quinta-feira, 21 de março de 2019

RESENHA DE LIVRO – SENHORA DA VINCI


Como de costume, encontrei este livro de forma despretensiosa, enquanto vasculhava um Sebo neste país afora. E muito me interessam os autores que se propõem a escrever sobre mulheres do passado que, jogadas às sombras da nossa história, estiveram à mercê do patriarcalismo. Mesmo sendo estes autores, profissionais que escrevem ficção.

SENHORA DA VINCI é um trabalho que, de cara denota ousadia: narrar a vida de uma personagem quase sem nenhum documento histórico existente e que trouxe ao mundo um dos homens mais importantes da humanidade, Leonardo da Vinci. Restou-me retirar a intrépida obra da prateleira e descobrir se a autora Robin Maxwell foi feliz ao realizar este feito.

E talvez o veredito possível seja: sim e não... Vamos começar pelos acertos:

O livro sabe fazer com que o leitor entenda que aqui estamos viajando através do início do renascimento; período dos mais importantes para o movimento artístico da história. A narração em primeira pessoa faz diversas referências ao longo da trama, sempre mantendo seu ponto de vista pessoal, ou seja, nem um pouco técnico, o que é bom para humanizar os relatos.

Os capítulos finais escaparam do previsível e de sacadas clichês. A autora foi assertiva em deixar a trama seguir sem inserções românticas, estereotipadas, nem ficou tentando causar comoção no leitor, o que é muito bom. Há um capítulo em que acompanhamos uma descrição ótima que acontece sobre uma das pinturas de Leonardo, em que sua mãe posa para ele (não se trata de um fato histórico, mas eu adorei esse momento da trama).

O livro também começa muito bem: não perde o foco no cotidiano modesto de Caterina (a mãe de Leonardo). Ela é uma mulher entusiasmada, que teve a sorte de ser criada por um pai que não limitou a educação da filha só porque ela era uma mulher. O livro fala com coragem do abandono do pai biológico de Leonardo e do preconceito social daquela época. Se algumas situações se trataram de inserções hipotéticas da autora, não importa; o fato é que deu muito certo, a leitura sustenta instante de deliciosa fluidez.

Infelizmente esta desenvoltura funcionou somente até o momento em que o filho ilustre nasce. É aí que começam os problemas da obra.

SENHORA DA VINCI parece não conseguir se livrar da aura brilhante que envolve Leonardo, mesmo não o elevando à condição de personagem principal, ele segue por toda a trama como se fosse um escopo; aquilo que se tem por finalidade. Robin Maxwell acaba tendo dificuldades em manter o carisma de Caterina, tornando-a uma mera expectadora da vida do filho pomposo.

Mesmo nos instantes em que Leonardo da Vinci sequer aparece, sua mãe (que como já mencionei, é a narradora da história), se comporta de forma diminuta, quase submissa. Nos instantes em que ela fala de Leonardo, ou até de outras figuras ilustres de seu tempo, a narrativa se torna sôfrega, algo quase servil. Caterina os descreve como se fossem deuses impávidos e perfeitos... Um comportamento patético e desnecessário que quase me fez abandonar a leitura.

Incomodou-me também a persistência em se narrar alguns dos feitos de Leonardo. Como se isso fosse obrigatório para o desenrolar da história. Veja bem: o caso é que não estamos falando aqui de um livro sobre Leonardo da Vinci, mas de sua mãe. Portanto, verificar demais a obra do filho elevou o senso de desvalia da personagem principal; reduziu-a à condição de mera coadjuvante.

Infelizmente também não é muito difícil nos depararmos com erros gramaticais e descuidos de revisão, mas isso não chega a incomodar tanto.

SENHORA DA VINCI é um livro que falhou por não saber escapar do glamour em torno do filho famoso daquela que deveria ser a verdadeira personagem principal. Funciona quando a autora se concentra na história, mas no contexto geral, temos aqui apenas mais um romance pouco aproveitado, tanto no sentido ficcional quanto histórico.

