quarta-feira, 29 de julho de 2015

RESENHA DE LIVRO: A VIDA QUE VALE A PENA SER VIVIDA


Não se deixe enganar pelo título com cara de autoajuda desta obra. Fórmulas prontas ou qualquer direcionamento que lhe garanta a obtenção de soluções imediatas, que supostamente lhe ocorreu ao ler a capa, é o que menos você encontrará neste volume. Os próprios Clovis de Barros Filho e Arthur Meucci, autores da obra, fazem questão de deixar isso bem claro, já no início da leitura. Nas próprias palavras deles:

“... Saiba que você está equivocado. Este livro não atende às suas expectativas. Sua leitura não trará soluções. Nele você não encontrará nenhuma dica ou artifício para se dar bem. Por ele, o sucesso continuará dos outros, fora do seu alcance”.

E os professores não estão mesmo mentindo. Acho até que a leitura deste livro deixará você com mais dúvidas do que tinha antes de se atrever a viajar através de suas páginas. Talvez o título sugestivo seja mero golpe de marketing. Não à toa, este trabalho, filosófico por excelência, costuma ser encontrado em livrarias, justamente na seção de autoajuda, a qual a obra tanto ataca e condena.

Portanto, se sua intenção for encontrar respostas tirânicas, que impõe o que você precisa fazer para alcançar a vida boa, esqueça. Outros títulos certamente atenderão melhor sua necessidade pragmática. Porque frente à constante incerteza que se agiganta em nossas vidas, costumamos achar mais fácil obter garantias formuladas minuciosamente no sentido de direção, seja ideologias políticas ou mesmo a literatura de autoajuda.

Mas aqui a viagem é na contramão das certezas incontestáveis. Aqui temos conteúdo filosófico, escrito por professores de filosofia, que se consideram inimigos jurados da metodologia moderna que alega existir meios irrefutáveis de excelência existencial capaz de servir para qualquer pessoa.
Este livro, simplesmente fascinante de ser lido e relido, não se reduz, apenas, a uma simples tabela metodológica. Possui amplo conteúdo teórico com base no pensamento de grandes filósofos da história da humanidade, os quais podemos nos servir, e a partir desta leitura, ir mais à fundo naquelas ideias que mais nos agradem.

A título de conteúdo, Clovis de Barros, ao longo de toda obra, traz de maneira leve e ensaística, passagens com tonalidade prosaicas. Temos então, um agradável livro de filosofia, que segue uma linha de raciocínio facilitado e que tenta trazer reflexões de acordo com aquilo que poderia ser as dúvidas dos leitores. Como se estivéssemos assistindo a uma aula do professor.

E pra ficar ainda mais interessante a leitura deste livro, eu recomendo que você assista também à palestra de mesmo título, que pode ser facilmente encontrada no Youtube ou no Espaço Ética, o site do professor. É claro que o livro é bem mais rico em conteúdo, mas creio que as chances de você se tornar um buscador dos ensinamentos deste, que considero um dos homens mais inteligentes desse país, seja grande. Clóvis de Barros Filho é um sujeito dotado de didática fácil; que sabe tornar conteúdos eruditos em ensinamentos simples, como se estivéssemos papeando em um bar.

É leitura obrigatória para qualquer amante de filosofia. E para aqueles que se interessam pela disciplina, mas que olham com desconfiança para este caminho aparentemente intrincado e cheio de gente culta, este livro certamente será sua porta de entrada para o mundo da filosofia. Além de ser um excelente indicador de que a Vida que Vale à Pena Ser Vivida é exatamente esta que você desfruta, neste exato instante.

domingo, 26 de julho de 2015

HOMENAGEM: O FIM DA JORNADA?


O grande filósofo Aristóteles nos deu uma definição fantástica sobre o sentido da palavra amizade. Segundo o pensador grego, “A amizade é uma alma com dois corpos”.

Embora esta ideia nos pareça imaculada demais pra ser enriquecida, ainda assim, eu gostaria de circunstanciar, nesta breve reflexão, que ao longo de muitos séculos, houve um progresso na ideia deste grande filósofo.

