quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

RESENHA DE LIVRO – NAS TUAS MÃOS

Na última resenha que postei aqui no blog, mencionei a beleza contida em narrativas que relatam a vida de pessoas simples, mas que causam muita identificação com o leitor, justamente por esta simplicidade. Coincidentemente este NAS TUAS MÃOS é mais um caso de história de pessoas comuns, a escrita de Inês Pedrosa encanta com facilidade, porque seu escopo está nas fragilidades, incertezas, tédios, vaidades e invejas; emoções que também podem aparecer em grandes sagas, mas em obras como as de Inês a coisa é mais crível, pois suas personagens costumam agir na exata medida que eu e você: não sabem bem o que fazer com esses sentimentos.

NAS TUAS MÃOS, romance vencedor do Prêmio Máximo de Literatura (promovido pela revista Máxima), narra a história de três gerações de mulheres, que começa com o diário da matriarca, depois acompanhamos as reflexões extraídas do álbum de fotografias da filha, terminando nas cartas existenciais da neta. Três personalidades distintas vivendo em três períodos diferentes em sua nação, Portugal.

Como é recorrente na literatura de Inês Pedrosa, aqui o foco principal são os relatos íntimos e subjetivos dessas mulheres, suas dores, dúvidas e transformações, detalhes geográficos ou situacionais são secundários. Semelhante ao que ocorre em outras de suas obras, a trama se concentra em nos mostrar a intimidade do olhar das personagens; se você é o tipo de leitor que gosta de autores que dispendem longos e minuciosos parágrafos com narrativas dos aspectos técnicos, físicos e ambientais, esta autora não é pra você.

Desse modo, NAS TUAS MÃOS tece sutilmente um pouco do que foi a vida em Portugal ao longo de um século e as alternâncias de três tempos diferentes, nas vozes da avó, da mãe e da filha, sempre sob a ótica das protagonistas. Acompanhamos períodos que indiretamente direta e interferem no cotidiano, como ditaturas, guerras coloniais e ascensão de estado novo. Porém, o escopo está nas vidas das três mulheres.

A primeira protagonista, Jenny, conta sua história através de memórias de um diário, desde jovem, se casando com um homem homossexual e a imprevisibilidade de ter que dividir sua vida com o amante do marido, e além disso, ainda cuidar de sua filha. Essa personagem revela toda a devoção que sustentou pelo amor inquestionável pelo marido; um amor não correspondido e que, mesmo assim, fez-se existente em dedicação abnegada.

Em seguida, acompanhamos o álbum da filha, Camila e suas impressões sobre um tempo em que foi presa pela opressão ditatorial do país, após ser pega distribuindo panfletos considerados oposicionistas. Cumprido o período de reclusão, ocorre uma drástica mudança na maneira com que Camila reflete sobre o mundo e a própria vida, ela se tornou uma mulher melancólica e desesperançada.

Por fim, vamos de encontro às cartas de Natália e a terceira geração dessa família. Suas cartas são destinadas a avó Jenny, a qual ela demonstra devoção inalterável, o que contrasta com o explícito desdém que sustenta por sua mãe, Camila. Natália soa como a protagonista mais sóbria e resolvida entre as três mulheres, mas há momentos em que seus relatos soam um tanto ressentidos, achei esse o capítulo menos envolvente do livro, o que não necessariamente denota um decréscimo na leitura, digamos apenas que me identifiquei menos com essa personagem.

NAS TUAS MÃOS é uma obra instigante sobre gerações distintas e as dificuldades incutidas em cada uma delas. Reproduz a genialidade de Inês Pedrosa em criar personagens absolutamente diferentes em características, mas que se completam e dialogam entre si. Possivelmente o leitor irá se identificar com uma dessas mulheres comuns, porém, fascinantes em seus modos de interpretação de suas vidas.


NOTA: 8,5