CONTOS - DIVERSOS

PAGANDO PECADOS



O cartucho vazio despencou da agulha como se estivesse em câmera lenta. O invólucro metálico e denso atingiu o piso de mármore tilintando levemente cada vez que ele respingava no solo frio. O cheiro de pólvora invadiu o nariz de uma mãe determinada. Suas mãos trêmulas seguravam o revólver erguido na direção do alvo. E o coração transbordado de vingança saltitava ansioso dentro do peito...

Nesse momento, o corpo sem vida de um assassino começou a despegar-se dando adeus a própria alma. Os joelhos se dobraram ao mesmo tempo, na queda, enquanto o semblante carregado de suor e sangue observava pela última vez a frieza no olhar daquela que lhe tirou a vida...



                    HOSPITAL DAS CLÍNICAS, 14 horas antes

  

(09h25min AM)

Sentada no banco da recepção, Ellen Alburn aguardava por notícias. Suas mãos estavam juntas e os dedos entrelaçados roçavam-se entre eles, nervosamente. Diante de seus olhos, o corredor do hospital era o estranho mundo no qual ela passou as últimas horas, enquanto seu corpo isolado e encolhido parecia diminuir diante das possibilidades que torturavam sua mente angustiada.
Finalmente, após a longa e aflitiva espera, a porta da sala de emergências se abriu. Os olhos de Ellen equivocavam-se á cada passo do médico em sua direção. Antes mesmo que o homem vestido de branco pudesse chegar até ela, a mulher se levantou apressada e foi em direção á ele.

– Com licença, doutor...
– A senhora é a mãe de Vinicius Alburn??
– Sim, sou eu doutor. Como meu filho está??
– Meu nome é Rosenberg, Senhora.  Eu vou ser bem direto com você. O estado do seu filho é muito crítico... ele teve hemorragia cerebral, e quebrou várias costelas. Ainda não temos como lhe dar uma avaliação detalhada do seu estado. O que posso adiantar é que teremos que fazer uma drenagem no cérebro, e como ele tem apenas dez anos...
– Por favor, doutor! Meu filho corre risco de vida??
O médico fitou a mulher por alguns segundos. Ele parecia hesitante, como se procurasse as palavras certas para dizer á alma angustiada em sua frente. Se é que isso seria possível:
– Se a senhora é uma mulher religiosa, eu sugiro que reze pela recuperação dele. Estamos fazendo o possível...



                             SUBÚRBIO DO BROOKLIN


(09h25min AM)

– James!! Acorda!!
– O que foi, porra!!! Deixa eu dormir!!
– Acorda!!

James sentou-se na cama. Estava pregado de sono, seus olhos pareciam cheios de areia, ele mal conseguia mantê-los aberto para fitar a mulher ereta em sua frente, próximo da cama.
– O que você quer Denise?
– Você bebeu enquanto voltava do trabalho? – James trabalhava em uma fábrica de peças de automóveis no turno da noite. Ele voltava pra casa pelas manhãs, e havia acabado de se deitar.
– Ah, droga!!! Você veio aqui me atormentar com isso de novo?
– Sim. Responde a minha pergunta!
– Vai à merda, Denise!! Eu to cansado. Me deixa dormir, depois nós conversamos...
– James, você ta cheirando a bebida!!
– Mas que inferno, Denise!! Ta bom. Eu tomei uma cervejinha com os amigos depois do trabalho. O que tem de errado nisso?
– Você prometeu que não ia mais beber. Esse é o problema.
– Foi só uma ou duas cervejas, Denise. Eu vim pra casa, não vim? O que mais você quer de mim?
– James, tem sangue no pára-choque da caminhonete!! Você atropelou alguém?
A pergunta soou estranha nos ouvidos de James. Como quem acabara de levar um choque, ele arregalou os olhos. Sabia que havia sido bem mais que duas cervejas. E após muitas rodadas, sua mente ficara nublada, e a lembrança do trajeto pra casa havia deixado de existir...
– Você tem certeza disso, mulher?



