Existem certos livros cujo conteúdo pode suscitar mal-estar e, por essa razão, talvez não devam ser lidos por leitores que atravessam fases difíceis de suas vidas. A depressão do título dessa obra não remete propriamente à doença psiquiátrica (ou não apenas a ela), mas ao clima de constante opressão. E o desconforto paira constante através das páginas dessa compilação de contos da vencedora do Nobel de Literatura Herta Muller.
A escritora nascida na Romênia
vivia numa pequena comunidade rural em que predominava a cultura alemã que era
alvo de perseguição do regime comunista que dominava o país. Provavelmente é
desse cenário de escassez extrema que surge a inspiração para a prosa franca e
eloquente de Muller.
DEPRESSÕES é uma
reunião de contos insalubres por excelência. A essência narrativa desse livro
percorre por ambientes impregnados de imundices das mais variadas espécies,
desde a sujeira física até a psicológica. O olhar das personagens denota com
clareza os limites de sua realidade, a precariedade que quase sempre evolui
para cenários trágicos de violência... Violência de todos para com todos, entre
categorias sociais distintas e que permeiam o cotidiano, compondo a
dramaticidade coletiva do cenário.
O livro divide-se em quinze
contos, porém o texto que fornece seu título ocupa mais da metade do volume e é
aqui o lugar onde encontramos a sutil constituição literária da tragédia humana
que faz de Herta uma escritora notável. Sugiro que o leitor faça sua incursão
com calma, para que não se perca nenhum detalhe da sordidez social explicitada
aqui.
A personagem narradora
transfere sua insuficiência para fora das páginas com tamanha eloquência,
deixando na leitura uma sensação de desesperança constante. Qualquer escapismo
do caos parece mero fingimento, como se a ruina fosse uma máxima inevitável
para humanos inseridos naquele ambiente. O cenário rural precário, cujo clima
opressivo em que a protagonista está inserida é quase palpável e, justamente
por isso, desperta certa solidariedade no leitor. A menina não vive, mas,
apenas sobrevive neste lugar de aviltamento da dignidade.
O olhar em primeira pessoa
torna o conteúdo ainda mais enervante. Sem nenhuma análise sofisticada sobre
tragédias resultantes dos regimes ditatoriais, aqui é somente o universo dos
desassistidos a conjuntura que viabiliza o desconforto no leitor. É a
maravilhosa mágica da arte literária de inserir-nos no terror existencial para
nos fazer sentir exatamente as mesmas agonias que as pessoas que nele estão
inseridas.
Alguns críticos dizem que este
escopo caótico de Herta Muller possui particularidades semelhantes às de
Samuel Beckett, porém, o escritor irlandês ainda não conseguiu me atar em sua
literatura de modo tão irreparável quanto o fez Muller.
Além de Depressões, os demais
contos são curtos e alguns mantém o mesmo aroma pútrido. Muitos parecem breves
trechos retirados de algo maior, o que pode causar alguma confusão em leitores
que apreciam objetividade linguística. Depressões é, de longe, o conto que
sobressai os demais e aponta o lirismo estético que deu a autora o Nobel de
literatura em 2009. E precisamente por ser este conto tão extraordinário que
acabou ofuscando os demais.