domingo, 10 de setembro de 2017

CRÔNICA: UMA BELEZA DE CANETA


Sempre que vou para alguma praça fazer minhas leituras, carrego comigo algumas folhas em branco e uma caneta ensebada no bolso, caso eu precise anotar alguma informação pertinente, alguma ideia que surja... Uma frase pairando sobre o vendaval conturbado de minha mente.

Abro a folha em meu colo e faço uso do belíssimo instrumento que deu título a esta crônica. Enganou-se se você pensava que eu estava me referindo ao ostensivo lance futebolístico em que o jogador passa sutilmente com a bola por entre as pernas do adversário (aliás, se alguém souber me dizer o porquê da nomenclatura deste lance fazer referência com a caneta, eu ficarei muito agradecido).

Não senhor. A caneta aqui é aquele pequeno instrumento mágico, que imprime diretamente no papel sem o uso de uma impressora, em tempo real. Desenha palavras e formas ao gosto de seu usuário. E quando o combustível chega ao fim, precisamos fazer exatamente como os motoristas fazem com seus possantes motorizados: temos que levá-la até um posto e abastecer.

Vez ou outra, durante algumas de minhas constantes anotações, eu reparo certos olhares curiosos sobre mim. São pessoas que passam pela praça e estranham aquele meu ato antiquado demais para este mundo moderno. Gente me observando com algum espanto, transeuntes que quase não acreditam no que veem. Afinal, por que cargas d’água este sujeito não usa o aplicativo do celular para escrever? Onde foi parar o seu tablet? Será que ele não tem computador em casa? Será que ele tem casa? Céus, onde foi que ele conseguiu uma caneta?

Já ouvi falar em escolas na Europa que estão alfabetizando seus filhos sem o uso de canetas ou lápis. As crianças aprendem a escrever e ler através da tela de um aparelhinho.
E por falar em crianças, o João Lucas vinha perigosamente em rota de colisão com o meu banco de praça. Sua atenção completamente submersa em um aparelho celular que trazia nas mãos, e seguia passos sem rumo, quando uma voz salvadora lhe resgatou daquilo que seria um acidente trágico. “João Lucas! Preste atenção por onde anda, menino!”. E foi através do grito daquela mãe angustiada que eu aprendi o nome daquela rechonchuda massa desgovernada que avançava cegamente em minha direção. Ele tinha não mais do que três anos e já fazia atualizações em seus aplicativos tecnológicos.

Quanto a mim, anotava tudo o que via do meu banquinho, descrevendo cada pormenor com minha eficiente e inseparável caneta.

Outro dia, lendo a entrevista de um escritor das antigas, ele disse que escrever no computador é bom. Mas nada substituirá o charme de uma caneta tinteiro... Ok, senhor escritor. Concordo plenamente com você! E embora minha caneta esferográfica não venha a ser tão charmosa quanto a sua tinteiro, considero minhas queridas rabiscadoras bem mais elegante do que dedos ciscando num teclado.

Caneta é sinônimo de charme, de ostentar erudição. Não sei quanto aos engenheiros contemporâneos, mas os das antigas costumavam colocar suas canetas na orelha, num gesto que denotava presteza. Oradores adoravam gesticular ostensivamente com os braços, num ato de intensificar suas opiniões. Entre os dedos, havia sempre uma caneta para assoberbar seus discursos pedantes.

Pois um dos presentes mais originais que já ganhei na vida, foi justamente uma caneta com meu nome lustrosamente gravado em letras douradas. Tão lindo, que meu demasiado ciúme faz com que eu a mantenha confinada dentro do quarto, repousando em sua caixinha sobre a mesa de trabalho.

– Você não gostou da caneta que te dei, né? – perguntou certa vez minha namorada, o ser por trás da ótima ideia de me presentear com uma caneta.

– É claro que eu gostei amor! – respondi entusiasmado. E embora me ver usando a caneta fosse prova muito mais contundente do que uma mera resposta, acho que bem lá no fundo minha amada sabe que sou tão apaixonado por aquela caneta, que temo tirá-la do quarto e acabar se perdendo.

A situação é meio como naquele texto da Clarice Lispector em que ela narra as reações distintas de seus filhos a cerca de uma caneta de ouro que ela havia ganhado. Pois nesta história eu me identifico plenamente com o filho ambicioso que deseja a caneta.

E mesmo sustentando a plena consciência de que terei que transcrever para meu computador tudo o que foi rabiscado no papel, isso não me é empecilho nenhum. E você poderia redarguir que este é sim, um trabalho desnecessário, repetitivo e saudosista... Mas sou um amante da escrita. E continuarei muito feliz em poder transcrever para o mundo virtual, minhas ideias que primeiramente foram registradas por uma caneta... Marca que ficou registrada neste mundo real e cada vez menos manuscrito.