                             CENTRO DE MANHATTAN


(10h30min AM)

Uma multidão de corpos se movimentava pelas calçadas do centro da cidade, apressadamente. No meio daquele mar de seres humanos, Ellen trombava desatenta entre um e outro. Estava cansada de chorar. Era hora de fazer alguma coisa com relação á atual situação em que se encontrava. Exatamente como seu pai havia lhe ensinado, no tempo em que ela não tinha mais do que um metro de altura:

“É preciso ser forte nos momentos fortes! Sem chorar, Ellen! Não desperdice suas energias lamentando o que aconteceu de errado. Em vez disso, use a coragem dentro de si para alcançar algo que lhe faça erguer-se, que lhe devolva a alegria.”

Ela lembrou-se daquelas palavras, que iam e voltavam à superfície de sua mente, e lhe faziam exigências extremas. E queriam uma atitude.
Mas como?
Como se consegue buscar forças, quando a maior motivação de sua vida, estava inconsciente naquele momento conectado á tubos respiratórios, lutando pela própria vida... E com poucas chances?
Chega de chorar, Ellen! Seja forte! Você sabe o que tem que fazer.” Dizia ela pra si mesma, enquanto enxugava as últimas e insistentes gotas que desciam pela maçã de sua face. – Ela apanhou o celular dentro da bolsa, e procurou um número na agenda eletrônica. Um número que ela lutou anos para esquecer. Na tela de LCD surgiu um nome que um dia Ellen amou com todas as forças:

“Michael Widorrs”

Ela iniciou a chamada, e aguardou ser atendida, enquanto sua mente teimava em voltar a viajar pelos corredores assépticos do hospital, onde o filho travava uma árdua batalha contra a morte.

– Alô. – disse uma voz rouca do outro lado da linha.
– Mick? É você??
– Ellen. Mas que surpresa! Como você está?
– Levando a vida... Meus Parabéns, eu soube que foi promovido a capitão da policia.
– Pois é... finalmente meus esforços foram reconhecidos. Estou trabalhando feito um doido, fazendo novas reformas nas patrulhas e departamentos...
– Eu imagino. Aliás, o comprometimento com o trabalho sempre foi sua grande qualidade. Uma pena que ela seja a única que você sempre teve.
– O que você quer dizer com isso?

Ellen pensou alguns segundos antes de responder. Estava se deixando levar por mágoas passadas, e aquele não era o melhor momento para isso. Nada de remexer no passado fracassado que tivera ao lado do capitão da polícia de Manhattan. Ellen precisava de ajuda, e no momento, ele era a pessoa perfeita pra isso.

– Deixa pra lá. Eu te liguei porque estou com um pequeno problema, Mick. Preciso de um favor.
– O que houve?
– Aconteceu um atropelamento hoje cedo nas proximidades do Brooklin. Parece que o motorista fugiu sem prestar socorro á vítima. Eu gostaria que você descobrisse quem é o desgraçado, onde ele mora...
– Ta tudo bem com você, Ellen?
– Ta sim. Não tive nada a ver com esse acidente. Foi com... o filho de uma amiga.
– Desculpe Ellen. Mas eu não posso dar esse tipo de informação. Sua amiga pode querer se vingar do motorista.
– Ela não vai fazer nada. Fique tranqüilo. Apenas quer pedir a ele que ajude com as despesas do hospital.
– Tudo bem. Mas tome cuidado com essas coisas, Ellen.
– Não se preocupe. Você me retorna?
– Vou ver o que eu consigo, depois volto a te ligar...     



                             SUBÚRBIO DO BROOKLIN



(10h 32min AM)


De frente para a caminhonete, James coçava sua cabeça confusa. Realmente sua mulher estava correta. Havia mesmo sangue no pára-choque, assim como um pequeno amassado na lataria do carro.

“Mas que porcaria é essa? Parece mesmo que eu atropelei alguém. Talvez fosse um animal, um cachorro... Droga!! Não consigo me lembrar.”

