sábado, 23 de julho de 2016

RESENHA DE LIVRO: EU ROBÔ


Dando sequencia a maratona de clássicos que venho me propondo a ler, resenho aqui outra bela obra. Eu, Robô é um brilhante trabalho que serviu de inspiração para muitos autores que produzem ficção nos dias atuais. Isaac Asimov é um dos pioneiros em discorrer sobre a inteligência artificial com sua introdução sobre as leis da robótica.

Para quem ainda não conhece as três leis fundamentais da robótica são:

- Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano seja ferido;
- Um robô deve sempre obedecer as ordens dadas por um ser humano, a menos que tal ordem entre em conflito com a primeira lei;
- Um robô deve zelar por sua existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a primeira ou a segunda lei.

O objetivo destas aparentemente impolutas leis era, segundo o próprio autor, uma maneira de tornar possível a coexistência entre robôs inteligentes e seres humanos, impedindo assim, a possibilidade de um robô se rebelar contra os homens.

E de posse destas leis, Isaac Asimov constrói enredos que contam toda a evolução, interpretação e possíveis problemáticas dos fundamentos da robótica. Através de seus textos, que julgo um tanto modernos para sua época, o autor narra situações em que a inteligência artificial inserida em diversos ramos da sociedade, se mostra característica que está longe de ser irreprovável. Acompanhamos a evolução de diferentes períodos em que maquinas traziam problemas e conflitos inesperados, permeados sempre sobre a luz das três leis.

Susan Calvin é a personagem principal do livro, e é ela quem faz as introduções de todos os contos, interligando-os como se fossem capítulos, mas que podem ser lidos tranquilamente de forma isolada. A moça é especialista em psicologia robótica (seria este o presságio de uma futura profissão?), e constantemente solicitada, precisa compreender a dinâmica das máquinas e sua relação com as famigeradas leis. Susan às vezes se encontra em situações complexas, as quais máquinas dotadas de cérebros positrônicos, estão causando conflitos existenciais e contraditórios de funcionamento, levando assim, à queda de desempenho de função como máquina, ou mesmo colocando em perigo vidas humanas.

Asimov se mostra perspicaz em narrar situações onde a tão ambicionada evolução da robótica se mostra falha e detentora de ineditismo contraditório, que somente por meio da experiência prática é que pôde ser identificada. E neste mundo futurista e complexo, em que máquinas interagem em diversos campos sociais com os seres humanos, ninguém se mostra mais qualificado do que Susan Calvin para esmiuçar e solucionar as limitações de robôs programados para seguirem religiosamente as três leis.

Este volume reúne nove contos que foram publicados nas décadas de 1940 e 1950. Todos são cronológicos para que o leitor possa acompanhar a forma genial em que o autor relatou a evolução das máquinas e suas leis. Asimov nos faz refletir sobre os perigos de se pensar na construção da inteligência artificial regida pela mente humana incapaz de antecipar sua problemática. Relata o quanto pode ser perigoso limitar a segurança da vida, apenas inserindo leis supostamente incontestáveis no processador de máquinas pensantes.

E talvez a grande dificuldade de se resenhar clássicos da literatura, como é o caso deste brilhante Eu, Robô, seja justamente a ausência de palavras que possa justificar o quanto este volume vale à pena ser lido. Mesmo para leitores que como eu, não curtem muito contos de ficção. Isaac Asimov não é um gênio por acaso. E este livro, de fácil linguagem e elevada erudição, atiça o leitor a perseguir mais sobre o tema... Porque somente mentes engenhosas, como a de Asimov, são capazes de nos provar que não existe tema ruim na literatura. O que de fato existe é autores que sabem entreter e outros que não sabem.

terça-feira, 12 de julho de 2016

CRÔNICA: FELIZ DIA MUNDIAL DO ROC... “DA LIBERDADE”!


Certa feita, eu me atrevi a entrar numa dessas lojas que vendem roupas de grifes. Sabe aqueles estabelecimentos que lhe oferecem aquilo que de melhor existe no mercado do vestuário; as indumentárias que te fazem ficar inteiramente em concordância com o sistema social vigente nas grandes metrópoles, onde o capital simbólico depende unicamente daquilo que você veste.