E essa evolução aconteceu aqui, dentro dessa sala de aula.

Era uma sexta-feira treze de abril, do ano de 2012. Nunca tive crendices supersticiosas, mas aquela foi uma trágica sexta-feira 13 em minha vida. Durante uma despretensiosa pelada com os amigos do trabalho, eu me acidentei seriamente e precisei fazer uma cirurgia complicada. E entre muitas medidas que precisei tomar por conta disso, uma delas foi o meu afastamento do curso de inglês por quase um ano.

Mas a vida é mesmo uma estrada indecifrável, e as consequências daquele acidente, que só pareciam destinadas a frear minha vida, me conduziram até uma nova turminha do CCAA. Turma esta, a qual eu conhecia apenas a professora Maísa.

De início, a relação era de extrema cautela; de um lado, havia eu tentando me afeiçoar com aqueles desconhecidos rostos. E do outro, a maioria deles buscando entender quem era aquele estranho novato, que usava roupas pretas e cabelos compridos.

E a reciprocidade veio aos poucos. Até porque não poderia ter sido diferente; tínhamos apenas um encontro semanal onde o único instante em que havia a possibilidade de nos relacionar, era durante o intervalo da aula. Bom, dentro da sala a gente até poderia tentar, mas a Maísa nos obrigava a fazê-lo em inglês, o que para nós era praticamente impossível.

O tempo foi avançando e as noites de quartas se transformando em encontros cada vez mais familiares, entre alunos intencionados a se tornar bilíngues. Galgamos cada semestre, numa briga incessante por compreender um inglês que nos soava escapadiço; éramos um amontoado de mentes travadas, olhares receosos e línguas presas... Bom, talvez não para o Silvério, com sua audição sempre aguçada e uma pronúncia irritantemente impecável.

Mas o que aqueles contínuos encontros não nos deixavam notar era o quanto levávamos nosso intrincado progresso com respeito, harmonia, serenidade e compreensão um pelo outro. Até chegarmos ao auge dessa virtude coletiva, quando estávamos diante das deliberações de nossa formatura, e mesmo frente a condições contraditórias que nos foram impostas, nossa turma, consolidada e forte de união, optou por ficar junta. Mesmo isso implicando em não fazermos parte dos festejos de encerramento.

Ora, meus amigos, se estes não são resquícios da construção de um grupo forte e afetuoso, sinceramente eu não sei o que mais poderia ser.

Dessa nossa harmonia evolutiva, só abandonou o barco aqueles que não se viram encaixados; os que se sentiram desconexos, ou simplesmente não olhavam para o nosso grupo como prioridade... Portanto, temos aqui, nesta reta final da jornada, o molde concluído de uma turma que aprendeu a se gostar e se respeitar... E acreditem: não seria melhor se fosse com outros alunos. E de jeito nenhum este seleto grupo altruísta existiria se faltasse você, Florinda, Isabelle, Heitor, Lara, Luiz, Maísa, Marcus, Natália, Scarlat, Silvério.

Despeço-me aqui, tomado por certo pesar por estarmos no fim de nossas aventuras de quartas-feiras. Mas e quem disse que tinha de ser pra sempre, né? Afinal, tudo aquilo que nunca se acaba, acaba perdendo a graça e a notoriedade... De mim, sairei pela última vez por essa porta, um sujeito melhor do que quando entrei, pois aprendi a me sentir parte deste bando de aspirantes da língua universal. Sim, pois mais do que aprender uma língua, eu levo comigo valiosas lições de companheirismo e apreço.

Mas espera um pouco aí: e quanto a Aristóteles? O que a frase no início do texto tem á ver com tudo isso?

Bem, se um dia o velho pensador nos disse que a amizade é uma alma com dois corpos, acho que a adorável relação desta nossa turma de inglês conseguiu, ao longo desses dois anos e meio, provar que a amizade pode ir além. Porque nos tornamos diversidade harmoniosa; o caos decifrado... Sim, eu acho que hoje nos tornamos uma alma com onze corpos.