Denise apareceu com um balde d’água nas mãos. Ela sustentava uma expressão séria no rosto quando olhou para o marido pensativo.
– Conseguiu se lembrar de alguma coisa?
– Nada...
– Toma. – disse ela, secamente, estendendo o balde na direção dele. – lave esse sangue antes que alguém perceba.
James lavou o pára-choque rapidamente, depois entrou na caminhonete e deu a partida no motor.
– Aonde você vai? – perguntou a mulher.
– Vou sair... Preciso tentar refrescar a memória...


                      
                        CENTRO DE MANHATTAN



(12h 35min AM)


Ellen ficou sentada numa fast-food da quinta avenida por mais de uma hora aguardando. Sentia uma dor imensa apertar-lhe o peito. Era impossível parar de pensar no filho. E no que estava planejando para aquele mesmo dia.
Subitamente, o motivo de sua espera acabou entrando pela porta da frente. Era um homem negro, alto e magro. Ele parou na porta, percorreu o olhar por todo o recinto até encontrar a figura cabisbaixa de Ellen, sentada numa mesa no final do corredor.
O sujeito se aproximou olhando nos olhos da mulher.

– Com licença. Você é Ellen...
– Sou. Você trouxe o que eu pedi?
– Sim senhora. Nós podemos ir para outro lugar e...
– Não! Eu não vou á lugar algum. Não confio em você.
– Senhora, aqui tem muita gente. Alguém pode nos ver...
– Sente-se.
O homem hesitou por um momento, mas diante de tamanha determinação, acabou sentando do outro lado da mesa. Ellen retirou um maço de cigarros da bolsa, levou um até sua boca, e acendeu com um isqueiro.
– Você quer um cigarro? – perguntou ela.
– Não obrigado. Eu não fumo.
– Bom pra você.
– A senhora trouxe a grana?
– Esta toda aqui. Entregue a minha encomenda, que eu lhe passo o dinheiro.
– Não posso fazer isso, senhora. Também não confio em você.

Ellen apanhou a edição de hoje do jornal que estava na cadeira ao lado, e entregou nas mãos do homem.
– Coloque a arma dentro do jornal para que eu a veja. – exigiu ela.
Cuidadosamente o homem retirou de sua cintura uma pistola, enfio dentro do jornal, e dobrou para que ninguém á visse. Depois ele depositou o jornal em cima da mesa, e pressionou a mão sobre ele.
– Agora me entregue o dinheiro.
– Eu vou lhe dar o dinheiro, você se levanta, e confere longe da arma. Ela é como eu te pedi?
– Sim senhora. Leve, automática, com pente de quinze balas, carregado. É uma arma limpa, e sem nenhum registro.
Ellen entregou um envelope ao homem, enquanto ele tirava a mão de cima do jornal simultaneamente. Ele se levantou, conferiu o dinheiro, e antes de sair, voltou-se para a mulher e disse:
– Senhora. Fique despreocupada. Eu não á conheço, nem nunca vi seu rosto na minha vida. Tão pouco estou interessado em saber o que a senhora pretende fazer com a arma.
Dito isso, o homem afastou-se de Ellen, e desapareceu pela porta...



                      SUBURBIO DO BROOKIN


(01h 22min PM)


A campainha da porta começou a tocar. Algum tempo se passou, e finalmente uma mulher abriu, e deu de cara com dois homens uniformizados.

– Boa tarde. A senhora é Denise Adanssom? – os dois homens estudavam a figura benevolente da mulher que enxugava as mãos no avental.
– Sim, sou eu.
– Somos da polícia de Manhattan – disse um dos homens, erguendo uma carteira de identificação na direção de Denise – A senhora é esposa do Sr. James W. Adanssom?
– Sim, eu sou...
– Seu marido está em casa, senhora?
– Não. Meu marido saiu hoje de manhã.
– Ele disse pra onde ia?
– Do que se trata?
– Nada de mais. Só queremos fazer algumas perguntas ao seu marido. Ele disse quando estaria de volta?
– Não. Ele não disse nada?
– É comum o seu marido sair de casa sem lhe dizer pra onde, senhora?
– Isso não é da sua conta.
O clima da conversa parecia tomar rumos pesados, então o policial preferiu não pressionar a mulher que começava a transparecer preocupação no rosto.
– Tudo bem... Peça a ele que entre em contato com a gente assim que possível – disse o policial entregando um cartão nas mãos da mulher – obrigado pela cooperação. Tenha uma boa tarde, senhora...