Raramente me dou ao trabalho de ir além da porta desse tipo de loja, porque sustento desconfiança de que quase tudo o que encontrarei, custará valor substancial que vai muito além do meu senso de realidade financeira. Em outras palavras, considero praticamente tudo o que se vende numa loja de grife irracionalmente caro e sem muitos fundamentos que justifiquem aquele valor.

Infelizmente quase sempre tenho razão.

Mas naquela manhã, eu havia visto uma camisa aparentemente legal na vitrine. E como sou detentor de certa peculiaridade tosca e restrita, que faz com que dificilmente eu me sinta atraído por uma peça de roupa, adentrei para olhar de perto aquela singularidade em malha. Os dedos cruzados para que ela não custasse o valor equivalente a uma Smart TV de tela plana.

Pois eis que fui prontamente atendido por uma vendedora sorridente, simpática e muito solícita. Afinal, cortesia é o mínimo que ela pode despender, porque se depender unicamente dos valores impressos nas etiquetas será pouco provável que ela consiga bater sua meta de vendas mensal.

De praxe, eu lhe devolvi a amabilidade e, sorrindo largamente, disse que só queria dar uma olhadinha na referida camisa.

– Não gostou dela? – perguntou a vendedora, após notar a careta que eu havia feito quando analisei o produto mais de perto.

– Ela é bonita, sabe... Mas tem uma marca enorme bem aqui – apontei a região onde havia letras robustas e em alto-relevo, explicitando enormemente o nome da grife, na parte detrás da roupa.

– Eu tenho esse outro modelo – disse a moça, pensando se tratar de uma questão geográfica. Ela ergueu diante de mim outra camisa, cuja estampa com a marca agora estava em horizontal, contrário da que eu havia olhado, de estampagem na vertical.

─ Não é isso, meu anjo... O problema é que eu não gosto de marcas infestando toda a dimensão de uma peça de roupa. Sinto-me como se estivesse usando um macacão da Formula 1.

– Ah, sim... Nós temos outras marcas, vem cá que eu te mostro.

Deduzi que ela não entendera a piada.

– Desculpe, mas você não entendeu. Eu não disse que não gosto dessa marca. Quis dizer que não gosto de marcas encobrindo todo o tecido de minhas camisas.

– Mas acontece que se você quiser comprar roupas de boa qualidade, só encontrará nas grandes marcas do mercado – ela tentava a todo custo defender o patrimônio em que trabalhava.

– Eu concordo plenamente com você – disse, enquanto devolvia gentilmente a camisa ao cabide – Aliás, o tecido dessa camisa aqui tem uma textura maravilhosa.

– Então vamos levar, ora...

– O que me incomoda é o porquê dessa obsessão de uma grife em fazer questão de expor seu nome largamente nas roupas, como se elas fossem um outdoor.

– Ah, mas você deve saber muito bem que uma camisa com essa marca lhe proporcionará muita presença em qualquer lugar que você vá.

Ela se referia ao status. Ao estatuto emblemático que eventualmente eu iria adquirir caso me tornasse usuário da grife vendida em sua loja. E a resignada vendedora tinha razão. Porque ela não estava tentando me vender apenas uma camisa. Na verdade, ela me oferecia a oportunidade de obter reconhecimento social, coisa que eu só conseguirei se me render aos símbolos consagrados por nossa sociedade pós moderna.

– Não, obrigado... Eu vou ficar com o caminho mais difícil: vou tentar se reconhecido por meus méritos e não por minhas escolhas.

– E o que você acha que é isso que está tatuado em seu braço? – Ainda dentro da loja fui surpreendido por uma questão incomum. A moça não havia se dado por vencida.

Olhei e vi que ela apontava para minha tatuagem do Metallica. A manga do meu uniforme estava dobrada, permitindo que partes da tattoo ficassem expostas.

– Ué, isso é uma tatuagem... – tive que dar uma resposta imbecilizada, porque ainda não sabia o que dizer diante de tão inusitada afronta.