NOTA: 5,2

segunda-feira, 11 de março de 2019

RESENHA DE LIVRO – UM DIA


Meu interesse nesta obra tão consumida e comentada pelos leitores brasileiros se deveu à mera rendição: depois de tantos elogios e declarações inflamadas de devoção a este volume (inclusive de críticos que se levam a sério), de várias comparações com livros que gostei; de ouvir que a trama era insinuante como raramente se encontra na literatura moderna; concluí que este trabalho de David Nicholls só poderia se tratar de leitura peculiar e indispensável...

Mas calma lá, porque a coisa não é assim, tão impecável.

Aqui temos um romance dos tempos atuais que conta a história de dois amantes os quais seus eventos primordiais ocorrem no dia 15 de julho (ou eles se absorvem em devaneios nesta data). Portanto, a premissa é fazer com que acompanhemos tudo o que aconteceu na vida desde maçante casal, num resumo que se passa sempre no dia 15 de julho de cada ano.

A pegada é bem novelesca e o autor, já nas primeiras páginas, evidencia que sua literatura não tem a premissa de chegar a lugar algum (isso não é algo propriamente ruim, pois a falta de linearidade costuma funcionar perfeitamente bem nas mãos de alguns autores que sabem trabalhar com narrativas randômicas). UM DIA é um livro morno e cansativo, que te obriga a atravessar longa e árdua leitura que o conduzirá até um desfecho igualmente insípido e apagado, cujo único prazer é a noção de termos finalmente chegado ao seu término.

Vale salientar que a narrativa não é de todo ruim; o autor, embora demasiado prolixo, sabe sugerir ao leitor aquilo que se propõe a contar. Os diálogos também são críveis e, vez ou outra, até provocam alguma graça. No entanto, seu aspecto água com açúcar, repetitivo e alienado a personagens que não cativam, suscita demais o enfado porque nada acontece em momento algum. E o leitor segue acompanhando com aquela impressão de que logo ali na frente algo se encaixará com o que foi lido e tornará relevante todas as centenas de frivolidades que fomos obrigados a engolir.

Mas não. Nada acontece em quase momento algum. Os capítulos são esquecíveis, quase todos os dias 15 de julho poderiam ser resumidos em muito menos relatos banais. A trama leva os personagens às mais distintas situações existenciais, talvez no intuito de explicar os resultados e escolhas de cada equação de suas vidas. Só que tudo isso teria funcionado melhor se a narrativa fosse mais sucinta. A maioria dos capítulos está lá para absolutamente nada. Eu poderia ter ocasionalmente pulado alguns capítulos que o ato em nada teria interferido na compreensão do texto ou em seu desfecho final.

Já os dois protagonistas, Dexter e Emma, são apáticos e não possuem elementos que os identifique com a construção do romance. A única condição que parece os tornar apaixonados um pelo outro é a conveniência, pois qualquer outra existência que aparece na vida de cada um deles é propositalmente pior do que a enfadonha realidade que os cerca. Emma é uma mulher cheia de baixa-estima, principalmente em relação à cisma de encontrar um namorado e tenta encobrir seu espírito de porco bancando a descolada. Enquanto Dexter é um vaidoso metido a pegador, que ostenta sua jovialidade e um emprego como apresentador, condições que fazem com que olhe para o resto do planeta de cima para baixo. Cheio de infantilismo, ele logo se deixa submeter aos vícios em etílicos e entorpecentes, situação que o torna ainda mais insuportável.

O final tenta forçar a barra para causar comoção, típico de comédias românticas de sessão da tarde. Mas obviamente o abalo é previsível e clichê. Não faz do ato final algo que desperte um mínimo de reflexão no leitor.

UM DIA é um romance esquecível, de protagonistas que não combinam em nada, de uma trama que se arrasta em banalidades e marasmos que certamente servirá de soporífero ao leitor. Na mesma pegada novelesca, eu recomendaria os bons livros de Marian Keyes, que embora tenham tramas bem corriqueiras e até previsíveis, ao menos em se tratando dessa autora as gargalhadas estarão garantidas.

NOTA: 3,8