terça-feira, 17 de janeiro de 2017

RESENHA DE LIVRO – CLARICE,


Sem medo algum de ser contestado, posso aqui me servir de opinião resoluta, a qual será extensamente comungada pela maioria dos amantes de literatura: uma vez envolvido no mundo de Clarice Lispector fica difícil imaginar a vida sem ela.

Eu atravessei o último mês de dezembro lendo calmamente este belíssimo e abundante tributo àquela que considero a maior escritora da língua portuguesa. O último mês do ano propositalmente teve como minha última leitura esta obrigatória biografia, a qual eu me vi apreciando de forma lenta e reflexiva, receando seu término a cada página que virava.

Dezembro é o mês de nascimento e também o de óbito desta esplendorosa autora. Clarice Lispector nasceu no dia 10 e no dia 09 (véspera de seu aniversário) ela deu seu último suspiro, mas por conta do Shabat só foi enterrada no dia 11, data do meu aniversário. Uma coincidência que, embora não tenha nenhum significado, acometeu-me de maior enfoque, como se meras semelhanças inevitavelmente tornasse meu eu leitor ainda mais próximo desta inigualável resgatadora da alma humana.

De qualquer forma, devo confessar que foi muito prazeroso viver este dezembro de Clarice, em que me vi amalgamado por algo que foi muito além de uma mera leitura; foi como ter posse de um estudo completo que revelou muitas particularidades de Clarice, como suas origens judaicas, seu universo literário, sua vida pessoal, seus traumas, seu brilhantismo...

Apesar de biografar uma escritora amplamente conhecida em vários países, Benjamim Moser, através de intermináveis pesquisas, conseguiu entregar um trabalho ainda mais profundo e detalhista, onde podemos acompanhar não somente a trajetória de Clarice, mas também a literatura que permeava seu tempo, a complexa política do Brasil naquela época e um tanto da vida dos amigos que estiveram próximos da escritora. Desse modo, este CLARICE, torna-se leitura obrigatória para quem admira e quer conhecer um pouco melhor a vida desta genuína autora.

Curiosamente o biógrafo desta obra é norte-americano, que incendiado pela escrita de Clarice Lispector, mergulhou profundamente em uma busca quase obcecada por compreender a vida e a literatura imortal de sua biografada. Portanto, no ano de 2009 nasceu nas livrarias americanas Why This World: a biography of Clarice Lispector, a qual no mesmo ano também seria publicada no Brasil pela editora COSAC NAIFY, sob o título: CLARICE,.

Contudo, dada relevante importância de Clarice Lispector para a literatura, pode-se levar em consideração um pertinente questionamento: por que ler mais este livro de uma autora que já foi tantas vezes biografada e estudada? E a minha resposta é definitiva, muito embora eu não tenha lido outros autores que exploraram o universo clariciano: Além de amante e leitor assíduo de Clarice, Benjamim Moser nos entregou o que pode ser considerado uma obra definitiva, mesmo sabendo que Clarice Lispector é um assunto inesgotável, uma página inacabada. E a conclusão a cerca deste livro permeia a opinião de outros críticos e estudiosos de Clarice. Moser entregou-se com tamanha devoção à sua heroína, que se prestou ao aprendizado da língua portuguesa para poder ler os originais da escritora em sua língua original. Tamanha obstinação só poderia mesmo resultar em uma obra singular e ilustre, cujas páginas exalam o afeto e a intensidade de Clarice Lispector.

Sem exageros ou argumentos suspeitos, Moser nutre sua obra com seu olhar atento de leitor e pesquisador, lacunas da vida de Lispector que ainda não haviam sido contadas por ninguém. Por isso, o que há de mais inovador nesta biografia, é justamente a entrega do autor, que por meio de sua incansável pesquisa, conseguiu iluminar um pouco mais o vasto oceano clariciano.

O escritor Rui Castro, exímio biógrafo, costuma dizer que para se escrever uma biografia digna, o autor precisa “se casar” com o biografado. Pois este CLARICE, é prova de que Benjamim Moser acatou esta ideia e, mesmo declaradamente apaixonado por sua biografada, soube contar uma história imparcial, sem se deixar perder pela emoção.

CLARICE, é um trabalho estupendo, de longe a melhor leitura que fiz em 2016. E diante do incomensurável desafio de se contar a história de uma autora que, apesar de ser um fenômeno da literatura, sempre se mostrou uma mulher moderna e acessível na mesma proporção com que era silenciosa e inalcançável, mesmo assim, Moser soube fazê-lo com maestria e ousadia.

“No entanto eu já estou no futuro. Esse meu futuro que será para vós o passado de um morto. Quando acabardes este livro chorai por mim um aleluia. Quando fechardes as últimas páginas deste malogrado e afoito e brincalhão livro de vida então esquecei-me. Que Deus vos abençoe então e este livro acaba bem. Para enfim eu ter repouso. Que a paz esteja entre nós, entre vós e entre mim. Estou caindo no discurso? Que me perdoem os fiéis do templo: eu escrevo e assim me livro de mim e posso então descansar”.
(Clarice Lispector)