terça-feira, 31 de dezembro de 2019

RESENHA DE LIVRO – HISTÓRIA DA GENTE BRASILEIRA (Vol. 1, 2 e 3)


Para que o nosso povo saia da condição infeliz de crença de nação sem memória é preciso que, antes de qualquer coisa, nós brasileiros aprendamos a respeitar a história do Brasil. Acredito que somente através da consideração profunda e continuada é que poderemos pensar em desenvolver melhorias no âmbito da história, essa disciplina tão desprezada pelos brasileiros.

Foi durante a leitura do volume dois que me ocorreu a ideia de fazer uma única resenha com os três livros dessa série, os quais adquiri numa feira de literatura por um preço irrecusável. Mas somente quando estava terminando de ler o volume três, o qual eu pensava se tratar do último, foi que descobri a existência de um quarto livro, o qual até o fechamento dessa resenha ainda me empenho para adquirir.

Portanto, esta resenha trata apenas dos três primeiros volumes.

HISTÓRIA DA GENTE BRASILEIRA é uma viagem de mais de quinhentos anos e que começa lá trás, num Brasil colônia, passando pelo império, até chegarmos à república.  Sob uma ótica menos acadêmica e mais orgânica, o livro apresenta aspectos do nosso povo de forma pouco comum na literatura histórica; leva o leitor para dentro do passado da convivência cotidiana, no lar, como as pessoas se banhavam, como extraíam o sustento, os costumes, a vida social, a relação com a natureza, a forma de fazer comércio, a expansão industrial... Sempre sustentando narrativa testemunhal, de pessoas que naqueles períodos estiveram inseridos.

O primeiro volume, COLÔNIA, a autora investiga as tradições e costumes de nosso antepassado, como alimentação, a maneira como se vestiam, onde e como moravam, o que faziam para se divertir, o trabalho, a família, a sociedade de forma geral, sempre sob a luz da vida cotidiana, o que denota o árduo trabalho de investigação histórica da autora.

O segundo volume, IMPÉRIO, relata um Brasil iniciando sua trajetória autônoma como nação. Acompanhamos figuras importantes como Dom Pedro I, muito jovem e inseguro. Mas Mary Del Priore logo escapa da realeza e desce alguns degraus para encontrar a evolução das famílias comuns, a expansão escravocrata, a separação definitiva entre o que é público do privado, os movimentos separatistas que começaram a tomar conta do país.

O terceiro volume, REPÚBLICA, mergulhamos em diversas crises econômicas e financeiras, a proliferação da bolsa, ascensão das elites, embates políticos que culminaram em mudanças cruciais, a vontade de inserir a cultura europeia em nosso meio, a expansão de novas tecnologias que hoje nos são tão triviais como a geladeira, o rádio e o automóvel. Neste volume poderemos ter uma ideia de como era a vida cotidiana dos nossos avós.

A genialidade da autora se torna clara quando da comparação com qualquer livro de história do Brasil endossado pelo MEC que é usado nas escolas. O conteúdo histórico apresentado em sala de aula costuma ser técnico demais, deixando a leitura cansativa e enfadonha. Mary Del Priore foge desse tipo de condução, faz uso de uma linguagem coloquial, insere toda sua longa pesquisa de modo simples e acessível; trata do nosso passado de uma maneira que não poderia ser definida de outra forma: a autora retrata o Brasil com o dedicado amor de historiadora.

Além da extraordinária narrativa, a obra é também belíssima visualmente, trazendo uma enriquecida coleção de imagens históricas, principalmente no terceiro volume em que o acesso ao conteúdo visual era mais amplo.

HISTÓRIA DA GENTE BRASILEIRA é uma coleção riquíssima sobre a história do nosso povo. Um inestimável préstimo à alma do Brasil, que infelizmente é desconhecido e ignorado por praticamente todo brasileiro, que por desleixo ou escassez de conhecimento, perde a chance de aprender sobre a nossa história de uma forma acessível, agradável e, por que não dizer, apaixonante.

NOTA: *10*

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

RESENHA DE LIVRO – GOETHE E BARRABÁS


O título contendo dois nomes de considerável importância, escritor e personagem bíblica, impulsiona o leitor e enche-o de curiosidade a respeito do conteúdo. Goethe, pensador e escritor alemão do século XVII, criador do personagem icônico Fausto, dividindo espaço com Barrabás, figura bíblica que foi um dos extremos do primeiro plebiscito que se tem notícias, terminou por receber a liberdade, enquanto o filho de Deus foi parar na cruz.
Quando me deparei com o título deste livro, retirei-o com vontade de entender sua premissa. E embora a sinopse não dissesse muita coisa, e o meu minguado conhecimento de literatura deixou escapar o nome de Deonísio da Silva, eu quis levar para casa e descobrir do que se tratava.

Foi um achado prazeroso.

A pegada irônica do autor recheia sua obra com personagens ilustre da literatura ou canônicas, percorre os preâmbulos nebulosos da mente insegura do ser humano e desagua num universo cheio de metáforas cujo pano de fundo é o escopo do Fausto de Goethe: a vontade inerente do homem a alcançar desejos inalcançáveis, e para isso fazer uma barganha com o diabo.

