segunda-feira, 12 de outubro de 2015

CRÔNICA: EM BUSCA DAQUELE SORRISO


Certa vez, eu tive minha manhã salva pelo impactante sorriso de uma desconhecida donzela, que ao olhar em minha direção, saudou-me com precioso gesto. Fiquei tão impactado por aquele sorriso, que senti que precisava expor tudo a alguém. Como os poucos amigos que tenho nem sempre estão disponíveis para aguentar minhas pieguices excessivas, só me restou contar ao teclado o que me havia acontecido.

(esta transgressão pode ser conferida no link a seguir: http://dimensaoreluzente.blogspot.com.br/2015/02/aquele-sorriso.html ).

E após muitos adjetivos digitados numa vã tentativa de fidelizar ao máximo a grandeza daquele sorriso, eu ainda tinha que resolver uma última questão:
Faltava encontrar uma imagem que fizesse justiça ao encantamento que testemunhei naquela improvável manhã. Quisera eu ter congelado aquele instante numa foto, embora eu tenha plena certeza de que esta foto exista impressa nos arquivos de minhas lembranças.

Mal eu poderia imaginar que estava me enfiando numa árdua e demorada busca – passei semanas garimpando a internet, à procura do sorriso perfeito – confesso que foi muito prazeroso me deparar com tantas e tão diversificadas expressões da alegria facial feminina. Poderia até passar o resto de meus dias desempenhando esta função: a de analisar sorrisos – E posso reafirmar sem nenhum receio, como fiz no texto que deu origem à minha busca, que este gesto continua sendo a curvatura mais maravilhosa que alguém pode encontrar numa mulher: as curvas de um majestoso sorriso.

Aprendi que um jeito fácil de encontrar alegria em meu ser é conseguindo extrair um belo sorriso desta criatura detentora de distintos encantos, denominada “Mulher”.

Então, após muita pesquisa, eu descobri que não procurava um sorriso, mas sim, a sensação que tive quando estive diante daquele belo rosto que me olhou com alegria. E este ato deu outro sentido à minha longa empreitada: permitiu que eu despendesse maior atenção aos mais variados tipos de sorrisos, como se eu estivesse em meio é um curso intensivo da venustidade feminina. Encantei-me com admiráveis formas; sorri de volta ante a vastidão de delicadas curvas faciais; desdenhei frente às exibicionistas; odiei sorrisos forçados a ponto de achá-los mais agressivos do que feições rancorosas propositivas; suspirei profundamente ao deparar-me com os mais encantadores.

Mas talvez a grande lição que aprendi durante minha insistente busca, foi a constatação de que os melhores sorrisos eram frutos de damas singelas, pois eram aqueles que aconteciam de maneira inesperada, fazendo com que sua manifestação se tornasse ainda mais estonteante. A simplicidade sempre foi a principal característica dos sorrisos mais incríveis.

Mentalmente eu tentei separar cada um deles por tipos. Não sei se nossas adoráveis mulheres sejam capazes de exibir a todos em suas particularidades, afinal, eu os via em imagens, que eram representações fiéis ao que eu vejo nos lugares em que frequento, nos rostos que admiro... Não sei se elas conhecem cada um de seus próprios sorrisos, mas talvez isso não importe.

No entanto, se você me perguntasse eu diria que sim; toda mulher pode ser capaz de exibir qualquer um dos sorrisos que classifiquei nesta reflexão. Mas acredito que alguns deles sejam raros demais, portanto, concedidos somente em ocasiões especiais que não precisa ser exatamente um encontro romântico. Estes tesouros expressivos estão por ai, nos ambientes mais improváveis... E algumas vezes nós homens, podemos ter o privilégio de nos deparar com estes sorrisos, reluzidos numa trágica manhã onde só parecia haver trevas no mundo...

Eis alguns dos tipos que mexeram bastante comigo:

O Belo: é o sorriso que nos faz suspirar; que nos deixa completamente embasbacado; é aquele que não carece de mais nada para ser formoso, seu simples manifesto é a pura definição da beleza. Esse tipo é altamente sedutor, mas ele pode ser ensaiado, e sabemos bem que algumas mulheres são especialistas nessa arte. De qualquer forma, este modelo não deixa de ser espetacular em sua formosura... Mas está bem longe daquele sorriso que eu buscava.

O Terno: este é aquele tipo de sorriso que nos acolhe nos braços; um gesto leve e que vem sempre cheio de afeição. É um modelo fácil de ser encontrado em mulheres que sabemos que gosta da gente. Sou bastante familiarizado com este tipo de sorriso, pois muitas vezes o encontrei exibido na face de minha mãe.