                          CENTRO DE MANHATTAN


(02h 37min PM)


– Deixe-me apanhar um papel e uma caneta, Mick...
– Ok. Eu espero.
Ellen abriu a bolsa e apanhou caneta e uma agenda. Abriu em uma página em branco, depois voltou sua atenção para o telefone que ela apoiava entre o ombro e o queixo. 
– Pode falar, Mick.
– Uma câmera de segurança conseguiu focalizar a placa de uma caminhonete suspeita de atropelar um menino. O numero da placa é 0237, pertence á James W. Adanssom. Eu mandei que dois patrulheiros verificassem o endereço que consta na agenda telefônica.
– E o que seus homens conseguiram?
– Não muita coisa. O endereço era o correto, mas o cara não estava em casa. Talvez ele tenha fugido.
– Ele tem emprego ou alguma outra referência onde podemos achá-lo?
– Parece que o cara é metalúrgico, trabalha no turno da noite em uma montadora de peças para carros em Union City. Quer o endereço?

As informações eram precisamente o que Ellen necessitava. Em qualquer outra ocasião ela teria sorrido vitoriosa. Mas naquelas circunstâncias não havia chances daquela mulher esboçar o mínimo de satisfação. Não até que o maldito que interrompera a vida de seu filho, caísse morto no chão. Ela pensou por alguns instantes, e concluiu que quanto mais detalhes recebesse, mais chance de êxito teria.
– Eu quero sim...  


                           SUBÚRBIO DO BROOKLIN


(02h 37min PM)

As mãos de Denise tremiam descontroladamente enquanto seguravam o telefone. Ela não sabia ao certo se era por conta da raiva, ou da ansiedade que sentia. Na realidade a causa talvez fosse a junção de ambas em sua corrente sanguínea, deixando seu sistema nervoso em pânico.

– Onde você está, James?
– Estou em Manhattan. Preciso resolver algumas coisas.
– A polícia veio aqui procurando você, seu desgraçado!
A resposta do outro lado da linha não veio.
– James! Você ta ouvindo?
– V-você disse a polícia?
– É James, a polícia!
– O q-que você disse á eles?
– Falei que não sabia onde você estava. James me conta a verdade. Você atropelou alguém não foi?
– Denise. Eu to falando a verdade, eu não me lembro. – ele começou a escutar o choramingo da mulher baixinho – eu estava vindo pra casa, mas não me lembro de atropelar ninguém...
– Você não se lembra porque encheu a cara ontem. Você sabe o que acontece quando você bebe, James...
– Eu sei, amor. Me perdoa... foi uma fraqueza de momento. Eu juro que não queria...
– Você está destruindo a nossa família, James.
– Não! Eu não vou mais fazer isso, Denise. Eu prometi á você. Olha, eu tenho que resolver uma coisa hoje, depois eu vou pra casa pra gente pensar em como vamos sair dessa, ta?

Uma promessa vazia.
Era assim que Denise interpretou as palavras do marido. Certa vez ela disse a James que iria embora por sentir-se desgastada, cansada de tentar disputar o marido contra um adversário aparentemente imbatível: o álcool. Desde aquele dia, James implorou de joelhos á ela que jamais voltaria a beber. Mas era mais forte do que ele. Denise não quis acreditar que um dia aquele demônio que controlava James com tanta facilidade pudesse voltar. Que despertaria, pois ele jamais morrera. Talvez ele apenas manteve-se escondido em algum lugar dentro do marido. E ela teve a certeza naquela manhã, de que o demônio havia retornado.

– Você não pode vir pra casa. A polícia vai te prender...
 


                           HOSPITAL DAS CLINICAS


(04h45min PM)


Ellen desabara em pranto novamente. O médico havia acabado de dar o prognóstico sobre a situação do filho.