***
(Esta é uma singela homenagem à todos os meus colegas que se formaram comigo na última quarta-feira, dia 22/07/215)

sábado, 18 de julho de 2015

RESENHA DE LIVRO – O DIÁRIO DE ANNE FRANK – Edição Definitiva


A vantagem de se ter o blog menos lido do mundo, como é o caso deste, é que jamais serei apedrejado por expressar minha opinião. E esta opinião vai justamente à contramão da crítica comum sobre o DIÁRIO DE ANNE FRANK, porque este livro é unanimidade de aprovação entre leitores de qualquer língua que fora contemplada com a tradução desta obra. Realidade que se mostra claramente em seu preço de venda, sempre tão exorbitante. Mas eu achei a leitura deste O DIÁRIO DE ANNE FRANK cansativa e entediante. Contudo, creio que o problema não seja da pequena autora, a própria Anne Frank, que narrou em seu diário os difíceis dias vividos em confinamento, para escapar da truculência nazista. A questão aqui é que estamos lidando justamente com um diário, e como não poderia ser diferente, é o relato cotidiano de pessoas que vivem presas num pequeno espaço, onde suas vidas estão limitadas, deixando claro que não há muito para se narrar sobre essa sobrevivência, além da constante busca por superar mais um dia.

A edição de que fala esta resenha trás na integra o diário de Anne, contendo agora, todos os trechos que foram cortados ou editados por seu pai, quando da primeira publicação, feito em 1947. Mas achei que os trechos retirados, que na época foram considerados inadequados, hoje praticamente passam despercebidos, frente ao seu conteúdo corriqueiro.

Na internet, eu leio muita gente afirmar que este livro é um relato histórico riquíssimo como poucos o são. Mas do meu ponto de vista, o livro é apenas um diário, com poucas passagens narrativas dos acontecimentos ao redor do mundo na época. Até porque tudo o que a família Frank sabia, era o que as pessoas de fora lhes relatavam, ou através dos noticiários, que acompanhavam por um rádio velho.

A maior parte do livro são relatos de uma garota adolescente, tendo que enfrentar os conflitos comuns desta fase da vida, e os constantes confrontos entre as pessoas que junto com ela estiveram enclausuradas; óbvias discórdias que certamente acontece quando se vive confinado em pequeno espaço, providos de pouquíssimos recursos, e que precisa ser dividido por muitas pessoas.

Eu me pergunto se O DIÁRIO DE ANNE FRANK seria esse sucesso estrondoso, caso ela, Anne Frank, não tivesse sua vida abreviada no holocausto. Será mesmo que este livro causaria tanta comoção, se Anne e sua família tivessem conseguido escapar ilesos do nazismo? Sinceramente eu acho que não.

Novamente afirmo que Anne Frank não é culpada pelo conteúdo insosso deste volume. O fato é que não há muito que se narrar no cotidiano de pessoas que estão escondidas, além das dificuldades como escassez, conflitos entre indivíduos, o tédio constante, e claro, os problemas existenciais enfrentados pela narradora adolescente.

Apesar disso, Anne Frank sabe escrever muito bem, para alguém com pouca idade. Ela narra de maneira coerente, é corajosa quando precisa confessar suas particularidades e não se importa em expor tudo para Kitty, nome que ela deu ao seu diário.

É chocante o que aconteceu naqueles tempos, e começar a leitura sabendo da dolorosa realidade, pode causar certo desconforto. Anne e quase todos que estavam no anexo secreto, são mortas pela barbárie nazista. E talvez a maior lição que este livro possa deixar é a lembrança de que o preconceito é a mais terrível e destrutiva ideia já criada pela mente humana.

