terça-feira, 13 de novembro de 2018

A ENCRENCA EM SETE PARÁGRAFOS – MELANCOLIA


Neste atual mundo hedonista, vivemos na obrigação cotidiana de sermos felizes. Mas será mesmo possível que se estabeleça felicidade permanente? Seria a tristeza coisa de gente mal resolvida?

Para avançar ainda mais em tais questões problemáticas, poderíamos supor que muito pior do que a angústia por encontrar contentamento talvez seja a percepção de que a felicidade parece algo superficial; uma constante suspeita de que aquele que é alegre o tempo inteiro certamente não conseguiu enxergar a complexidade do universo ao seu redor.

A fuga da situação de sofrimento na vida cotidiana talvez esteja nos distanciado de um aprendizado aparentemente difícil de ser percebido: a capacidade de discernir sobre um conflito melancólico, ou a impossibilidade de se livrar de certas resistências sociais. Gosto da ideia de que a capacidade de percepção do mundo como ele de fato funciona talvez seja a condição primordial do ser melancólico. Sim, pois a elevação do discernimento elimina toda e qualquer possibilidade de exaltação, ansiedade, expectativa e, claro, de prazer.

Mas se tal constatação for assertiva, então a melancolia seria como uma espécie de sabedoria cruel. E então poderemos atestar o velho axioma que sustenta a ideia de que “a ignorância é mesmo uma bênção”. Porque se o indivíduo melancólico está correto em seu trono de dor, não há razão para querermos angariar conhecimento. Exatamente como pensam os atomistas: que a vida seria apenas um acaso, em que átomos e moléculas pairam aleatoriamente num espaço vazio.

No meu caso posso dizer que vivi uma vida, pelo menos até este presente instante em que escrevo, cujo principal intento foi evitar burocracias, estresses, ambições elevadas e desejos ardorosos. Procurei me esquivar dos abalos existenciais em provento da paz e tranquilidade de meu ser. Isso adentrou-me num amplo e perceptível estado de tédio, caracterizado justamente pela ausência de grandes obstáculos. E o que dizem alguns especialistas é que o tédio nada mais é do que uma fronteira muito estreita para a melancolia.

Contudo, acho que a elevação da lucidez não seja indicativa da perda total dos instantes alegradores no mundo. Portanto, o que talvez ocorra com um ser melancólico seja a sofisticação da felicidade; a redução do prazer que o torna, por sua própria raridade, um instante inesquecível e melhor aproveitado. Afinal de contas:

“Se os homens não tentassem ir além daquilo que suportam, certamente levariam vidas mais alegres” (Demócrito).

sábado, 3 de novembro de 2018

RESENHA DE LIVRO – A MORTE TAMBÉM FREQUENTA O PARAÍSO


“Et in arcadia ego”, no original que o título fraseado significa, nos é apresentado logo no início desta decente obra de um autor que ainda não conhecia chamado Lev Raphael.

A MORTE TAMBÉM FREQUENTA O PARAÍSO é um romance policial, mas que foge aos costumes e maneirismos do gênero. Aqui encontramos uma mescla de suspense, comédia, novela e drama, não necessariamente nesta ordem, mas entremeados ao longo de suas trezentas páginas.

A trama conta a história de Nick Hoffman, um professor gay que leciona na Universidade Estadual de Michigam, palco do assassinato brutal de um aluno, ocorrido durante uma manifestação dentro das imediações da escola. De cara o leitor simpatiza com este personagem, por seu carisma, simplicidade e lucidez. Nick é o tipo de pessoa agradável em se ter como companhia numa mesa de bar. E sua natureza homossexual funciona muito bem para elevar a credibilidade. Ele se lança na investigação do rapaz morto, mas o faz de forma a compreender sua própria neurose em achar que a morte o persegue.

A junção deste atraente personagem com a narrativa diversificada foi o maior acerto do autor. A trama segue em primeira pessoa, ou seja, acompanhamos o que Nick está vendo, condição que nos remete aos conceitos e análises de alguém que é leigo em investigação. Isso é ótimo para aumentar a empatia com ele e também ajuda a narrativa a fugir dos termos técnicos que costumam chatear este tipo de gênero.

Lev Raphael possui uma pegada textual prolixa e cômica que me fez lembrar Marian Keyes em alguns momentos. E embora essa condução corra o risco de sustentar momentos maçantes, este autor consegue manter uma linha expositiva aprazível na maior parte do texto.

Um aspecto que pode incomodar um pouco é quanto às muitas referências feitas ao longo da história. Tanto narrador quanto personagens coadjuvantes recheiam a narrativa com citações e referências que vão desde o cinema, passam pelo pop e até culinária. Isso é comum quando se trata de um autor que conduz o texto de modo loquaz, mas a frequência exposta aqui me deixou com uma leve sensação de pedantismo.

No geral A MORTE TAMBÉM FREQUENTA O PARAÍSO é um livro simpático, de final nem um pouco arrebatador e amparado por uma trama que me fez dar boas risadas. Certamente farei incursões futuras das outras obras de Lev Raphael.