Sempre que um autor emplaca sucesso estrondoso, a publicidade garante que seus trabalhos posteriores ostentem a referência de tal glória no alto da capa, assim como expõe seu nome em letras gigantescas, que sobressaem o próprio título do livro, a ponto de confundir o consumidor desavisado, que não sabe qual é o nome daquele volume na prateleira. Sim, porque MENTIRAS NO DIVÃ significa muito pouco para o universo do marketing, mas Irvin D. Yalom já virou marca de sucesso há muito tempo, quando o cara lançou no mercado sua cria mais ilustre intitulada QUANDO NIETZSCHE CHOROU.
Portanto, na capa de MENTIRAS NO DIVÃ, o título parece insignificante e está bem abaixo o destacado nome do autor. E como represento esse leitor desleixado e completamente fora de moda, só tive conhecimento dos acertos milionários de Yalom quando meu exemplar deste livro aqui resenhado, já estava em minha prateleira... Sorte minha porque costumo desconfiar de autores que se tornaram “modinha”, e várias vezes essa desconfiança se confirma em ivro ruim. Se este aqui é mais um caso de ignorância que se mostrou como uma bênção, eu não saberia dizer. O fato é que MENTIRAS NO DIVÃ é um livro muito bom, embora caibam observações importantes... Vamos a elas:
A trama não tem nada de
extraordinário ou inovador e o título já escancara o conteúdo: ficção que textualiza
o universo das terapias e levanta questões sobre ética e a complexa natureza do
ser humano. Aqui iremos ficar bem pertinho de três terapeutas e seus pacientes,
num cenário reduzido que me fez pensar em peças teatrais onde um único ambiente
é narrado: o consultório terapêutico. Basicamente é no cerne do divã o local
onde se passarão as 448 páginas que o leitor terá pela frente.
Seymour Trotter representa o
terapeuta veterano cuja sociedade lhe atirou todas as pedras por manter
relações com uma paciente. Ernest Lash talvez seja a personagem que mais recebe
atenção ao longo da trama, ainda em busca de confiança na profissão, ele será o
pêndulo entre a moral e o profissionalismo dentro da narrativa. Por fim, temos
o ambicioso Dr. Marshal, que justamente por sua natureza cobiçosa, se mete em
problemas enormes, também diretamente ligados à moral e a ética.
Apesar de longo, o livro é bem
escrito, repleto de detalhes, diálogos elaborados com o devido cuidado para que
este tenha a fidelidade de um consultório; é fácil perceber que estamos diante
de paciente e terapeuta. E exatamente por se tratar de um autor prolixo, o
livro esbarra em instantes enfadonhos, quase desnecessários, mas é preciso
perseverança na leitura, pois há momentos aqui que precisam ser narrados
(embora talvez pudessem ser resumidos) para que se compreendam as motivações
que movem determinada personagem.
A trama não é o forte da obra.
Se você gosta de instantes reveladores, momentos de reviravoltas e confrontos
narrativos, esqueça! Yalom fideliza o divã e fica dentro dele por quase toda a narrativa,
demora-se para esmiuçar as motivações dos personagens e não parece interessado
em fazer o leitor delirar. É um texto que requer uma dose de mansidão para
encontrar seu brilho. A mim não incomoda esse tipo de literatura, embora
confesse ter ficado com aquela “areia nos olhos” em alguns instantes.
Outro aspecto que vale à pena ser mencionado é
que o autor centraliza sua narrativa nas personagens; há aqui uma preocupação
em detalhes pessoais, explicar o que se passa na mente de cada envolvido. Yalom
quer nos apresentar seus protagonistas e não está muito preocupado em narrar
cenários, tempo ou instantes... É outro ponto que aprecio bastante. O autor não
fica dando voltas desnecessárias, o que é comum em narradores palavrosos. Mas
justamente parece manter uma preocupação em distinguir pensamentos das
personagens e nos fazer entender seu modo de pensar.
Também gostei do modo com que
fui levado a odiar determinada personagem, para mais à frente me ver aprendendo
a compreender suas motivações e até criei alguma empatia por ela.
MENTIRAS NO DIVÃ é um excelente livro, em especial para quem curte o universo das terapias. Exagera na construção da pessoalidade de seus personagens, mas exatamente isso que parece dar sono em leitores que curtem textos ágeis, é o elemento precioso para quem aprecia literatura centrada na complexidade da natureza humana.
NOTA: 7,3