– Isso é um símbolo! – eu havia tido o azar de ser atendido pela vendedora mais obstinada de minha cidade – Você carrega no braço o símbolo de uma marca, que de certa maneira, possui o mesmo efeito que as roupas desta loja.

– Espere um pouco aí... É claro que uma banda é diferente.

– Diferente como?

É difícil responder quando se está com os dentes soltos na boca, após lancinante bofetada.

Eu saí da loja de mãos vazias e sem nenhum argumento para combater o ataque da vendedora contra o meu idealismo fajuto. No entanto, aquela conversa me fez pensar sobre o assunto... Eu costumo ser assim: às vezes preciso de algum tempo para discernir sobre o que as pessoas me dizem. E esse tempo pode levar até anos...

No caso desta crônica, levou apenas alguns dias. Mas quando finalmente encontrei razões que pudessem convencer a mim e aquela vendedora insistente de que eu tenho razão, juro que fiquei com vontade de voltar em sua loja, só para dar continuidade ao nosso embate sobre marcas de grifes.

Mas se há uma coisa benéfica no avançar do tempo, é que a idade faz com que eu entenda que é melhor deixar disputas conceituais de lado. Além do mais, a vendedora também poderia ter feito a lição de casa dela, e talvez eu voltasse a sair de sua loja derrotado.

O fato é que aquela mulher vendia produtos que (mesmo que isso pareça uma ideia irracional) ajudava as pessoas a se sentirem melhores; mais aceitas. E quando eu optei por fazer uma tatuagem que exibisse o nome de uma de minhas bandas favoritas, talvez não fosse mesmo uma forma de homenagear, como eu sempre tentei me convencer...

O que eu queria era exibir minha preferência; mostrar ao mundo minhas aptidões musicais. E quando uma pessoa se identifica comigo ao ver o que há estampado no meu braço, inevitavelmente eu me sinto bem, como se aquilo fosse a constatação do sucesso de minha intenção vaidosa.

Sim, o Metallica é uma banda que admiro e curto desde os tempos de minha adolescência. No entanto, eu nunca tatuei no braço o nome do meu livro favorito, a receita do meu prato predileto ou o nome de minha adorada mãe. E isso talvez signifique que tatuar uma banda no corpo, mesmo que me doa tal constatação, é sim, fazer propaganda gratuita, usando a própria pele para isso.

Não me arrependo de ter feito a tattoo do Metallica ou qualquer outra, de jeito nenhum. Eu o faria de novo se pudesse voltar no tempo. O que preciso com esta reflexão é pensar sobre a atitude de meu julgamento preconceituoso, que acusa de idiota alguém que curte sair por aí exibindo marcas de roupas... Creio que seja esse tipo de conceito fundamentalista um dos grandes males de nossa sociedade; não conseguimos largar, de uma vez por todas, a mania de metermos o nossos narizes na vida alheia. Achamos que somos referência, a medida do que é certo ou errado.

Não, meus amigos... Somos todos iguais, cuidamos somente de nossa própria vida e precisamos dar parecer apenas a nós sobre ela. Eu notei meu disparate quando comecei a construir essa crônica, que inicialmente possuía o viés de ser uma argumentação que defenderia meus ideais em detrimento das decisões dos outros.

Ainda bem que deu tempo de mudar de rumo e deixar uma mensagem menos destrutiva para este Dia Mundial do Rock... Que ele seja festejado sob a bandeira da harmonia; sem que haja comparações ou distinções ideológicas. Que cada um faça de sua vida o que desejar desde que seja respeitada a vida do próximo...

Eu vou curtir esse dia tomando minha cerveja gelada, ao som de “And Justice for All”, porque se em meu braço assim está escrito, acho que não fará mal nenhum tentar ser um pouco mais íntegro e ajustado; porque talvez “justiça para todos” seja exatamente a possibilidade de se viver num lugar onde liberdade seja algo tão óbvio quanto comprar uma camisa ou fazer aquela tatuagem favorita... E feliz Dia Mundial do Rock, cheio de esperança de um mundo menos determinista!