sábado, 29 de setembro de 2018

A ENCRENCA EM SETE PARÁGRAFOS – FRACASSO


Nossa sociedade moderna privilegia e exalta quase que de modo obcecado a ideia de sucesso, o que nos faz querê-lo com a mesma obstinação que este dogma ressoa desde sempre. Ter sucesso todos os dias deve ser condição de vida boa e elevá-lo a se ter menos hoje do que teremos amanhã é obrigação do homem bem sucedido.

Afinal, a obtenção de sucesso nos é identitário do resultado de esforços, satisfaz por conta do reconhecimento externo de alguma virtude ou conquista por nós alcançados. Sucesso enobrece e nos faz querer continuar crescendo.

No entanto, apesar de ninguém o desejar e muito menos se sentir satisfeito quando de sua chegada, é talvez inegável que o fracasso eleve muito mais o ser humano do que o sucesso. É um pensamento conclusivo? Logicamente não, assim como nenhum outro deste quadro. Mas é pertinente para pensarmos se o fracasso de fato nos humaniza mais do que o sucesso. Porque embora pareça absurdo, o fracasso é talvez o ponto em que estamos mais inclinados a reconhecer a nossa falta de humildade, a perceber em quais aspectos estamos errando, e também a levar em consideração a inevitável contingência.

Enquanto isso, a progressão do sucesso pode elevar a vaidade, alterar nossa percepção de cuidados, nos deixar relapsos quanto à noção do esforço. Conquistas sucessivas e constantes podem nos dar a impressão de que somos maravilhosos e irreprováveis. E embora isso também não seja regra incontestável, algumas vezes um pouquinho de fracasso é bom para nos fornecer humildade.

É claro que a sucessão de fracassos também pode ter efeitos nocivos por nos deixar completamente desmotivados, derrubar toda a nossa estima, frustrar-nos a ponto de não querermos seguir por determinadas escolhas ou até mesmos nos fazer pendurar de vez as chuteiras.

Lucidez e discernimento perante este mal, porque é sim um mal estar no fracasso. Contudo, insucesso nos será útil no sentido de enxergarmos na derrota alguns conselhos sobre como lidar desse ponto em diante, trazer-nos a noção de nosso tamanho e até nos livrar da perigosa noção de achar que devemos ter sucesso ininterrupto.

Porque muito embora todos nós queiramos e trabalhemos em prol do sucesso, seja ele profissional, familiar, afetivo, social, sabemos bem que cada entrave com o qual esbarrarmos ao longo de nossa jornada, deveria ser interpretado como um estágio à reflexão. Estes intervalos são momentâneos e logo se abrem num sujeito ainda mais observador de si mesmo, mais cauteloso e, acima de tudo, menos iludido com a oratória moderna de que sucesso precisa ser estabelecido de modo sistemático e indefectível.

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

RESENHA DE LIVRO – O RETRATO DE DORIAN GRAY


Normalmente não me sinto à vontade em fazer resenhas dos clássicos que leio, por dois motivos: muitas vezes não detenho a sutileza que a obra merece ao ser lida; e também porque acho que seja desnecessário resenhar algo que já foi amplamente analisado por gente muito mais capacitada do que eu.

Mas resolvi abrir uma exceção para esta magnífica obra de Oscar Wilde, pelo simples fato de seu conteúdo ser tão atual aos nossos tempos. O RETRATO DE DORIAN GRAY é uma obra que nos remete à reflexão daquilo que nos é mais constante e infalível: a vaidade humana. O Dorian construído magistralmente por Wilde é o arquétipo perfeito do desejo pela juventude eterna.

Após ter sua imagem pintada num quadro, nosso herói lamenta profundamente a triste realidade de saber que, mesmo com o passar do tempo, a obra de arte permanecerá em eterno esplendor de sua beleza, enquanto Dorian obviamente envelhecerá como o limitado mortal que é. Desse ponto em diante, um pacto inesperado e misterioso tem início e o retrato passa a absorver a ação do tempo e miséria substancial de seu retratado. Dorian permanece jovem e belo, enquanto sua imagem no quadro envelhece sistematicamente.

O autor magistralmente cria um personagem notável em toda sua juventude ingênua e superficialidade aflorada. Dorian Gray fascina pela beleza, mas não é profundo ou sedutor, embora ambicione também o intelecto. O detentor do fascínio na obra fica com Lorde Henry, meu personagem favorito e principal influência na construção de um Dorian tomado pelo ego.

Henry é reflexivo, erudito, possui aspectos misteriosos e quase sempre é capaz de convencer com seus conceitos impudicos. Ele consegue ser genial e irritante ao mesmo tempo, justamente por fazer convencer através de seu sofismo; possui o verdadeiro charme e elegância de um lorde, mas inveja arduamente a beleza de Dorian, assim como também lamenta a perda de sua juventude.

O livro foi publicado pela primeira vez em 1890 e, ao que parece, os editores temiam que a história fosse indecente demais. Quando se lê a edição de nosso tempo é difícil pensar que este fora considerado indecoroso. Não há nada de grave, além da temática contumaz do apreço humano pela juventude. Mas Oscar Wilde chegou a ter problemas por conta desta obra que a crítica da época a considerou obscena e imoral. Um ano depois, o autor fez uma extensão do texto e o publicou como romance, inserindo um ótimo prefácio aforístico sobre a impecabilidade da arte.

A versão da obra que eu li corresponde a publicada por Nicholas Frankel no ano de 2011 e que é baseada no datiloscrito de Oscar Wilde que permaneceu inédito por mais de 120 anos. As versões anteriores tiveram suas publicações atenuadas em diversas referências consideradas impróprias para a época. A tradução para o português é de Jorio Dauster e ficou enxutinha e atual.

Aos meus olhos, este livro só poderia ser um clássico por se tratar de uma narrativa contínua em teor e premissa; um conteúdo perfeito de construção sutil da vaidade de um jovem rapaz, que igualmente ao mito de Narciso, faz de sua beleza estética o objeto primordial de idolatria. Perfeito!