de sua elevada experiência vivida no exterior, Edney nos entrega um trabalho fantástico, cujas tramas são relatos quase palpáveis, onde fica fácil trazer á tona todos os infortúnios vividos por Paulo e Barbara, os dois protagonistas. As dificuldades enfrentadas por eles, que precisam se adaptar á viver num país desconhecido, se escondendo como se fossem ratos, lutando contra o medo da deportação, diariamente sob a sensação de viver como indesejáveis, cheios de saudade da terra natal e dos familiares. Tudo isso nos é mostrado sem pudor, onde a essência do ser humano permeia ao longo de cada parágrafo.

O livro possui uma pegada melancólica, mas não chega á nos deixar entediado. O autor é minucioso nos detalhes e nos transporta facilmente para dentro de suas páginas. As cenas de tortura vividas por Paulo me incomodaram bastante, assim como a constante sensação de inadequação que Barbara ostenta ao longo de sua trajetória. A obra também é rica nos detalhes que aconteceram ao redor do mundo, em conformidade com o tempo vivido por cada personagem.
Gostei muito também do visual deste volume. Este segue com o desenvolver das duas histórias, alternando-as em pequenos capítulos, onde cada um possui um estilo diagramático diferente, inclusive nas cores. É mesmo um belo trabalho.

Edney Silvestre é outro autor extremamente competente que só fui conhecer este ano (atualmente venho mantendo um faro aguçado para descobrir bons autores nas livrarias). Ele possui outros trabalhos, até com mais notoriedade, os quais eu certamente procurarei muito em breve.
É literatura bem escrita e delicada, infestada de intensidade emocional e até um pouco triste. Mas acima de tudo, um livro que fala de esperança, de luta pela sobrevivência dentro de um mundo aparentemente empenhado em nossa destruição. Uma obra que beira a perfeição, justamente por trazer o leitor de volta ao tato com sua própria humanidade.

sábado, 6 de junho de 2015

RESENHA DE LIVRO - OURO


Por trás da gloriosa conquista do lugar mais alto no topo e da obtenção de uma reluzente medalha olímpica, existe vida.

Vida que geralmente é sufocada pela obstinada busca pela excelência no esporte. Certamente a abnegação desta mesma vida parece ser condição primordial para que um atleta seja merecedor do lugar mais alto do pódio.
Neste excelente trabalho, de título simplório, mas detentor de conteúdo riquíssimo, o autor Chris Cleave nos remete á uma história de superação e limites do ser humano, onde um questionamento paira constante na mente do leitor: até onde seríamos capazes de ir para conquistar a glória olímpica.

Eis a premissa deste fabuloso livro intitulado OURO.
A trama, que por sinal é muito simples, conta a história de duas jovens que fazem parte de um grupo de ciclismo de elite, e juntas elas vivem uma trajetória de sofrimento, luta e superação. O autor enriquece suas personagens dando á elas personalidades distintas, que constantemente as coloca em intensos conflitos. O enredo também está repleto de bons coadjuvantes, todos envolventes e em harmonia com o desenrolar da história.

Há momentos em que eu adorava suas personagens, e noutros eu era capaz de detestá-las facilmente. Uma delas, chamada Zoe, foi a que mais mexeu comigo ao longo da leitura, talvez por ser uma mulher de temperamento muito forte; dotada de um determinismo provocador. O autor me fez amar e odiar Zoe em diversos instantes da obra. E no fim das contas, soube que eu a adorava desde o início. Não há espaço para vilões aqui. O que temos são seres humanos confrontando suas limitações e suas falhas.
Chris Cleave talvez tenha sido a maior descoberta literária que fiz este ano. Ele sabe narrar de maneira brilhante os limites físicos e emocionais das pessoas. Foi capaz de transformar um roteiro banal num intenso relato da fragilidade humana. A leitura deste livro me fez sentir as dores dos personagens, como poucos livros foram capazes de fazê-lo.  Levou-me ás lágrimas em alguns instantes, e arrancou sorrisos de meus lábios noutros. Não é um autor inovador, mas ele consegue despertar sentimentos em seus leitores com facilidade absurda.

O livro mais conhecido dele chama-se PEQUENA ABELHA, e certamente estarei antenado neste, e em todos os outros trabalhos deste promissor contador de histórias britânico.
Ouro foi uma excelente descoberta que fiz. Um livro que quase não retirei da prateleira por parecer desinteressante, mas que valeu muito á pena ter conhecido. É aquele tipo de leitura que faço devagar, temendo que esta chegue ao seu final... Recomendadíssimo!