O Formal: é um sorriso metódico, proposital, que por detrás dele há sempre algo à espreitar-nos; um sorriso que denota cobiça, ambição, que quer algo em troca de seu manifesto. Este sorriso costuma ser aprendido, não é nem um pouco espontâneo e se você for um homem minimamente observador, notará o quanto este gesto carece de brilho. Costuma estar sempre estampado nos rostos de mulheres que atuam na área de atendentes sociais.

O Ingênuo: é aquele que acontece de maneira casual, sempre na contramão de interesses; este é o sorriso que destrona a soberba e zomba do sarcasmo; não é raro e posso dizer que o vejo muitas vezes, em diferentes tipos de mulheres. O ingênuo, embora seja lindo, muitas vezes pode ser confundido com modéstia. No entanto, acredito que este sorriso, que muitas vezes é encantador, necessita quase sempre de um pouco mais de alegria. Porque sua ingenuidade pressupõe ausência de discernimento. É como vislumbrar um gesto que pode ou não acontecer, mas não existe um determinador para tal... De qualquer forma, este sorriso é enormemente gracioso.

O Exagerado: também muito conhecido pelo nome de “gargalhada”; é um sorriso fácil, que geralmente acontece em instantes muito alegres ou que foram cômicos além do recato. Seria este um sorriso perfeito, no entanto, algumas mulheres aprenderam à usá-lo de uma forma menos impoluta; algumas fazem uso deste recurso para exibir insultos mordazes; ironias despóticas. Um gesto que tem o viés de ser virtuoso, mas que nem sempre é... E talvez o grande problema seja o fato de que é bem complicado distinguir aqueles que são genuinamente alegres dos sarcásticos.

O Triste: parece contraditório, mas o sorriso triste também foi por mim encontrado. Trata-se daquele sorriso que não quer existir; que se esforça para ser; que impõe ao corpo uma postura contrária daquilo que o ser está de fato sentindo... O sorriso triste sempre acha que dissimula a palidez, que pensa conseguir esconder do mundo a própria vergonha em ser triste. Costuma não ter muita curvatura labial, insignificantes riscos nas maçãs e os olhos parecem sempre distantes, muito além de qualquer um que tente a proeza de alcançá-lo.

O Tímido: é aquele sorriso que tenta se manter escondido; algumas vezes ele costuma se manifestar por detrás de uma palma de mão à tentar ocultá-lo; possui um aspecto avermelhado principalmente na região das bochechas e detém ruídos distintos, mas que em nada estragam sua formosura. Este talvez seja o tipo que mais chegou perto daquilo que eu buscava, porque geralmente sorrisos tímidos conseguem ser impolutos em sua maioria. São manifestações encorpadas de meiguices, prazer e costumam dizer à causa de sua manifestação que és bem-vindo. Este é um sorriso quase sempre inesperado, porém, valioso demais a quem o recebe.

O Afetado: é o sorriso que está bem longe de ser natural e, muitas vezes, soa pedante ou presunçoso. Este tipo só não é o mais feio de todos, porque pode haver situações em que ele acontece como forma de amenizar ambientes, numa tentativa por deixar as coisas menos tensas; é um sorriso político sim, mas algumas vezes há por trás a benéfica intenção de proporcionar harmonia.

O Vaidoso: Agora sim, este é o mais feio de todos os sorrisos que encontrei em minha caçada. Definitivamente não há nada de belo neste sorriso. Ele simplesmente é fútil e está o tempo inteiro tentando convencer de que é o melhor entre todos os sorrisos. O tipo que quer mostrar a todos o quanto ele é perfeito e superior...  É uma pena a realidade que convivi durante minha pesquisa pelo sorriso perfeito: a de que há tantas mulheres que adquiriram este como seu sorriso primordial em suas relações diárias; para muitas desentendidas, este modelo seria o mais adequado para agraciar aqueles que amam; pensam que através de um sorriso cheio de soberba, conseguirão maior atenção e aprovação... Pois estou convencido de que até mesmo um olhar de tristeza consegue ser mais belo do que um sorriso vaidoso.

E finalmente, a grandeza altruísta que lutei tanto para encontrar:

O Visceral: era exatamente o tipo de sorriso que eu procurava. Aquele que acontece particularmente espontâneo; que vem natural, de dentro pra fora; que é leitura fácil da alegria feminina; que considerei a mais importante beleza que um homem quer ver numa mulher. É o sorriso que te faz sentir saudade assim que ele termina; e quando nos damos conta, estamos conduzindo todos os nossos esforços diários apenas para reencontrá-lo uma vez mais. Porém, mesmo sendo um gesto, que assim como todos os outros, também morrerá desfeito na face da mulher, este sorriso será eterno na lembrança de cada homem que um dia foi digno de contemplá-lo.

