Um texto quando parece
sofisticado demais, muitas vezes deixa-nos com a sensação de que foi escrito
por algum esnobe interessado apenas em receber meia dúzia de elogios por saber
compor algo difícil de ser compreendido. Esse estilo pedante de linguagem por
vezes não passa de literatura irrelevante e esquecível, disfarçada de erudição.
E na contramão disso, é maravilhoso quando encontramos um livro que destila uma
linguagem que simplesmente quer relatar algo, e que o faz de modo natural,
direto... Tão direto que a crueza de seu conteúdo é o viés de seu
encanto.
O
COMPROMISSO é exatamente isso: uma belíssima aula de
narrativa da vida em que você entende cada parágrafo, relatos diretos e
imparciais de alguém que meramente quer contar sobre o cotidiano. É precisamente
desse modo orgânico que transcorre a leitura de Herta Muller. O acaso nos faz sentar ao lado de uma mulher dentro
de um bonde. De modo despretensioso, ela se vira e começa a contar seus relatos
como se fosse meramente uma existência acumulada que precisa verbalizar; que precisa
externalizar o que paira em sua mente, naquele exato instante em que suas memórias
flutuam. Não importa quem é o ouvinte (leitor) que está ao lado dela. Então,
essa mulher resiliente revela os pedaços de sua trajetória constrangedora sem
pedir licença, sem clamar por sua opinião, sem explicar o que sente.
Após suas confissões espontâneas,
essa mulher se levanta do lugar em que estava, despede-se e vai embora,
deixando você inteiramente atônito e boquiaberto. Sobram-se apenas ouvinte
(leitor) com sua frágil estrutura existencial completamente abalada por aqueles
relatos; o ouvinte (leitor) compreende que inevitavelmente passará dias
pensando sobre tudo aquilo que ouviu, justamente porque o imaterial era quase
palpável.
A mulher em questão está
justamente indo para O COMPROMISSO.
Desse modo, ela toma o bonde outra vez, para mais um interrogatório humilhante
às autoridades do regime ditatorial que perdura em seu país, sem saber se volta
pra casa ou não; se será finalmente presa e torturada; sem saber como fará para
esconder o ódio de seu algoz. Ela cometeu ato impensado de colocar bilhetes nos
ternos da fábrica onde trabalhava, oferecendo-se em casamento para alguém que a
livrasse da tirania opressora do Estado.
No entanto, mesmo diante da extraordinária
e bela narrativa, O COMPROMISSO não
é um livro para qualquer leitor. A história não transcorre linear, aqui não
existe a preocupação em colóquios objetivos, mas sim, reflexões ásperas,
linguagem direta e sóbria... Não há tempo para arrependimentos ou concessões.
A trama vai pra frente e pra
trás o tempo todo, pode até causar certa confusão na imersão do leitor. Mas o
intuito aqui passa muito longe de conclusões ou respostas; estamos diante de
uma vida que aconteceu tanto, que ao término do relato, ficaremos com a
sensação de que fomos preenchidos, não pela linearidade começo, meio e fim, mas
justamente pela maneira com que o mundo te colocou no caminho dessa mulher e
inevitavelmente você se saciou com sua história.
A leitura causa impacto, a
continuidade de um choque após outro nos deixa apreensivos, a narração
harmoniosamente simples, como quando ela examina os outros passageiros dentro
do bonde que observa...
NOTA: 9