quinta-feira, 31 de maio de 2018

RESENHA DE LIVRO: FORA DAS SOMBRAS


Exatamente como acontece a maior parte das vezes, encontrei este volume de capa bonita e título forte, numa Sebo da minha cidade. Nunca tinha ouvido falar de Jason Wallace ou desta sua obra peculiar, mas a sinopse despertou meu interesse.

A trama se passa numa devastada Zimbabwe pela guerra. Sob as costumeiras falácias do novo líder Robert Mugabe que promete novos tempos, o país vive como se fosse uma panela de pressão prestes a explodir. O pós-guerra costuma deixar entre as artérias de uma nação sentimentos de ódio aos vencedores, ressentimento, preconceito e a elevação da intolerância.

Tudo isso é o pano de fundo desta obra, que é narrada por um garoto britânico que precisa se adaptar ao cenário social caótico, porque seu pai foi transferido para trabalhar na embaixada no Zimbabwe e acredita que isso irá lhe garantir ganhos simbólicos e políticos. O jovem narrador, embora assustado e desconfiado das promessas de prosperidade, tenta encarar a vida nova de modo a não contrariar os interesses de sua família. E neste interim, vamos acompanhando a inevitável descoberta do lado frágil da família através dos olhos do narrador; também sua autodescoberta como jovem inseguro que precisa tomar decisões difíceis, fazer escolhas determinantes, conviver de perto com a noção do racismo e do preconceito... Uma trajetória de conhecimento de si mesmo.

FORA DAS SOMBRAS emociona por sua enorme honestidade. O livro expõe o que acontece de modo cru e sem confetes. Ao ler um pouco sobre a obra na internet, eu soube que o autor viveu de fato no Zimbabwe e teve a ideia de construir um romance baseado em suas memórias.

Devo confessar que em determinado momento a narrativa começou a me incomodar um pouco. E de modo sutil e quase imperceptível, fiquei com a impressão de que o livro seguia por um caminho delicado que balançava entre o teor maçante e enfadonho. Talvez fosse por conta da inevitável inserção de elementos políticos na trama, ou o excesso de zelo do narrador em tentar transportar seu leitor para dentro dos acontecimentos, não sei ao certo... O fato é que houve um instante em que cheguei a pensar estar diante de uma ótima ideia que foi mal aproveitada.

Por sorte o fôlego é retomado e do meio pra frente a história funciona muito bem. FORA DAS SOMBRAS consegue manter uma linha narrativa decente até o fim e sem precisar recorrer a recursos piegas para fazer o leitor se emocionar. A trama não consegue se desvencilhar do teor político, mas embora inevitável isso também não atrapalhou o resultado como um todo.

O estilo narrativo é direto e sem firulas. Conta o que pretende sem enfeites nem sentimentalismo. Constrói pouco seus personagens, mas acerta em não recear desnudá-los. Devo dizer que foi uma boa leitura, nem um pouco brilhante, mas longe de ser medíocre. Um livro agradável, que apesar de ter oscilado em certos instantes, agradou como um todo.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

RESENHA DE LIVRO – Guia Politicamente Incorreto da Filosofia


A maior virtude que sempre se pode evidenciar quando se assiste a uma palestra do filósofo Luiz Felipe Pondé é quanto da sua explanação simples, direta e permeada de ideias inteligíveis e atuais. Pondé usa de recursos cândidos para se entender a análise por ele proposta. E este método agrada ao expectador porque a oratória se torna alcançável a quaisquer tribos.

Por conta desta constatação que resolvi ir além dos cafés filosóficos internet afora, para ler um pouco da obra deste autor. E comecei justamente por este controverso GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA FILOSOFIA.

Controverso porque a premissa da obra é exatamente esta: causar desconforto em um tipo específico de ser humano muito comum em nosso mundo contemporâneo: o famigerado politicamente correto. O ódio jurado pelo autor sobre a hipocrisia de nossos tempos é declarado já nas primeiras páginas. E Pondé faz questão de reafirmar esta cólera em vários instantes e dentro de diferentes assuntos.

O texto em si é muito bom, de linguagem acessível e naquela pegada estilo conversa de boteco. Incomoda um pouco a ausência de divagações e reflexões continuadas, tão comuns na filosofia. Portanto, ler o título da obra bem naquela capa cheia de grandes nomes da filosofia, nos deixa com uma sensação de estar sendo enganado pelo marketing de vendas do livro. Sim, pois aqui não há o conteúdo histórico filosófico que proposto como alvo de análise do autor. O que realmente nos deparamos é com um ensaio cheio de ironias diretas aos males contemporâneos apontados por Pondé.

A contundência é tão exagerada em alguns momentos que acaba parecendo forçado ou um extremismo de direita (hipótese que considero menos provável) que se ressente com algumas mudanças de inclusão social. E embora o conteúdo seja atual e pertinente, a discrepância no título, na capa e na posição do autor como filósofo, faz com que tudo pareça comercial demais e filosófico de menos.

A diagramação também parece convenientemente servir para “encher linguiça”. O conteúdo escrito do livro poderia muito bem ser editado em menos de 100 páginas. Mas aqui temos uma extensa obra com mais de 230 páginas, infestadas de folhas em branco ou ilustrações que reproduzem a capa (seria um modo de encarecer a obra?).

Contudo, encarar este volume como um guia pode facilitar na aceitação de sua leitura; Pondé usa de uma leitura breve e simples, que serve como porta de entrada para o leitor que queira aprofundar mais nos temas e autores citados. Não é um livro de teor acadêmico e talvez este seja seu grande brilho, desde que assim você o encare. O autor destila sua opinião ofensiva quase como se fosse uma metralhadora, mas aprofunda pouco na sustentação (característica típica de um guia). No entanto, este ataque, por ser generalizado, acaba incomodando, principalmente vindo de um filósofo. Em alguns momentos faz parecer que Pondé está usando as mesmas ferramentas que tanto critica na cultura do Politicamente Correto: a opinião rasa e frívola.

Vale pela crítica ao mundo idealizado da cultura “inteligentinha” que não para de crescer. Mas achei que Luiz Felipe Pondé poderia ter tomado certa cautela em sua análise textual, justamente para não parecer que ele mesmo sofre de estar confinado em um universo fechado e restrito que tanto nubla e idiotiza a praga do politicamente correto.