Relato histórico ou não, acho que isso não importa. Só espero que jamais cesse a vergonha de nossa maledicência destrutiva, que tirou precocemente do mundo, esta garotinha inteligente e simpática, chamada Anne Frank.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

CRÔNICA: UMA SEMENTINHA DE ROCK PLANTADA NA INFÂNCIA


A primeira influência de rock que recebi na vida aconteceu da forma mais inusitada possível. Pois minha querida mãe, que costuma se referir ao meu repertório musical como “aquelas suas músicas doidonas” foi quem despertou este inconveniente cronista que voz escreve.

Foi num natal da década de oitenta, a minha Velha havia ganhado um vinil do John Lennon do meu pai, porque ela gostava da canção Imagine. Eu devia ter meus oito, nove anos de idade. E muito mais do que Imagine, eu curti de cara o disco inteiro. John era a trilha sonora de minhas manhãs semanais, enquanto eu ajudava mamãe com as tarefas do lar. Escutava tanto aquele Bolachão, que aprendi a cantar junto todas as canções. O inglês imaginário de menino e os solos devidamente destilados com os dedos deslizando através do cabo da vassoura.

Acho que minha mãe nunca notou o tamanho da encrenca que ela estava cultivando dentro de sua própria casa. Mas talvez hoje ela saiba reconhecer, quando olha pra mim dentro de casa, escutando minhas “músicas doidonas”, em volume digno de instigar a discórdia em toda vizinhança, que sou consequência de seu desejo; sou fruto de seu inofensivo anseio por uma música. Vejo em seu olhar de aquiescência o quanto ela compreende ter culpa daquele som de gente louca, escutado quase sempre com o volume até o talo.

Desde aqueles tempos, com a vassoura nas mãos, imitando John no meio da sala, o rock and roll se tornou o maior refúgio para minhas escapadas deste nosso mundo truculento e tirânico. Como se aquele pacto entre mamãe e Imagine tivesse depositado uma semente em meu ser. Que foi sendo regada ao longo dos anos, e hoje se enraizou profundamente em minha alma. Posso garantir que minhas músicas continuam sendo minha válvula de escape infalível, nos dias de tédio ou estresse. Não importa o ritmo, isso vai de acordo com a necessidade. Há dias em que uma baladinha bem light já serve para aliviar; outras vezes é preciso uma dose letal, então o gutural extremo se faz necessário. Desde as remansadas notas de Pearl Jam, até os graves infernais de Behemoth, minhas músicas e eu temos uma relação de religiosidade quase divina.

Outrora, eu poderia citar aqui outras fontes de descontração. Seria capaz de dizer que uma mesa de bar com uma cerveja gelada, futebol rolando na TV, e alguns chegados pra jogar conversa fora, ajudaria muito a matar o estresse. Mas atualmente o futebol parece ter se tornado uma instituição interessada apenas em proporcionar alegria aos cartolas e dirigentes. Quanto aos amigos, bem, estes ainda aparecem lá no bar quando lhes parece conveniente, mas talvez até eles já perceberam que o ambiente não tem mais tanto sentido, frente á um esporte que nos parece fruto de profunda desconfiança.

Escrever também poderia ser cogitado como santo remédio para os dias de trevas. Só que no meu caso, é impossível conseguir ir pra frente do computador quando não estou de bem com o mundo. Escrever é sim, uma atividade que preenche minha alma com extrema facilidade. Mas ela não cura os males da mesma. Porque para conseguir escrever, é preciso que antes eu esteja em plena paz e harmonia com o meu ser. Tristeza, melancolia ou languidez não são problemas pra mim. Ás vezes até me ajudam na composição textual. Contudo, tédio, raiva ou estresse são condições que só consigo curar ouvindo um bom rock and roll.