Na trama, nem um pouco previsível, Barrabás encontra na pureza de Salomé a chance de viverem juntos uma bela história de amor. E entremeio aos cativantes personagens que surgem em tempos não lineares, o questionamento máximo aqui sugerido: como ser feliz sem ter que vender a alma ao diabo?

E falando em personagens, quase todos são por demais interessantes. Desde a avó descolada, o padre que nega sua religiosidade no leito de morte, até um estimado animal de estimação, praticamente todos aqui cativam o leitor a ponto de me fazer achar que alguns foram pouco explorados.

Os diálogos são o que de mais charmoso se encontra aqui; o olhar sobre cada tema abordado; a introdução dos capítulos as quais se notam as metáforas fazendo amálgamas de mundo velhos com o atual; a originalidade reflexiva em cada opinião... O texto não se acanha e vai desenvolvendo temas, lançando reflexão na mente do leitor.

A obra parece fazer analogias o tempo inteiro (ou eu terei que fazer releituras para absorver melhor a mensagem incutida), algumas metáforas se inserem seguidamente, como mencionei anteriormente, e nos deparamos com uma história gostosa de ser lida; de pessoas admiráveis e cheias de incertezas.

O capítulo final pareceu o menos atraente. Talvez o percurso agradável da leitura tenha me tornado um pouco exigente em relação ao seu término, mas fiquei com uma leve sensação de que faltou um pouco mais do charme destilado por todos os cantos. De qualquer forma, o nome de Deonísio da Silva, este ilustre desconhecido, já está anotado para que eu procure por mais de seus trabalhos.

GOETHE E BARRABÁS é um livro diferente e que vale à pena ser lido. Diverte, provoca e destila um charme narrativo não muito fácil de encontrar por aí. Poderia ter explorado melhor algumas personagens, mas talvez essa observação seja oriunda da leve frustração por considerar a obra tão enriquecida e ao mesmo tempo tão curtinha...

NOTA: 8,1

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

RESENHA DE LIVRO – GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA ECONOMIA BRASILEIRA


Livros que abordam temas complexos de um modo fácil e sustentando linguagem coloquial, deveriam ser obrigatórios em nossas escolas. Não é a primeira vez em que expresso essa opinião, mas é que ela retorna à minha mente sempre que leio uma obra com tais características.

GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA ECONOMIA BRASILEIRA escapa dos termos técnicos, dispensa a linguagem acadêmica e entrega seu conteúdo de modo a parecer uma conversa descontraída entre amigos num bar. Ou seja, os elementos aqui são fundamentais para quem deseja se inserir em assuntos herméticos.

Num primeiro momento a condução informal da obra pode soar um pouco displicente, como se o autor estivesse lidando com economia de forma leviana. Mas o truque é encarar o livro como porta de entrada para o assunto proposto. E exatamente isso que o autor faz: uma crítica ao pensamento raso e automático que está incutido na mente da maioria dos brasileiros. Colocar uma interrogação sobre aquilo que parece obvio na truncada economia desse país é um convite do autor para que se acione o pensamento crítico tomando esse livro como ponto de partida para leituras mais abrangentes.

Alguns temas levantados aqui parecem superados num primeiro momento, como, por exemplo, o pensamento do trabalhador brasileiro que considera o patrão um ser maléfico e que deve ser vigiado em rédeas curtas pelo estado, que neste mesmo pensamento equivocado, enxerga nossa legislação trabalhista como um mecanismo divino a proteger os pobres e indefesos trabalhadores. A inclinação libertária e direitista do autor talvez incomode possíveis leitores extremistas de esquerda, o que não é o meu caso. Raramente me desassossego com algum tema, pois me considero um leitor curioso demais para me render a rótulos restritivos.

Leandro Narlock é jornalista e foi repórter da revista Veja. Também foi editor da Superinteressante e Aventura na História. Portanto, o teor jornalístico é notável por todo conteúdo deste volume, assim como também a devida inserção de suas fontes estão expostas para quem quiser se aprofundar ou verificar a autenticidade do que está sendo dito (mesmo que algumas dessas fontes sejam parciais, pelo menos elas estão aqui para serem contempladas).

Eu até poderia considerar a escassez de profundidade na maioria dos temas (tive esse mesmo incômodo ao ler o Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, escrito pelo Luiz Felipe Pondé), mas acredito que não é essa a premissa em nenhum dos volumes da série Politicamente Incorreto. A contradição é levantada aqui como pontapé inicial, o que nos leva a pensar um pouco no escopo do título, ao usar o termo “guia”. Não dá pra dizer que estamos diante de um guia, pois falta aqui a mecânica instrutiva que compõe um livro que sirva como manual de instrução de verdade.

GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA ECONOMIA BRASILEIRA não chega a ser um livro indispensável, mas vale como porta de entrada para quem deseja entender um pouco os entraves de nossa economia. De linguagem descomplicada, também pode agradar aos leitores que, embora gostem de ler sobre economia, não desejam se tornar doutores sobre o tema.

NOTA: 7,6