Sim, mulheres... O sorriso só encantará quando ele vier de dentro de você, quando tudo o que há em volta deixa de ser mundo e você se torna a própria expressão da alegria. O gesto límpido que reduz homens em meninos; que nos faz perder toda a nossa ilusão de controle; que causa orgulho desmedido em cavalheiros que são capazes de arrancá-los de suas fontes...

Eu encontrei este sorriso poucas vezes em minha vida. Citarei duas dessas situações: a primeira delas foi naquela inesperada manhã de segunda-feira, onde eu precisei parar e aguardar alguns instantes, completamente intimidado por tamanho primor. A outra foi o resultado de minha pesquisa, quando senti inveja do garotinho na foto deste texto, que habilidosamente conseguiu ser recompensado com um inesquecível instante de beleza feminina. E que tenho certeza absoluta, esse mesmo garotinho também se tornou um obcecado buscador dessa majestosa beleza, que vez ou outra, nos é gentilmente concebida, por anjos terrenos que chamamos de mulher.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

CONTO: A INSÔNIA


0h: 17min.

Perco os reflexos, as pálpebras ficam pesadas. O entorpecimento do corpo se elevando, os sentidos cada vez menos perceptíveis... Eu apago a luz e fecho os olhos. Dormir deveria ser uma inevitável desconexão da alma com o mundo...

Mas na penumbra algo continua aceso, agitado. Dentro do escuro, eu ouço vozes, penso em coisas incoerentes, relembro instantes idiotas e sem importância... Recordo-me de situações que vivi antes de estar ali, semi-desplugado. Às vezes, tudo parece surgir ao mesmo tempo dentro do cérebro... Minha cabeça é uma snow globe que alguém agitou freneticamente. E enquanto ela repousa no travesseiro, os neurônios voam de um lado para o outro aleatoriamente.

Ainda mergulhado em trevas, eu ouço ruídos indesejáveis, farfalhar de persianas, vozes abafadas vindas de longe, o volume de algum televisor ligado, cachorros latindo, frases incompletas, a manifestação de insetos que optam pelo frescor noturno...

Contraditório ao sono, a insistência faz minhas pálpebras fechadas doerem e tenho que abri-las. E neste mesmo escuro ruidoso que eu o vejo novamente, parado no marco da porta, me velando. Hoje ele está de terno, detém tons escuros e sua gravata bege não combina com o resto do figurino. A face esquelética do velho me desaprova e então, ele vira as costas e desaparece, em direção à cozinha... Nunca soube o que ou quem ele realmente é, mas sempre me visita quando não consigo dormir. Se o faz nas raras noites em que estou desfalecido é difícil saber, mas sinceramente eu acho que não... Ele é como um espectro que sabe com exatidão as noites em que não dormirei.

Acho que ele vem até meu quarto para apreciar a minha dor;
Para ver de perto o quanto sou incapaz de deixar este plano;
Para idolatrar a semelhança de nossa catástrofe;
Para me dizer com seu olhar gélido que meus esforços são inúteis...
Sempre pensei nele como uma alma que fora deposto do plano do sono, e agora perambula acordado pelo mundo, à procura de mais dos seus.

01h: 24min.

Derrotado, eu reacendo a luz. Sou um leitor antiquado, então no lugar de sofisticados meios tecnológicos, eu prefiro buscar o livro na cabeceira e o abro. Costumo ler por horas e horas... Nada acontece. Apenas mitoses e meioses que se recusam a desprender-se da lucidez. Espero pelo instante em que minhas pálpebras se transformarão em bigornas pesadas; as frases do livro parecem cada vez menos nítidas, até caírem em cascatas... O livro despenca no chão.

Apago a luz...

Aqui estou eu, desnudo e desmascarado. Sem uniformes, sem roupas sofisticadas, sem armaduras sociais. Nada de perfumes, gel capilar, loções corporais ou qualquer meio objetivo que ajude a camuflar minha podridão...  Só o que quero é pegar no sono. Mas transgressivamente desperto, sendo estudado pela noite com seus olhos escuros e agigantados, que para mim são como holofotes, que no lugar do clarão, eles emanam trevas que profanam o sossego e roubam meu sono.

