segunda-feira, 31 de julho de 2023

RESENHA DE LIVRO – DAMAS DE COPAS

Gosto quando descubro autores talentosos e desconhecidos das grandes mídias. Geralmente esse incógnito artista surge diante de mim depois de muito garimpo, em meio a prateleiras empoeiradas e esquecidas, dentro de Sebos tão desconhecidas quanto os exímios volumes que compõem seu arsenal. Afinal de contas, quem procura acha, não é mesmo? Assim aconteceu com muitos livros que estão resenhados aqui no blog, e assim que cheguei até essa ilustre desconhecida chamada Cecília Costa.

Degustei sem grandes expectativas este DAMAS DE COPAS, obra de título recorrente, uma capa discreta e conteúdo agradável, apesar de sustentar algumas particularidades que incomodaram. Vamos falar um pouco disso.

A trama narra em primeira pessoa a história de quatro mulheres que dividem o mesmo lar durante os tempos da pós ditadura no Brasil. Mulheres em torno dos trinta anos, cujas naturezas distintas constroem a estrutura de acontecimentos que faz com a narradora reflita sobre aquele tempo vivido e de suas experiências femininas. Por todo o tempo da leitura, Marta, a narradora, conversa não com o leitor, mas com outra personagem, Maria. São suas inflexões, opiniões e fantasias o ideário que nos faz enxergar aquele universo.

O livro começa um pouco excessivo em um fluxo de pensamento que quase incomoda e lança no leitor aquela desconfiança de que estamos entrando um cansativo volume de quase trezentas páginas de infinitas palavras e pouquíssimas ideias. Mas com o avanço na leitura, entramos naquilo que de melhor acontece: a história sendo contada por sua personagem, o entremeio da vida compartilhada com as demais colegas morando juntas, finalmente ganha o leitor que se interessa em saber mais sobre aquelas vidas.

Conforme narradora relata de forma propositalmente expositiva, cria-se em nossa mente certa desconfiança quanto a credibilidade do que está sendo dito, justamente por conta do olhar individualizado da protagonista. Delírio e realidade parecem mesclarem-se, e isso me pareceu acintoso. Não é uma narrativa ruim, mas o tempo todo deixa suspenso elementos como equívoco e talvez um pouco de vitimismo.

Os capítulos são intercalados com composições poéticas também construídas por Marta, que está a escrever um livro inspirado na convivência com as demais personagens. São como prefácios os quais achei um pouco cansativos e desnecessários. Cada vez que eu me deparava com tais introduções, meu interesse pela leitura diminuía consideravelmente.

Há uma personagem em específico, que é construída pela narradora como sendo o demônio encarnado. Beth nos é relatada como uma pessoa amarga, ressentida, cheia de baixa estima e um interminável rancor com o mundo que lhe cerca. No entanto, a mesma narrativa expositiva e de pouca credibilidade de Marta, deixa a impressão de que a coisa talvez não tenha acontecido exatamente como foi contado. Há momentos em que esse dedo apontando defeitos fica tão veemente, que faz parece exatamente o oposto do que está sendo dito, como naquela ideia que diz que quando Pedro fala de Paulo, fala mais de Pedro do que de Paulo.

DAMAS DE COPAS é um livro razoável, com uma narrativa interessante e ao mesmo tempo desvairada, cujas vivências de suas personagens são elementos que incitam temas diversos como feminismo, violência, cultura, ditadura e harmonia familiar. Uma condução relativamente fluída, intercalada com introduções extensas, mas vale a leitura.

NOTA: 7,6