sábado, 6 de abril de 2024

PERSEGUIÇÃO - o fogo amigo das lembranças

Resolvi começar minhas leituras de 2024 descobrindo novos autores (não estou falando de novos talentos, refiro-me a conhecer escritores que ainda não li), por essa razão retirei da fila este professor italiano, nascido em Roma, chamado Alessandro Piperno que, apesar de já ter dois livros traduzidos no Brasil, quase não se encontra nada sobre ele pela internet, pelo menos minhas pesquisas encontraram pouca coisa e quase nenhum leitor disposto a compartilhar suas impressões online.

PERSEGUIÇÃO – o fogo amigo das lembranças conta a história de Léo Pontecorvo, oncologista pediátrico de fama internacional, que acaba sendo acusado de um crime asqueroso contra uma adolescente, condição que muda completamente sua vida até então próspera e feliz. O protagonista vê sua rotina entrar numa espiral de censuras, calúnias, intrigas e intimidações. E tudo se torna ainda mais insuportável, quando sua própria esposa e filhos fazem pacto de silêncio e o ignoram, deixando suspensa uma dúvida sobre se as pessoas que lhe são mais próximas, são as primeiras a não acreditarem em sua inocência.

O livro começa do ponto em que a vida desmorona, precisamente um jantar em que Léo e os demais integrantes da família estão jantando, quando surge no telejornal ligado, a foto de Leo e as acusações que lhe foram atribuídas. Desse ponto em diante, teremos o que o subtítulo sugere: lembranças da história da família Pontecorvo, até sabermos o que originou a famigerada acusação, também para nos apresentar um pouco sobre cada um dos membros da família.

Nesse ponto surge um pequeno problema da leitura: Alessandro Piperno é um autor prolixo, estica a corda até onde dá ao nos oferecer suas personagens. E apesar de sua escrita ser eficiente e pouco truncada, há momentos que inevitavelmente fica cansativa, dando a impressão de que a obra poderia ter pelo menos 100 páginas a menos de suas 430. Chega um ponto, no terço final da obra, quando o autor se alonga demais relatando a vida dos filhos do protagonista, que senti certo enfado na leitura (posteriormente, descobri que os citados dois livros publicados aqui no Brasil fazem parte de uma continuação, na qual justamente os protagonistas serão os filhos de Léo, o que justifica tanto tempo dedicados aos dois na parte final).

Contudo, o leitor acaba presenteado pela perseverança. Piperno narra a história de um homem de sucesso que, de repente, chega ao acerto de contas com seu narciso e demais fragilidades que lhe são características; a trama enfoca no desmoronamento de uma existência bem sucedida, mas que por um descuido infantil, permite que a sociedade, sempre ávida por encontrar um novo pária a ser apedrejado, desça sua mão vingativa e pesada sobre si. Há instantes em que a leitura me fez recordar o filme A CAÇA, de 2013 no qual a personagem vivido pelo ator Mads Mikkelsen, tem sua vida destruída por uma bobagem inventada por uma criança da escola em que ele era professor.

A narração romanesca acompanha fielmente esse ziguezague de memórias que vão descortinando acontecimentos e nos fazendo conhecer um pouco dos envolvidos; um relato revela outro e então um pensamento esclarece algo que nos parecia nublado. E apesar de bem escrito, senti falta de um pouco de incertezas que despertam conjecturas no leitor. Alessandro Piperno narra como faz um biógrafo, e apesar de revelar algumas imperfeições de sua personagem, não deixa dúvidas em relação a sua idoneidade.

PERSEGUIÇÃO – o fogo amigo das lembranças é uma obra bem escrita e que prende a atenção por sua estética que se mescla à funcionalidade. Mas é um pouco extenso e isso pode ser um desafio ao leitor, que somente atravessando sua longa jornada, conseguirá se enternecer com a leitura.

NOTA: 7,9