Imagino que os berros e estrondos destrutivos de muitas bandas que curto atualmente, pouco ou nada tem á ver com a melodia precisa de John Lennon e sua fabulosa Imagine. O fato é que o mundo, mudando sempre como não poderia deixar de ser, continua produzindo Rock de boa qualidade; de todos os tipos e para todas as tribos. E para aquela turminha careta que carrega consigo a velha ideia de que o Rock está morto, vai um recado: Talvez esteja na hora de abrir os ouvidos para o novo e o diferente, seus enviuvados nostálgicos, que vivem com suas mentes aprisionadas numa época que não existe mais. Procurem aprender o hoje, escutem tudo o que lhes pareçam novo; disponham de tempo e garimpem neste vasto universo chamado Rock And Roll. Tenho certeza de que conseguirão encontrar música aos seus auspícios, desde que vocês se comprometam a deixar de lado o ego irredutível de repetir que somente em longínqua época é que se fazia música de qualidade.

Mas se ainda assim continuarem odiando a atualidade do nosso querido Metal, então talvez seja melhor vocês irem ao bar curtir um futebolzinho; aquela instituição que foi privatizada para gozo de alguns canalhas, onde o grito de gol entalou numa goela que adorava cantar John com uma vassoura em punhos.

domingo, 5 de julho de 2015

CRÔNICA: DESEJO & VAIDADE


“Vaidade das vaidades, tudo é vaidade. Que proveito tira o homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol? Geração vai e geração vem, mas a terra sempre permanece. Toda palavra é enfadonha, ninguém é capaz de explica-la. O olho não se sacia de ver, o ouvido não se farta de ouvir. O que foi será, e o que se fez, se tornará a fazer. Nada há de novo debaixo do sol”.
                                                                                            (Livro do Eclesiastes 1:2)

“Em última análise, ama-se o nosso desejo, e não o objeto desejado”.
                                                                                             (Friedrich Nietzsche)


Em síntese, desejo é a pura vontade de se obter algo; é a cobiça, a aspiração. Alguns pensadores pós-modernos atribuem o avanço da humanidade em todos seus aspectos, a um forte desejo intrínseco do ser humano. Sim, porque talvez a ausência da cobiça nos conduza a um lugar perigoso chamado tranquilidade. Pessoas desprovidas de desejos podem cair numa tediosa zona de conforto.

A autoajuda gosta de definir o puro desejo como condição essencial para a obtenção de conquistas, sejam elas quais forem. Diz este conceito, contraditório filosoficamente, que desejar com intensidade é tudo o que precisa acontecer para que se obtenha o fruto de tal aspiração...

No entanto, Maquiavel nos recomendaria cautela, pois a aproximação da realização de um desejo causaria elevação da ambição pelo mesmo. E desse modo, tal proximidade também eleva a dor do ambicioso, caso ele não conquiste o objeto de seu desejo.

Porque desejo, puramente válido por si pode ser algo perigoso, pois instigaria o vício.

Pra dar um exemplo da maledicência do desejo puro, usarei minha própria experiência de vida: desde a infância sou apaixonado pelos jogos eletrônicos. Antes mesmo dos livros se tornarem o preenchimento do meu vazio existencial, os games já desempenhavam esta função. Tanto é elevado esse amor platônico, que comprei um Super Nintendo aos doze, com o meu primeiro salário de trabalhador; console que na época era a plataforma mais badalada. E um fato que todo amante de videogames sabe muito bem, é que adquirir produtos originais aqui no Brasil é bem caro. E ao entramos na era moderna do admirável Playstation 3, embora eu já não possuísse mais tanto encantamento pelos jogos, ou pelo menos não dispunha de muito tempo para jogar, ainda assim, continuo gastando horrores com eles. E o pior: atualmente eu tenho bem mais poder de compra, se comparado aos meus tempos de adolescente. Dessa forma, mesmo ciente do abrandamento de minha paixão efetiva, algo nunca diminuiu em meu ser: o desejo de adquirir novos jogos. E do mesmo modo que fazia quando era um entusiasmado jogador, ainda continuo sentindo forte anseio em obter novos games. E o resultado disso é que minha estante da sala está infestada de títulos que nunca joguei, e talvez nunca jogue.

Quanto à vaidade, esta seria um tanto como a característica daquilo que não possui conteúdo e por isso, se baseia numa aparência falsa. Vaidade é o excesso de valor dado à própria aparência, aos atributos físicos ou intelectuais.