Mas a inércia ainda está por aqui em algum lugar... Talvez tenha escorregado pelos lençóis e foi parar debaixo da cama. Mas não me atrevo, pois é lá onde vivem os monstros. Debaixo da cama repousam as maiores fontes de meus pânicos noturnos; Aranhas negras, serpentes malignas, insetos peçonhentos, espectros desenganados...

Se eu fosse menos covarde talvez apalpasse embaixo da cama para procurar pelo meu sono, mas não ouso fazê-lo. Em vez disso, eu me encolho sobre o colchão para me proteger... Cada vez menor, até meu corpo reduzido suar, angustiado.

02h: 10min.

Levanto-me e vou até o banheiro. Meus pés descalços desbravam o piso fresco. A insanidade me faz pensar se não seria uma boa ideia deitar-me no chão... Dou descarga, aperto a maçaneta da torneira que gotejava pecaminosamente, faço tudo sem acender a luz. Faço tudo e me esqueço de lavar as mãos. Faço tudo no escuro porque sei me virar nas trevas... Não vejo quase nada, mas entendo que inversamente a mim, a noite me enxerga com clareza.

Vou até a cozinha e abro a geladeira. A claridade irrompe no mármore, na pia, nas paredes esbranquiçadas... E nele.

A iluminação, mesmo fraca, permite que eu o veja de novo. É o velho... Está agachado num canto qualquer a me espreitar. Trocamos olhares mudos, imóveis, como dois suspeitos. Ele agora parece um pouco constrangido com minha presença, como se eu o tivesse flagrado em alguma de suas transgressões noturnas. Para tornarmo-nos cúmplices, ele desce o olhar até a garrafa de água em minhas mãos e parece me condenar por ter bebido do gargalo... Agora não podemos mais nos delatar, tornamo-nos iguais, delitos da madrugada.

Depois de algum tempo, com minha visão já completamente comparsa do negrume, eu consigo enxergar o velho um pouco melhor. Está segurando uma caneta que usa pra escrever coisas no próprio braço. Vejo um amontoado desconexo de palavras riscadas em sua magricela página feita de epiderme. Assim como eu, ele também deve gostar de relatar as frivolidades consequentes da insônia... São apenas palavras, que vagueiam pelo tortuoso terreno de nossas mentes, indo e voltando, construindo imagens, fazendo conexões com situações ocorridas, outras inéditas, apontando pessoas... São apenas palavras.

Jornada, dilúculo, precipício, linguagem, passos, casebre, lugubridade, oração, tristeza, inveja, astuciar, preguiça, maltrato, barulho, frase, rotina, luminária, terno, latido, precário, quarta-feira, asfalto, almoço, medo, tesão, minutos, administração, poder, insinuante, beleza, invisível, honestidade, calor, perdição, culpa, solavanco, refratário, inexistente, respeito, dívidas, rapidez, aurora...

Sim, apenas palavras aleatórias... Não conheço o significado de algumas, mas sei o que todas juntas querem comigo. Elas se empenham em me manter acordado.

Os olhos pesados...
Achei que aquele jogo me ajudaria a dormir.

03h: 14min.

Sabe qual é a mais severa das angústias? É aquela em que você tenta chorar e não consegue... Chorar seria como expurgar, colocar pra fora toda a raiva, toda angústia... Nem mesmo este pequeno agrado a insônia me permite.

E abrindo caminho através da noite, eu sigo desperto... É estranho estar acordado quando temos a sensação de que o resto do mundo adormece. Sinto-me como se todos tivessem sido convidados para uma festa e eu tive que ficar aqui, sozinho, neste plano escurecido e silencioso, que não sente piedade dos que não conhecem o caminho até o palácio de Hypnos, onde certamente todas as almas do mundo repousam agora...

Completamente entendido como a contradição deste mundo de seres que adormecem, eu só poderia sustentar a expectativa dos primeiros clarões que expulsariam as trevas, dando lugar a uma nova manhã. Então, as pessoas despertariam amassadas de sono, letárgicas, com suas faces inchadas de tanto dormir... Vê-los todas as manhãs caminhando bêbados de preguiça e ausência de ânimo, característicos efeitos que acometem aqueles que conseguem dormir, mesmo aqueles que usam de meios artificiais para tal, estes sempre me causaram profunda inveja.

Mas a luz de uma nova manhã não costuma ser um socorro que surge fácil para os que infortunadamente estão a lhe aguardar... E enquanto isso, o meu leito segue torturando-me. Mudo de posição constantemente. Nenhuma parece proporcionar-me conforto por mais que dois ou três minutos...

04h: 49min.

