Foi proposital a deliberação
por deixar o título desta reflexão com apenas uma única palavra. Assim eu
desejei, como numa tentativa infantil de fazer com que o próprio termo que
designa o estado de isolamento, soubesse como é se sentir sozinho. Por que eu
daria a esse tema outras palavras mais para lhe fazer companhia, se com este simples
ato posso me vingar de sua denominação totalitária?
Sei que cada segundo da minha
vida se torna instantaneamente passado, mas é o instante imediato deste presente
algo que só posso notar quando estou só. A solidão me permite tatear a
existência; ela é um espelho que me faz olhar para dentro de mim... Apurar-me.
Estar sozinho é como provar
um pouco de mim mesmo. É ter a chance de olhar a própria transcendência se tornando
ambiente. Isolado estou quando tenho as conversas mais sinceras comigo. E
constantemente é na quietude singular que nasce em meu ser a mais intrínseca
inspiração.
Desse modo, penso eu que
existe em meu poder a possibilidade de desfrutar de instantes íntimos comigo, desde
que eu me disponha ao acalento desta condição, a qual todos fogem como se a
mesma fosse um mal aterrador.
Afinal, por que eu devo
temer a única condição que me é garantidora?
Talvez a solidão seja vista
como maléfica justamente porque é ela quem me concede a chance de avaliar o que
há de mais grotesco em mim. E geralmente esta autoanálise aperta pelo pescoço,
sufoca, e me faz aceitar em possibilidades impensáveis, como um revolver
carregado ou uma dose de cianureto... Finitudes que se tornam possibilidades
sedutoras. O suicídio certamente é o âmago do solitário quando externado em sua
máxima.
Mas se eu falar na solidão na
terceira pessoa, então poderei dizer que não estou mais sozinho. Porque eu e ela
estaremos juntos, como bons comparsas testemunhando nossa imutabilidade. Eu
querendo entender por que ela gosta tanto de rodear-me; ela humildemente
resignada por não ser uma companheira exigente... Do contrário, certamente a
solidão rumaria em busca de alguém que soubesse lhe usar como instrumento de
maior proveito, de melhor produtividade. A solidão gosta que abusemos de sua
predominância contemplativa, apenas para que fiquemos um pouco mais ao seu
lado.
Mas que manifesto seria esse
que gosta de se fazer perceptível na ausência de qualquer possibilidade de
séquito? Se a existência foi criada do nada, então a solidão deva ser uma
espécie de lacuna no meio do que foi feito...
Se de fato o inferno for
mesmo os outros, exatamente como propôs Sartre,
então a solidão não é apenas um ser a se ansiar. Ela seria mais do que isso. A solidão
seria uma redoma que nos abriga de um oceano turbulento e caótico. Ela seria um
útero á nos proteger como se fôssemos o seu feto. A solidão seria a
possibilidade de plenitude, enquanto a manifestação de qualquer presença uma
espécie de perda do que há de melhor em nós...
Aldous
Huxley sugere que “Se somos todos diferentes, é fatal que estejamos
sós”. Caso sua constatação seja mesmo assertiva, então a solidão deixaria de
ser uma escolha, para nos ter como circunstância... Mas se ele estiver errado,
então seria a solidão uma espécie de perda do humanismo?
Mas não deixemos que tais
pensadores, talvez meros amantes do isolamento, nos influenciem em demasia.
Muitas vezes me peguei
pensando sobre minha solidão, e sinceramente todo o meu vislumbre não chega a
ser doloroso. Posso até parecer um sujeito amargo, mas vivo cercado, preso num
mundo em que tem se mostrado desinteressante e chato; estou num lugar cheio de
pessoas que não tem nada a acrescentar a elas mesmas... O que dizer de acrescer
ao meu ser? Meus mais característicos textos são queixas sobre a complexidade
da convivência; evito pessoas por preferir estar só; sinto cada vez menos
vontade de interagir com a comunidade em que estou inserido...
Sei que preciso viver em
sociedade, mas venho sentido cada vez menos vontade de participar ativamente. Não
acho graça nas coisas que antes eu ria, não tenho vontade de conversas fiadas, sinto-me
angustiado em ambientes atulhados de gente.
A solidão pra mim é uma
fuga; meu ócio necessário...
Sei que não deve ser muito
agradável pensar sobre isso para a maioria das pessoas. Pelo menos na minha
casa a solidão é menos dissimulada e quase que ocupa todos os espaços. Em casa
ela é anfitriã; ampla e fácil de notar. Eu a venero quase que com idolatria...
Porque a solidão do meu lar
me segura pela mão, diz de uma vez o que quer sem cerimônias... Realidade
completamente distinta daquela solidão que permeia o meio social. A solidão que
parece estar presente no ambiente de trabalho, na mesa de bar, no ponto de
ônibus, esta é bem mais circunspecta. Mesmo impregnados de seres humanos, aqueles
que temem a maledicente solidão, estes ambientes devoram as pessoas sem que
elas se deem conta disso. Diariamente eu posso ver esta minha velha companheira
nos gestos automatizados, na troca de palavras banais, no cotidiano customizado
pelo consumismo descerebrado. Mesmo no
meio de tantos, somos absurdamente solitários.
Tornamo-nos uma espécie de
robôs munidos de microchips que se programam conforme a vontade dos
interessados que detém o poder social. Adestram-nos a temer males inexistentes,
e quando estamos completamente alheios de nós mesmos, então nos colocam um
cabresto doutrinador, que massageia o nosso pânico imaginário... E se
porventura, começarmos a sentir o incômodo recorrente da libertação dos males
que nos foram inseridos, o sistema imediatamente invoca seus meios para nos
medicar, até que voltemos a viver dentro da velha rotina programada e infeliz.
A solidão talvez fosse um
mecanismo para que enxerguemos todo o esquema externo. Mas há também um
dispositivo designado a fazer com que nós, meras máquinas obedientes, sintamos
medo de tudo aquilo que poderia nos libertar.
O problema talvez não seja a
solidão em si, mas sim, a maneira com que a interpretamos. Deficiente é o nosso
julgamento sobre as coisas que não são dignas de confiança. Porque o próprio
julgamento precisa antes passar por uma espécie de peneira que há em cada um de
nós, que foi moldada pelos conceitos sociais que adquirimos ao longo da vida...
Então passamos a fugir sistematicamente de tudo aquilo que nos assusta.
Por que não passamos a olhar
para as coisas sem julgamentos conceituais?