segunda-feira, 22 de outubro de 2018

A ENCRENCA EM SETE PARÁGRAFOS – GENTILEZA


Quando nos vemos como a última instância definidora da própria ação é que estamos condicionados a sermos gentis ou não. Respeitar a preferência de um idoso na fila do banco não é ser gentil, mas sim, permitir que alguém em desigualdade social obtenha o seu lugar, até porque muitas dessas situações cotidianas são garantidas por lei. Ser gentil de verdade carece da soberania do indivíduo. Ou seja, ajudar um deficiente a subir os degraus do ônibus coletivo num ponto lotado de pessoas pode não ser exatamente gentileza, mas simplesmente o medo da censura coletiva.

Somos uma sociedade tão rudimentar que para que algo incomum como a gentileza possa acontecer, é preciso que antes ela tenha um arquétipo; um rosto. E que este rosto nos pareça simpático, ou nos comportaremos da forma que nos é mais costumeira: seremos rudes.

Em nosso universo imediatista e egocêntrico, a gentileza se tornou um gesto de subversão e de resistência. Uma árdua luta contra um coletivo opressor que nos obriga a sermos rudes e insensíveis. E quando insistimos em aplicar a utopia da gentileza, então terminamos com uma desconfortável sensação de estarmos sendo trouxas; de que todos estão nos passando para trás.

A indelicadeza, sentido contrário do ato gentil, pode ser notada em quase todos os âmbitos da sociedade, e o trânsito, lugar de disputa acirrada de muitos carros em poucas ruas para se andar, pode ser tomado como um notório exemplo de espaço tomado quase que totalmente por gente truculenta. A gentileza entre os motoristas em geral é quase uma quimera.

O respeito pelo semelhante, ou a falta do mesmo, talvez seja o defeito menos visível em nossa convivência. Outro dia, ao parar no posto para calibrar os pneus do meu carro, dois rapazes chegaram numa motocicleta e perguntaram, com caras de aflição, se eu iria calibrar os quatro pneus. Eu avisei que, além dos quatros pneus, o estepe também precisaria ser calibrado. Diante do olhar decepcionado dos rapazes, já cogitando subirem na moto para procurar outro posto, eu cedi minha vez e deixei que eles calibrassem primeiro. Mas aqui vale uma pergunta: será que eu teria dado o meu lugar de bom grado, caso eu estivesse atrasado para algum compromisso? Ou se em minha intolerância eu os considerasse como sendo dois folgados que precisam aprender a esperar pela sua vez como todo mundo?

Afinal de contas, parece que cada vez mais precisamos de leis que nos obriguem a sermos gentis. E foi sustentando esse pensamento que consegui a incrível façanha de concluir que estava vivenciando um episódio dificílimo para se aplicar a gentileza: eram rapazes saudáveis, jovens, prontos para ir a alguma festa e possivelmente tinham todo o tempo do mundo para esperar. Ou seja, eu estava de posse de deliberar pela gentileza sem nenhuma instância legal que me obrigasse a fazer isso.

Acredito que a convivência em sociedade acontecerá muito melhor se adicionarmos óleo em suas engrenagens. E esse raro óleo chama-se gentileza. Os dois rapazes me agradeceram pelo gesto cortês e talvez tenham seguido viagem com a impressão, mesmo que momentânea, de que a humanidade ainda tem salvação. Só espero que eles tenham passado a gentileza recebida adiante, para que esta se torne um hábito coletivo, até todos nós sermos respingado por esta tão desejada corrente do bem.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

RESENHA DE LIVRO – CARREGANDO O ELEFANTE


Talvez esta seja uma de minhas resenhas mais pessoais e menos técnicas feitas recentemente. Portanto, se estiver procurando sugestão a fim de saber se você deve ou não ler este CARREGANDO O ELEFANTE, receio que tudo o que estiver escrito aqui não lhe servirá como indicativo.

Começo fazendo esta observação por uma razão que considero crucial: embora não tenha gostado muito do livro, estou convencido de que este é um conteúdo de inserção eficientemente básica àqueles que estejam procurando um ponto de partida para entender a nossa ardilosa e dissimulada política atual.

CARREGANDO O ELEFANTE é um livro cujo conteúdo expõe de modo simplificado as razões pelas quais o Brasil não consegue sair do lamaçal fétido e vergonhoso o qual os nossos governantes nos atolaram. Aqui podemos encontrar os princípios básicos da problemática econômica e social, as agruras de um sistema centralizador, o nosso atual Estado insondável e os privilégios faraônicos que gozam os nossos governantes. Atrevo-me a dizer que o conteúdo é tão trivial que poderia ser usado até como ferramenta inicial para os estudantes que estão ingressando no ensino médio (lugar que infelizmente ainda se encontra completamente obscuro se pensarmos em política e economia).

Portanto, os autores Alexandre Ostrowiecki e Renato Feder aparentemente fizeram este trabalho numa tentativa nobre de alcançar o leitor leigo que ainda olha para os costumeiros autores que escrevem sobre política como se eles fossem alienígenas incompreensíveis. Eis então o motivo que me leva a crer que este livro não deve jamais ser desprezado: toda e qualquer tentativa de reverberar e expandir a mente propositalmente obscurecida da maioria dos brasileiros será sempre uma proposta bem-vinda.

Outro aspecto positivo é que os autores disponibilizaram a versão e-book gratuitamente no site deles, o Ranking Político. Aliás, eu considero este site ferramenta ainda melhor e mais eficaz até do que o livro. Nele se pode avaliar, num ranking de pontos pensado pelos organizadores do site, a eficiência de cada parlamentar eleito em nosso atual congresso.

Mas como resenhista eu preciso salientar que nem tudo são acertos. O livro apresenta alguns problemas estruturais e conceituais. A diagramação é feia, mas em se tratando de um conteúdo gratuitamente disponibilizado, isto não chega a ser um problema (eu li em formato e-book). Bem mais incômodos são os muitos erros gramaticais ao longo de toda a obra.

Já em relação ao conceito, sabemos que não se trata propriamente de erro, mas sim de discordância. Por toda a narrativa os autores explicitam de forma contundente que a privatização seria incontestável solução para o país. E opiniões à parte, sobre, isso o que incomoda é que eles apenas apontam a referida direção, mas não aprofundam em argumentos. E embora saibamos que de fato alguns aspectos sociais não fazem sentido continuar sendo mantidos sobre responsabilidade estatal, é preciso cautela para outros, cuja sugestão de privatizar carece de maior discernimento.

Por fim, eu reforço que este livro vale muito como conteúdo inicial para leitores que querem uma primeira proximidade com a literatura de política. Contudo, para os especialistas neste tema (obviamente não me incluo neste grupo, por isso quis ler a obra) o livro não detém os aparatos científicos que ajudam a refletir com maior propriedade a nossa tão complexa política brasileira.