“O estado de seu filho é muito ruim. Nós não conseguimos estancar o sangramento que ele tem no cérebro. Ele também quase não reage mais aos medicamentos. Sinto muito, Sra. Alburn...”.

Dito isso, o médico saiu, deixando a mulher afundar cada vez mais em sua total desolação. O cirurgião que lhe trouxera mais tristes notícias não era mais o Dr. Rosenberg. O mensageiro agora era um homem baixo e carrancudo, com um bigode que lhe fornecia uma expressão de frieza enquanto ele dava as más noticias. Talvez o Dr. Rosenberg fosse o único médico que ainda sentia seu coração em pedaços ao ter que dar um parecer como aquele, porque todos os outros eram como o homem de bigode que se afastava dela de forma tranqüila, chegando á brincar com um funcionário que passava por ele.
Alguns enfermeiros que caminhavam pelo corredor, olhavam de maneira pesarosa para Ellen cabisbaixa, como se já soubessem do inevitável, na certeza de que os médicos estavam apenas esperando que aquela mãe processasse melhor a situação, para então anunciar a morte de seu filho.    



                FÁBRICA DE PEÇAS, Centro de Union City

(07h12min PM)


 – Eu posso te pagar o restante no próximo mês, James?
 – Claro. Sem problemas.

Tudo acertado, então James arremessou as chaves nas mãos de Erik á certa distância, depois foi embora dizendo que estava indisposto e não iria trabalhar aquela noite.
Erik ficou sem entender os motivos que levaram ao proprietário relutante, ter mudado de idéia tão de repente. Ele foi até a garagem da fábrica, e lá estava a caminhonete recém comprada. Ele conferiu a lataria constatando um pequeno amassado próximo ao farol dianteiro. Não deu muita importância, pois só o fato de James ter-lhe vendido sua caminhonete já era uma grande notícia. Principalmente por causa do bom preço feito pelo amigo, e o prazo para o pagamento.
Erik estava tão empolgado que resolveu dar uma volta para finalmente, depois de tanto desejo, sentir o motor daquela maquina roncando cada vez que ele acelerasse...
Ele saiu pela avenida principal em direção ao bar onde ele e os amigos sempre se encontravam para tomar umas cervejas depois do expediente. Erik contou ao dono do bar e seu amigo a novidade, tomou uma dose rápida, e voltou para o veículo estacionado em frente ao bar, pois estava quase na hora de entrar no serviço.

As chaves destrancaram a porta da caminhonete, Erik abriu, mas nem chegou a entrar. Um cano frio encostou levemente em sua nuca, fazendo seus poros arrepiarem levemente.

– Entra no carro! – exigiu uma voz feminina.
– Hei. O que ta acontec...
– Entra no carro, senão vou estourar a sua cabeça aqui mesmo.

     

                CENTRO DE MANHATTAN, 15 horas antes


(08h16min AM)

– Por que você quis pegar esse caminho, Vinicius?
– Porque aqui é onde vende jogos mais barato, lembra?
– Você sempre tem que desobedecer às ordens de todo mundo, né?
– Ah, quer para com isso, Caio. Deixa de ser mariquinha, cara. A gente vai até a loja, compra os jogos, rapidinho, e dá tempo de pegar a primeira aula ainda.
– Se sua mãe descobre que você está fora da escola, ela te mata.
– E como ela vai descobrir isso? Você vai contar á ela?
– Minha mãe sempre diz que desobediência é sempre sinal de que algo de errado vai acontecer...

Os meninos andavam rápido pela calçada. O Sol começava a surgir por trás dos arranha-céus da cidade, e aos poucos o frio ia deixando de ser evidente.
Vinicius ia apressado na frente, e seu amigo de escola um pouco mais atrás percebeu quando um homem que estava em um orelhão público resmungou alguma coisa para Vinicius. Tudo por causa de uma trombada que ele havia recebido do menino...
Os dois garotos já estavam próximos da esquina, e o homem continuava no orelhão segurando o telefone, e agora ele xingava algumas ofensas aos dois que praticamente nem deram atenção á sua irritação demasiada...

