domingo, 10 de outubro de 2021

RESENHA DE LIVRO – A CURA DE SCHOPENHAUER

Mais um trabalho cuja essência é a psicoterapia, temperada com elementos filosóficos, o que causa certa contradição, afinal, as obras deste escritor costumam trazer nomes de grandes filósofos em seu título. Deveria ser filosofia, com pitadas de psicologia, mas isso não é nenhum problema, apenas uma constatação. Os textos de Irwin D. Yalom geralmente usam como fontes pensadores que se debruçaram sobre a complexidade humana diante da vida..., ou seja, a psicologia sempre bebeu da fonte da filosofia. Para quem gosta, o autor segue fiel a sua literatura que, embora me agrade bastante, não deve causar o mesmo efeito em muita gente. O estilo de Yalom é meio parado, pouca coisa acontece fora das sessões de terapia, e às vezes paira a sensação de que a história não sai do lugar..., e talvez não saia mesmo.

Aqui acompanhamos o psiquiatra Julius Hertzfeld, que após receber o diagnóstico de um melanoma e a breve perspectiva de vida, resolve repensar sua trajetória profissional. E tal reflexão traz de volta a lembrança de Philip Slate, antigo paciente e rara estatística de fracasso de sua carreira. Julius resolve procurar o ex-paciente e então descobre que o mesmo conseguira se curar dos próprios problemas seguindo os ensinamentos do filósofo Arthur Schopenhauer. Mesmo assim, o psiquiatra convence Philip a participar de seu atual grupo de terapia, então temos o cenário de praticamente toda a obra.

Sim, leitor, o livro é basicamente sessões e mais sessões de terapia de grupo, condição que mais incomoda alguns leitores desavisados que se dispuseram a ler este livro de Yalom. Se você gosta desse tipo de cenário: pessoas refletindo sobre suas existências, trocando confissões, acusações, embates acalorados ou não, alguns discernimentos filosóficos e outros nem tanto, esse é o livro para você. Do contrário, nem tente, pois praticamente mais nada de relevante acontece.

Não por acaso, o autor é um homem do universo da psiquiatria, logo, este é o seu cenário predileto (tem mais resenhas dele aqui no blog). O escopo não é produzir romances lineares, mas mostrar-nos as articulações e entraves que permeiam as terapias, no caso aqui, a terapia de grupo. É um estilo peculiar, mas particularmente me agrada, principalmente porque eu jamais fiz terapia. É elucidativo ver como funcionam este lugar onde se pretende tratar as mazelas da mente humana.

Outro ponto positivo, talvez o que de melhor vamos encontrar aqui, é que os capítulos se dividem entre sessões de terapia de grupo com um pouco da vida e trabalho do filósofo que intitula a obra. Confesso que passei a sentir vontade de conhecer melhor a literatura de Schopenhauer, de fato, um filósofo genial.

Há instantes meio desconexos, talvez uma tentativa do autor em sair dos capítulos de sequências de terapias, o que não agrada muito. Os personagens também são pouco explorados, basicamente ficamos sabendo apenas aquilo que eles falam durante as sessões, o que pode ser proposital. Julius é um personagem que agrada por sua experiência e abertura reflexiva, enquanto Philip o considerei enfadonho e superestimado, houve uma tentativa de fazer dele um personagem erudito, portanto, há instantes em que a narrativa parece forçar a barra.

A CURA DE SCHOPENHAUER não é um livro para qualquer leitor. Talvez agrade aos amantes de psicologia, afinal, pouco dá pra se falar da obra fora deste escopo. Os diálogos costumam ser o que de melhor acontece e tendo Schopenhauer como pano de fundo, tornou a experiência ainda mais agradável.

NOTA: 7,3

domingo, 3 de outubro de 2021

RESENHA DE LIVRO – O BIGODE


Esse é um daqueles livros em que não é simples de ser resenhado, porque qualquer apontamento soa inapropriado, além de colocar em risco o mistério em torno da trama.
O BIGODE é o tipo de obra cuja leitura desperta diferentes interpretações, sem que nenhuma delas soe conclusiva.

Diante da impossibilidade e receio de esmiuçar a história, eis a breve trama: Num ato de total precipitação, um homem se olha no espelho demoradamente, não sabendo exatamente o que está procurando em seu rosto. Então, ele resolve romper com o enfado cotidiano raspando o bigode.

Sim, querido leitor, a sinopse é apenas isso. Mas embora soe simplório, esse ato isolado é suficiente para mergulhar o leitor numa intrigante rede psicológica que parece zombar de nossa sanidade ou simplesmente nos causa aquela estranheza de achar que não prestamos atenção em algum ponto específico da leitura.

O personagem quer se libertar, talvez de seu tédio, e o gesto de tirar um bigode parece uma ideia inesperada, porém, aprazível. No entanto, ninguém parece notar o feito; as pessoas mais próximas se comportam como se a tal transformação, ocorrida no banheiro, não houvesse acontecido. Vale, inclusive para a esposa, figura central na trama, que não percebe o rosto desnudo do marido e, portanto, sua figura será elemento de desconfiança por toda a trama.

Acho que já deu por informação, não quero estragar a leitura de ninguém. E claro que compreendo se você que está lendo esta resenha ainda não despertou nenhum interesse em ler esta obra. Pois você tem toda razão, afinal, não é pela trama que você se sentirá instigado a ler, mas pelo estranhamento que se manifestará em sua mente, já no comecinho; o livro não enrola, é pequeno e vai direto ao ponto. Já iniciamos a leitura com o protagonista no banheiro diante do espelho. O resto é apenas uma senoide psicológica, onde tudo ora parece suspeito, ora soa hipotético.

A leitura é leve no início, quase despretensiosa. Mas a medida em que somos conduzidos ao estranhamento que é constante no personagem principal, a leitura vai ganhando ares, digamos, mais tenso, até mesmo perturbador. O autor, que eu não conhecia, o francês Emmanuel Carrère, soube desenvolver uma narrativa que num primeiro momento parece jocosa, mas que logo se torna insana, desconfortável, faz-nos duvidar até mesmo de nossa leitura (como já mencionei, há momentos em que achei que tivesse pulado algum parágrafo sem perceber).

Genial? Até certo ponto funcionou, mas chegou um momento em que comecei a me aborrecer. Não deu tempo de desdenhar a trama, porque como também já mencionei, o livro é curto, direto e de leitura ligeira. Fosse um autor prolixo talvez o prazer tivesse sido comprometido.

Outra coisa que me incomodou foi algumas ações e conduções do protagonista, mas não posso entrar em detalhes, apenas achei que ficou um pouco chatinho, Mas é apenas uma opinião estética.

O BIGODE é um livro cujo aspecto soa despretensioso, até seu título não anuncia muito. Mas é incômodo e não nos deixa parar de ler. Não chega a ser um suspense assustador, assim como não é uma comédia de humor negro, nem mesmo um terror psicológico. É um trabalho difícil de se definir, de se classificar e mais ainda, difícil de chegar a uma conclusão sobre o que de fato está acontecendo com seu protagonista..., Apesar de tudo, creio que deva ser lido para que você construa sua opinião.

NOTA: 7,1