sexta-feira, 14 de abril de 2017

RESENHA DE LIVRO: A NOITE MAIS ESCURA DO ANO


Confesso que sustentei certa desconfiança quando chegou a vez de ler este A NOITE MAIS ESCURA DO ANO. Sim, pois alguém havia comentado na internet que o livro era religioso demais. E embora o autor Dean Koontz não tenha nenhum pudor em inserir uma veia religiosa em seu trabalho, meu pessimismo foi se desfazendo ao longo da leitura, mesmo que a experiência final é de ter terminado de ler uma obra mediana.

A trama possui personagens relativamente bem construídos. Os diálogos são convincentes e coesos, vez ou outra o leitor encontra sacadas irônicas que nos permite certa proximidade identitária. Amy Redwing é uma mulher com um passado misterioso, que encontrou na função de resgatar Golden Retrievers vítimas de maus tratos, um sentido em sua vida. Ela é ajudada pelo namorado, Brian McCarthy, mesmo que este considere a moça um tanto imprudente e impetuosa. E como só poderia acontecer em enredos dotados de certa profundidade, o velho Brian também possui um passado espreitando ao seu redor.

Uma coisa que gostei muito neste autor é quanto ao seu detalhismo elegante. Dean Koontz sabe construir cenários escritos com tamanha eloquência que acabam grudando na mente do leitor. Outro aspecto que me agradou bastante é a forma como ele discorre sobre uma literatura na qual cães são quase que protagonistas principais, mesmo perante essa dificuldade de narrar seres que não verbalizam, a história se tornou enriquecida pelas situações protagonizadas pelos animais. Os cachorros parecem mesmo cachorros, se é que esta definição tenha algum sentido... Mas acredito que do ponto de vista literário, só mesmo grandes narradores são capazes de dar vida a seres dotados apenas de linguagem corporal ou comunicação limitada.

Mas infelizmente a obra não é dotada somente de aprazimentos. E alguns aspectos incomodaram um pouco. O primeiro deles fica por conta justamente dos cães. E se a você também pareceu estranha a menção sobre o ofício da protagonista ser, de fato, resgatar Golden Retrievers abandonados ou que foram vítimas de maus tratos, eu passei grande parte da leitura procurando entender a lógica de uma organização empenhada em cuidar de uma raça específica, em vez de se ater a cães abandonados de um modo geral.

É claro que a explicação para isso é óbvia: o autor tem elevado fascínio por Golden Retrievers. No entanto, esta especificidade me fez pensar nos personagens como sendo agentes em prol de uma raça peculiar, e que os mesmos passariam batido se cruzassem com um vira-lata abandonado na rua. É uma espécie de limite do altruísmo.

A linguagem religiosa de fato está inserida com certa frequência, como foi observado pelo comentário que li na internet. Mas os caprichos dialogais e os detalhes enriquecidos das situações narrativas ofuscam os conceitos dogmáticos do autor, impedindo que estes incomodem muito. Talvez pior do que a mera inclinação mística de Dean Koontz, seja sua tentativa de construir características claras do que distinguiriam pessoas boas de ruins; o autor procura separar o joio do trigo como se seres humanos fossem constituídos por identidades de fácil percepção; como se a maledicência fosse inerente a certo tipo de pessoa.

A NOITE MAIS ESCURA DO ANO é uma literatura de ampla mescla estrutural. Possui alguns elementos dramáticos, doses de misticismo, sequencias de suspense policial e diálogos concisos e bem elaborados. É uma salada que talvez não agrade a todo tipo de leitor. Além de um desfecho com cara de posfácio, o que achei desnecessário... Mas é uma leitura que não decepciona, é cheia de instantes bem narrados e que deve agradar até aos mais exigentes leitores.