De repente, o homem parou de reclamar. Sua atenção se voltou para uma caminhonete que passara por ele em alta velocidade, em direção á esquina...
Os olhos do homem acompanharam o trajeto do veiculo que parecia desgovernado, indo em direção dos pirralhos...
Subitamente, ele largou o telefone.
E ouviu a voz de um dos meninos...
Um grito do garoto que ia mais atrás...
Um grito de desespero...

– Vinicius, cuidado!!

                       

                                                  NORTE DE MANHATTAN


(11h07min PM)

Erik caminhava com ambas as mãos sobre sua cabeça. Ele tinha á sua frente um corredor com pouca iluminação, aparentando ser um lugar abandonado. O coração batia velozmente, amedrontado. Ele jamais havia sido vítima de qualquer tipo de violência. Era um homem querido por todos que o conheciam, e sempre fora ensinado pela mãe, a importância de ser religioso e temente á Deus. Talvez por essa razão passasse a vida inteira evitando brigas, sem se importar em ser considerado por todos um covarde.

Mas naquele momento, Erik sentia-se fora do controle da situação. Não fazia a menor idéia do que aquela mulher queria de si. Já havia tentado de todas as formas encontrar argumentos com ela, ofereceu dinheiro, a caminhonete, chegou até a implorar por sua vida. Mas tudo que recebera de volta era a ordem para que calasse a boca, e continuasse dirigindo. Às vezes ele era orientado por ela, do banco de trás, quais ruas ele deveria entrar.
Quase no fim do corredor a mulher finalmente mandou que ele parasse. Ela mantinha certa distância. Erik não conseguia evitar a imagem de sua esposa grávida de cinco meses em sua memória. Temia em nunca mais poder vê-la. E pensava também em como seria terrível se o filho jamais conhecesse o pai. Desesperado, ele tentou outra vez implorar á mulher:

– Moça, por favor. Eu tenho uma esposa...
– Cala a boca! Seu desgraçado!! – respondeu ela. – você e eu vamos ficar quites hoje. Você interrompeu a minha vida, e eu vou devolver na mesma moeda...

Erik não havia entendido o comentário dela. Ficou imaginando que seria melhor manter-se em silêncio, pois a mulher parecia cada vez mais impaciente.
– Quando eu era mais jovem, costumava vir aqui com meu namorado. – disse ela – você quer saber por que eu e ele gostávamos daqui?

Erik não respondeu nada...

– Nós vinhamos pra cá, porque esse prédio está abandonado á anos e ninguém incomodava a gente aqui...

Erik começou a chorar alto.

– Mas o que tinha de melhor nesse lugar – prosseguiu ela – era que ninguém podia nos ouvir. Nem mesmo se disparássemos um revolver. Aqui é praticamente longe de qualquer coisa, é como se estivéssemos livre, imunes da sociedade... você me entendeu? Não se ouve nem o disparo de uma arma!!
O homem estava desesperado.
– Vire-se! – ordenou ela.

Erik ficou de frente para a mulher. Ele conseguiu olhar para seu rosto pela primeira vez desde o instante em que fora abordado por ela, em frente ao bar...
Ele pôde ver uma mulher de meia idade, magra, bonita e bem vestida, os cabelos negros estavam presos, ela segurava uma arma firme, e apontava para sua cabeça.

– Por favor, moça...
– Fecha a boca, seu maldito!!

A luz da lua penetrava por uma vidraça quebrada...
A claridade do luar iluminava o rosto de Erik...
A mulher olhava para um homem, mas enxergava um monstro...
Erik olhava para uma mulher, mas só conseguia enxergar a morte...
Ela engatilhou a arma.
Erik fechou os olhos.
Ela começou a pressionar com dificuldade o gatilho.

– Vou mandar você para o inferno, James.
“O que?” pensou Erik... Não havia mais tempo.

O disparo fez com que um casal de pombos voasse pela janela, assustados.
Ellen enfim havia concluído sua vingança, mas nem isso impediu que mais lágrimas descessem por seu rosto exausto...    
  


(Michel)