A esta altura já existem sinais de vitalidade mundana. De gente que dormiu o suficiente para despertar com disposição as cinco da matina... Ouço motores de carros isolados, o cantar de aves diurnas, um casal conversando... Acho que trocam detalhes sobre como será o dia de cada um. Talvez estejam fazendo uma oração, em busca de benção para aquele novo dia. Enquanto eu, tudo o que fiz foi implorar no intuito de ser abençoado pela noite com uma migalha de repouso.

No meu quarto, os pensamentos se tornaram inteiramente concordantes. Como se ao longo da madrugada o quebra-cabeça de palavras soltas fora encaixando suas peças e finalmente eu consigo ter uma visão total do quadro. Penso em atividades que me esperam neste novo dia; numa garota que por incompetência deixei escapar e que ainda me faz falta; penso no céu, do lado de fora da janela, que parecia destinado a continuar escuro para sempre; na possibilidade de estar indo novamente ao encontro da mesmice; no medo de voltar de novo sozinho pra casa; na insônia que talvez me espere para mais uma noite; na visão de mim mesmo, velho e moribundo, agachado na cozinha riscando o próprio braço...

Acho que serei pra sempre um eterno desperto.

Tenho medo de que as pessoas vejam o caos explicitado em minha face distorcida. Que elas notem o quanto sou incapaz de algo tão tolo quanto o ato de adormecer. Tentarei novamente evitar seus inúteis conselhos, os quais por mim já foram testados... Por que toda pessoa que não sofre de determinada enfermidade, tem a mania de achar que sabe o que deve ser feito?

Voltarei para casa no fim da tarde, como sempre faço;
Talvez eu me embriague para forçar a inércia, porque eu não aguento mais permanecer acordado;
Quero a pausa deste mundo, dádiva que foi dada a todos e me é negada;
Por que me roubas o intervalo acalentador da penumbra, ó cruel insônia?

Mas cessarei aqui o meu lamurio de incertezas... Pois sei que carrego comigo uma única asserção:
A de que estou com vontade de bocejar...

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

RESENHA DE LIVRO: RAPSÓDIAS EM BERLIM


Não raro sou abordado por pessoas que conhecem o meu insaciável apetite por livros, me pedindo dicas de leitura. O último acercamento aconteceu há algumas semanas, no ponto de ônibus. Um conhecido me indagou à cerca de uma boa dica de livro de contos. Diante de tal solicitude, eu poderia lhe sugerir vários títulos, inclusive alguns grandes mestres do gênero por ele desejado. Mas fazendo valer uma de minhas recentes leituras, eu, sem pestanejar, recomendei-lhe que lesse o livro alvo desta resenha.

Porque a diversidade de contos que compõem esta obra belíssima, certamente atenderá a gregos e troianos.

Devo confessar que precisei consultar um dicionário para compreender desusada palavra que concebe o título, o qual faz referência a um dos contos deste excelente volume.

Rapsódias em Berlim é outro livro que tive sorte em descobrir, discreto e despretensioso, no meio de uma enorme prateleira de um Sebo. O autor Pedro Stiehl, gaúcho de Montenegro, nos entrega uma extraordinária reunião de narrativas distintas e precisas, de personagens cuja proximidade com o humanismo é capaz de fornecer ao leitor fortes reflexões sobre inusitadas situações.

Enquanto vamos nos deparando com construções literárias que facilitam o processo imaginativo, um filme vai se passando na mente do leitor. De mim, foi arrancado à força uma das raras certezas de que tenho na vida: a enorme sucessão de encontros inéditos, que caracteriza este nosso conturbado mundo.

Um texto que li e reli com especial carinho, foi “O Diabinho e a Sereia”, maravilhoso conto de uma garotinha questionadora e seu paciente avô, que em uma de suas constantes cavalgadas matinais, entram em embates filosóficos, existenciais e folclóricos. Uma prosa gostosa de ler, hilária em alguns instantes, reflexiva noutros. Este conto está logo no comecinho do livro, o que fez com que o autor me ganhasse para o resto da obra.

Ah, e se você está se perguntando, vai aqui a explicação para lhe poupar recorrer ao dicionário: Rapsódia é o nome dado a certas composições musicais e poéticas; Na Grécia antiga, dava-se o nome de Rapsódia, poemas épicos a serem recitados.

Rapsódias em Berlin é um trabalho que nos serve de exemplo de que, mesmo sem nos atermos aos grandes nomes da literatura, podemos encontrar talentos fabulosos procurando por espaço. Pedro Stiehl representa este talento, que nos trás a certeza de que no meio da salada referencial da literatura mundial, podemos ficar por aqui mesmo, nos autores brazucas, afinal, aqui tem gente muito boa, produzindo material de peso e qualidade.