O autor do livro analisado nesta resenha, certamente é bem mais conhecido por seus trabalhos como repórter. Á título de exemplo, Edney Silvestre se destacou como correspondente em Nova York, durante os ataques terroristas do onze de Setembro. Mas o cara é também possuidor de grande talento para literatura que, e assim como era no meu caso, a maioria dos brasileiros desconhece.
Vidas Provisórias é um trabalho dotado de viés
delicado e sutil, que narra histórias paralelas e simplistas de dois
personagens, os quais vivem “vidas
provisórias” no exterior: um jovem universitário, irmão de um militar dos
tempos da ditadura, que é sequestrado em seu apartamento no Rio de Janeiro e
brutalmente torturado pelas mãos dos militares da década de 60, depois é
descartado em fronteira, sem nenhum documento de identidade. Ao mesmo tempo,
acompanhamos uma adolescente de dezessete, que escapa do Brasil, munida de
passaporte falso, temendo a violência truculenta que assolava o país.
Usando de sua elevada experiência vivida no exterior, Edney
nos entrega um trabalho fantástico, cujas tramas são relatos quase palpáveis,
onde fica fácil trazer á tona todos os infortúnios vividos por Paulo e Barbara,
os dois protagonistas. As dificuldades enfrentadas por eles, que precisam se
adaptar á viver num país desconhecido, se escondendo como se fossem ratos,
lutando contra o medo da deportação, diariamente sob a sensação de viver como
indesejáveis, cheios de saudade da terra natal e dos familiares. Tudo isso nos
é mostrado sem pudor, onde a essência do ser humano permeia ao longo de cada
parágrafo.
O livro possui uma pegada melancólica, mas não chega á nos
deixar entediado. O autor é minucioso nos detalhes e nos transporta facilmente para
dentro de suas páginas. As cenas de tortura vividas por Paulo me incomodaram
bastante, assim como a constante sensação de inadequação que Barbara ostenta ao
longo de sua trajetória. A obra também é rica nos detalhes que aconteceram ao
redor do mundo, em conformidade com o tempo vivido por cada personagem.
Gostei muito também do visual deste volume. Este segue com o
desenvolver das duas histórias, alternando-as em pequenos capítulos, onde cada
um possui um estilo diagramático diferente, inclusive nas cores. É mesmo um
belo trabalho.
Edney Silvestre é outro autor extremamente
competente que só fui conhecer este ano (atualmente venho mantendo um faro
aguçado para descobrir bons autores nas livrarias). Ele possui outros
trabalhos, até com mais notoriedade, os quais eu certamente procurarei muito em
breve.
É literatura bem escrita e delicada, infestada
de intensidade emocional e até um pouco triste. Mas acima de tudo, um livro que
fala de esperança, de luta pela sobrevivência dentro de um mundo aparentemente
empenhado em nossa destruição. Uma obra que beira a perfeição, justamente por
trazer o leitor de volta ao tato com sua própria humanidade.