quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

RESENHA DE LIVRO – AMIGA DO DIABO


Penso que romances policiais carecem de personagens charmosos e atraentes, muito mais do que noutros gêneros literários, porque o clima geralmente pesado ou técnico demais precisa ser condensado com elementos que ajudem a trazer um pouco de desenvoltura à trama. O inspetor Alan Banks é, de fato, uma personagem que exala carisma, algo que pode ser facilmente notado já nas primeiras páginas deste decente AMIGA DO DIABO. Tanto que o livro chegou até a receber elogios do mestre Stephen King, condição que certamente eleva o personagem a ser digno de alçar o apogeu dos ilustres detetives de literatura noir... Será?

Não por acaso, o que tem de melhor neste livro é exatamente os bons diálogos entre personagens, é o que mais desperta o prazer da leitura. E esta presença agradável não carece apenas dos dois protagonistas principais, Alan Banks e Annie Cabbot, mas praticamente todos os colóquios estão recheados de imprevisibilidade, condutas singulares, sacadas inteligentes e boa dose de humor. A humanização interativa agrada bastante e nem é preciso ter lido alguma das aventuras anteriores do detetive; pode até soar estranho começar a leitura sem elementos que nos apresentem os personagens, como acontece neste livro, mas a empatia logo sobressai esta suposta limitação e o leitor se vê absorto numa imersão de situações que mesclam imprevisibilidade e distinção entre os envolvidos.

Na trama, dois assassinatos paralelos colocam o departamento de investigação a todo vapor; uma bela jovem é encontrada morta em um labirinto de pátios e becos escuros de uma região de periferia, enquanto a quilômetros dali uma mulher tetraplégica é degolada no alto de um penhasco. Inicia-se então uma tortuosa e obscura jornada investigativa para dar conta de ambos os casos. E alguma familiaridade pode haver entre eles.

Infelizmente é neste ponto que o livro acaba deixando um pouco a desejar. O enredo é, por completo, infestado de interrogatórios com suspeitos, possíveis envolvidos, testemunhas e afins, compromete a evolução textual deixando-a extensa demais. Mas calma, o livro não é ruim, principalmente e graças aos bons diálogos. Portanto, se você é daquele leitor que ama intermináveis inquéritos investigativos, detetives sondando a tudo e a todos, eis que você terá um prato cheio em mãos. Contudo, se você espera um pouco mais de ação, perseguições alucinantes, violência desenfreada, talvez este título o deixe um pouco entediado, enquanto espera por alguma fagulha ao longo de suas quase quinhentas páginas.

O livro explora muito pouco alguns dos personagens secundários que são por demais interessantes. Eu, particularmente gostaria de ter acompanhado um pouco mais de perto a detetive Winsome, uma moça que desde o primeiro instante em que surge na trama, deixa evidente que é uma mulher de muitas camadas. Contudo, acho que este foi o pequeno deslize cometido pelo autor Peter Robinson: ele foca demais no tema investigação e por consequência sobra pouco espaço para explorar os protagonistas secundários. Um infeliz desperdício.

De qualquer forma, fica anotada a indicação do titio Stephen: AMIGA DO DIABO é um baita romance policial, cuja leitura é fluida e instigante. Merece ser lido.

NOTA: 6,9

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

RESENHA DE LIVRO: BILE NEGRA


A premissa desta obra é até muito boa: através do olhar depressivo de seu personagem, Bile Negra tenta trazer à tona a complexidade existencial do ser humano. A trama segue envolta da história de Iago, um jovem que vivencia extremos de seu próprio vazio após se mudar para a cidade grande.

O clima é conduzido como se fosse uma narrativa terapêutica, o personagem principal expõe seus conflitos e emoções de forma crua e direta. Relatos que exploram o lado complexo e sombrio do homem, e no meio do caos, nós acompanhamos também outros personagem que vivem crises semelhantes. Tudo aqui parece ser de fato um documentário factual sobre pacientes que fazem terapia.

Pois é justamente neste aspecto que o livro acaba derrapando, ou melhor, exagerando um pouco.

Bile Negra foi escrita por um médico especializado em psiquiatria. Alexandre Loch conhece muito bem o terreno em que está pisando, sabe documentar de modo preciso a angústia inerente das pessoas. Mas lhe escapa uma pegada mais crônica e menos documental, exatamente o brilho que faltou para que sua obra progredisse do modo menos informativo e mais literal; a sedução lhe escapou por quase todo o texto.

Quando estamos acompanhando os relatos de Iago, quase podemos vislumbrar uma esplendorosa narrativa. Porém, o autor sai do personagem para forçar a barra com relatos contínuos de outros personagens que também foram acometidos pela obscura depressão. Isso não teria sido um problema, caso a obra seguisse por uma linha semelhante às dores desnudadas de modo informal e humanista, como acontece quando estamos diante dos relatos de Iago, mas Alexandre Loch opta por uma pegada mais informativa e técnica, deixando uma sensação de que estamos lendo um dossiê ou uma reportagem de jornal.

Mesmo assim, Bile Negra consegue ter vigor; em muitos instantes convida o leitor à reflexão pessoal e deliberar sobre os próprios entraves de sua existência. Só o que incomodou foi justamente a perceptível indecisão do autor, que pareceu não saber se queria entregar um romance dramático ou se uma sessão de terapia destinada à pacientes depressivos.

O último capítulo denominado “Libertação” parece expor de fato essa premissa: a narrativa da jornada do herói, que atravessa os estágios em formato de “U”, ascensão, queda e finalmente a reabilitação de si mesmo. Um claro intento da epopeia motivacional, quase uma autoajuda.

Bile negra é um livro bem intencionado e sabe como descortinar as mazelas do ser humano. A obra trabalha de modo eficaz no sentido do testemunho cru dos angustiados pela complexidade do viver. Mas faltou uma dose de profundidade narrativa, careceu de um pouco mais de sensibilidade pessoal em sua prosa, o que deixaria sua condução mais introspectiva, como tão bem o fazem autores como Clarice Lispector. E através do olhar melancólico do personagem, mergulharíamos sem volta na ausência da perseverança existencial.

NOTA: 5,2