sábado, 20 de janeiro de 2018

RESENHA DE LIVRO: FIM


O título exageradamente simplista quase me fez devolver este livro à prateleira da loja onde o encontrei por acaso. A autora exageradamente talentosa como atriz, remeteu-me à preconceituosa desconfiança do conteúdo. E o resultado exageradamente satisfatório me fez compreender que estava diante de uma das melhores obras que li ano passado.

FIM é um trabalho charmoso e delicioso de ser lido. De narrativa coloquial que ajudou a dar autenticidade aos personagens, a trama segue por uma linha expositora tão casual que é fácil criar empatia por cada indivíduo; os cinco amigos que narram seus instantes finais se assemelham na forma de suas oratórias, embora sustentem opiniões distintas. Ás vezes eu precisava voltar para rever quem era o narrador do capítulo que estava lendo, por conta da semelhança nas falas.

Mas isso não incomoda nem um pouco, pois como já mencionei: FIM é um livro delicioso de ser lido. Portanto, fosse um ou dez narradores, a agradável exposição altamente parcial e desembaraçada nos aproxima daquilo que parece ter se perdido nos espaços físicos de interação social: a boa conversa.

Alguns resenhistas pela internet discordam dessa ideia, alegando que Fernanda Torres criou de maneira categórica, cinco personagens distintos; há quem diga, inclusive, que alguns personagens são muito bons, enquanto outros um desastre. Mas eu insisto que, salvo alguns poucos aspectos que os diferem, ler cada um dos personagens me deixou com a sensação de que estava a ler um único narrador a relatar suas diferentes fases da vida, ou simplesmente se trata de um sujeito confuso e inconstante.

FIM coloca com pano de fundo a tragédia dos últimos instantes na vida de cinco amigos, com um capítulo dedicado a cada uma das finitudes, entremeados com subcapítulos de coadjuvantes que circundaram suas trajetórias. A trama segue uma linha crua e direta; acompanhamos os momentos finais de cada um, seus conceitos contraditórios ou não, e as perspectivas de gente que vive ou viveu próximo deles. É uma literatura bem encorpada pelo senso humano de análise desconexa, cujas situações se mesclam entre o humor ácido, distorções e escárnio.

Outro comentário que se pode encontrar facilmente pela internet são argumentos maldosos e infundados, alegando que a autora abusou de maneirismos e fez de seu texto um instrumento de ostentação de intelecto. Ela teria tentado aproximar sua narrativa de autores como Nelson Rodrigues... Tudo bobagem.

A meu ver, Fernanda Torres se mostrou uma excelente narradora; segura, madura e nos entregou uma obra que esteve a um passo de algo brilhante. Penso que para um livro de estreia, ela mostrou ser detentora de elevada sensibilidade criativa e absoluto controle de seus personagens. Restou-me, após os aplausos, ficar na torcida para que o fôlego de Fernanda não tenha se acabado. Era de se esperar que uma atriz talentosa como ela fosse alvo de críticas conservadoras, que custam a digerir a ousada inserção noutra plataforma cultural feita por algum artista.

Fica então mais do que evidenciada minha recomendação deste ótimo trabalho de Fernanda Torres; uma novidade literária eficiente, que espero eu, tenha surgido para ficar.