Gosto quando descubro autores talentosos e desconhecidos das grandes mídias. Geralmente esse incógnito artista surge diante de mim depois de muito garimpo, em meio a prateleiras empoeiradas e esquecidas, dentro de Sebos tão desconhecidas quanto os exímios volumes que compõem seu arsenal. Afinal de contas, quem procura acha, não é mesmo? Assim aconteceu com muitos livros que estão resenhados aqui no blog, e assim que cheguei até essa ilustre desconhecida chamada Cecília Costa.
Degustei sem grandes expectativas
este DAMAS DE COPAS, obra de título recorrente, uma capa discreta e
conteúdo agradável, apesar de sustentar algumas particularidades que incomodaram.
Vamos falar um pouco disso.
A trama narra em primeira
pessoa a história de quatro mulheres que dividem o mesmo lar durante os tempos
da pós ditadura no Brasil. Mulheres em torno dos trinta anos, cujas naturezas
distintas constroem a estrutura de acontecimentos que faz com a narradora
reflita sobre aquele tempo vivido e de suas experiências femininas. Por todo o
tempo da leitura, Marta, a narradora, conversa não com o leitor, mas com outra
personagem, Maria. São suas inflexões, opiniões e fantasias o ideário que nos
faz enxergar aquele universo.
O livro começa um pouco
excessivo em um fluxo de pensamento que quase incomoda e lança no leitor aquela
desconfiança de que estamos entrando um cansativo volume de quase trezentas
páginas de infinitas palavras e pouquíssimas ideias. Mas com o avanço na
leitura, entramos naquilo que de melhor acontece: a história sendo contada por
sua personagem, o entremeio da vida compartilhada com as demais colegas morando
juntas, finalmente ganha o leitor que se interessa em saber mais sobre aquelas
vidas.
Conforme narradora relata de
forma propositalmente expositiva, cria-se em nossa mente certa desconfiança
quanto a credibilidade do que está sendo dito, justamente por conta do olhar
individualizado da protagonista. Delírio e realidade parecem mesclarem-se, e
isso me pareceu acintoso. Não é uma narrativa ruim, mas o tempo todo deixa
suspenso elementos como equívoco e talvez um pouco de vitimismo.
Os capítulos são intercalados
com composições poéticas também construídas por Marta, que está a escrever um
livro inspirado na convivência com as demais personagens. São como prefácios os
quais achei um pouco cansativos e desnecessários. Cada vez que eu me deparava
com tais introduções, meu interesse pela leitura diminuía consideravelmente.
Há uma personagem em
específico, que é construída pela narradora como sendo o demônio encarnado.
Beth nos é relatada como uma pessoa amarga, ressentida, cheia de baixa estima e
um interminável rancor com o mundo que lhe cerca. No entanto, a mesma narrativa
expositiva e de pouca credibilidade de Marta, deixa a impressão de que a coisa
talvez não tenha acontecido exatamente como foi contado. Há momentos em que
esse dedo apontando defeitos fica tão veemente, que faz parece exatamente o
oposto do que está sendo dito, como naquela ideia que diz que quando Pedro fala
de Paulo, fala mais de Pedro do que de Paulo.
DAMAS DE COPAS é um livro razoável, com uma narrativa interessante e ao mesmo tempo desvairada, cujas vivências de suas personagens são elementos que incitam temas diversos como feminismo, violência, cultura, ditadura e harmonia familiar. Uma condução relativamente fluída, intercalada com introduções extensas, mas vale a leitura.
NOTA: 7,6