A grande problemática que a priore este texto esbarra, é que para se falar de vaidade, talvez seja preciso ser detentor de sua característica exaltada. A título de exemplo, é preciso ser belo para se falar da vaidade da beleza; é preciso ser rico para se falar da vaidade da ostentação; é precisa ser sábio para se falar da vaidade do conhecimento... Porque do contrário, qualquer coisa que seja dito parecerá ressentimento.

Talvez a estética seja a condição mais condenável, justamente por ser o orgulho mais fácil de enxergar. Uma pessoa dotada de elevada beleza é constantemente vigiada pelos olhares alheios, fazendo com que o belo precise estar o tempo inteiro tentando demonstrar que possui outras características, porque a beleza sofre com a ideia de que ela por si não baste. Do mesmo modo, a soberba pelos atributos físicos certamente é a condição mais dura de ser amenizada, embora a única inevitável.

Já a vaidade simbólica, seria uma maneira de depositar toda a nossa idolatria em obtenções materiais. Passamos a viver uma vida que mostre que tudo aquilo que possuímos represente o nosso ser. E então esbarraríamos na condição de vazio do ser humano. Este tipo de vaidade é amplamente notado por despertar a inveja. E talvez dentro desse conceito vaidoso é onde há maior condensação entre vaidade e desejo. Porque suplantar o vazio com coisas é como encher um saco sem fundo.

O terceiro e último exemplo de vaidade é a do sábio. Aquele que olha de cima para baixo, dominado pelos encantos, verdadeiros ou não, de seu próprio intelecto. Este tipo de soberba é talvez uma das mais difíceis de ser identificada, pois a erudição tem o viés de pureza, de condição obtida por meio do esforço elevado. O sábio é aquele que por meio de determinação e esforço, conseguiu se distanciar dos demais e, portanto, tem todo o direito de ser diferente; ele próprio tenta se enxergar como superior...

Muito bem; feito esta breve explanação sobre desejo e vaidade, eu lhes faço uma pergunta provocativa: quando estas duas condições humanas se unem num mesmo ser, o que acontece? Qual é o resultado da mescla entre anseio maior e o complexo de Narciso?

Se você quiser vislumbrar o resultado desta sórdida mistura, caro leitor, basta procurar um espelho.

O desejo seria como uma espécie de efeito e a vaidade a causa que gera este efeito. Porque se vaidade é a busca por se fugir do vazio, logo, surge no ser humano o desejo, e ambicionamos para não nos sentirmos oco.

Contudo, antes que você desista da leitura desta reflexão, se é que já não o fez imaginando que irá se deparar com um conteúdo acusador, que tem a premissa de ser detentor de verdades absolutas, fique tranquilo. Não é este o intuito deste autor, que assim como você, também sofre do mesmo mal. E exatamente em concordância com a bela passagem tirada do livro do Eclesiastes, ou da precisa afirmação nietzschiana, que principiaram este texto, sabemos bem que, ao fim das contas, tudo é mesmo pura vaidade... E é ela que instiga o desenfreado desejo.

Portanto, farei uso novamente de mim mesmo para exemplificar o que significa a busca de algo movido pelo desejo envaidecido:

Há muito eu tenho sido um buscador ávido de conhecimento na área de literatura e filosofia. E quanto mais eu aprendo, maior se torna meu desejo por obter mais informação. Quanto mais me aproximo das ideias dos grandes pensadores da história da humanidade, mais elevado fica a minha cobiça pela didática criativa, pela erudição. Pois bem, este meu comportamento poderia ser desejo puro, benigno, e talvez o seja para aqueles que me olham de fora. Mas eu sei que por trás desta obstinada busca pelo conhecimento, há resquícios, ou quem sabe mais do que apenas vestígios, uma gana ininterrupta e crescente, ambicionada pelo reconhecimento social; pela conquista do capital simbólico; pela concessão em ser ouvido... Porque tudo aquilo que sai de meu teclado, quando estou escrevendo sobre algo por mim estudado, tem o viés de se parecer como verdades incontestáveis; como se minhas palavras fossem inquestionáveis e absolutas. E logo após as cuspir na cara do leitor, eu abaixo a cabeça e dissimulo, finjo que não sou ninguém, que apenas estou expondo uma humilde análise sobre o tema em questão. No entanto, dentro de mim, paira uma constante voz dizendo: “Vamos, fale mais! Eu preciso de seus elogios... Não parem com os aplausos”.

Porque de nada valeria qualquer forma de obtenção, se não houvesse o reconhecimento externo.

Não é por acaso, que o espelho é tido na mitologia como um presente do demônio, a fim de totalizar a auto apreciação e impedir que cesse o envaidecimento humano. Portanto, acho válida a afirmação que fiz, há pouco, para que pensemos sobre nossa ambiciosa realidade: se quiser conhecer o resultado da junção entre desejo e vaidade, olhe-se no espelho e encontrará sua resposta. Porque sempre se trata do eu em detrimento de nós; porque achamos que somos a referência do universo; tudo o que nos aparenta ser maior, chamamos de excesso; enquanto aquilo que parece menor, nós avaliamos como desleixo ou incapacidade. A soberba nos faz pensar que somos o modelo ideal de equilíbrio.

Em outro exemplo oportuno da fragilidade humana, eu usarei a alegoria de Santo Antônio – Santo Antão – figura famosa dos anacoretas, aqueles que vão para cavernas ou passam quase a vida inteira no deserto, jejuando. Santo Antão foi um homem que morreu aos cento e cinco anos, os quais ele passou jejuando em cavernas, onde era atacado diariamente pelo demônio. O propósito da entidade obscura era o de desviar a espiritualidade daquele homem. O maligno se concentrou em Santo Antão por quase oito décadas, fazendo com que quando ele rezasse olhando para o crucifixo de Cristo, enxergasse uma mulher nua; constantemente o erguia no ar para distraí-lo; quando ele jejuava aparecia sobre a mesa as iguarias mais extraordinárias que se pudesse supor. Pois eis que Antão conseguiu resistir a tudo; um homem que provou ser dotado de autocontrole excepcional, quase sobre-humano. Foi então, que finalmente o demônio desistiu, virou-se para seu alvo de tormento e disse: “Você venceu! Foste mais forte do que eu.”, e retirou-se da caverna. E Santo Antão caiu de joelhos e agradeceu com uma oração simples: “Muito obrigado, senhor. Agora eu me tornei um santo.”. E naquela hora, o demônio sorriu e voltou, pois Santo Antão havia resistido a todos os pecados possíveis... Menos a vaidade, que no caso dele, tratava-se da soberba de ser santo.

Porque por trás de cada virtude existe um desejo que nos aproxima do vício.

O desejo é como uma espécie de alavanca que aciona a busca por obtenções que servirão para alimentar a vaidade. E esta premissa se torna acumulativa e insinuante, mas que não deve ser entendida como um mal externo, algo isolado e que pode ser tratado ou extinto por meios objetivos. Não. A vaidade faz parte de nós. É um sentimento incessante que tem como seu combustível maior a observação dos outros. Preferimos viver constantemente sob o olhar de terceiros, do que sentir que estamos sozinhos, alheios ao resto do mundo. Tomados pela vaidade estamos, quando transformamos todas as nossas relações sociais em mercadorias, cada vez mais dadas ao prestígio, quase sempre ilógico e desnecessário.

Desfrutamos de uma vida vivida para os outros. Vaidosos somos quando afirmamos que não possuímos vaidade, e assim, assumimos uma postura de humildade elevada frente ao nosso semelhante.

É querer possuir o melhor sempre, porque ser detentor do melhor é ter a própria honra terceirizada, posta em objetos para deleite dos expectadores da vida. É comprar o que não se precisa, com o dinheiro que não se tem, para mostrar para quem não se gosta.