Pode-se dizer
que Jô Soares era um polímata; o cara foi ator, humorista, apresentador,
dramaturgo, diretor de teatro, músico, artista plástico e, o que em especial
nos interessa aqui, escritor (ocupação que eu ainda sustentava algum ceticismo,
pois a única obra que havia lido do nosso eterno gordo foi As Esganadas,
que tem resenha aqui no blog e não achei lá grande coisa). Portanto, quando
adquiri este O XANGÔ DE BAKER STREET, foi meio que uma segunda chance de
viajar no universo de Jô Soares, mas com aquela má vontade típica de
quem desconfia de gente que se envolve em coisas demais e acaba pecando pela
falta de foco.
E para vergonha
deste preconceituoso leitor que vos escreve, também para deleite do mesmo, nunca
estive tão errado. Sim, eu já sabia que esta é a obra mais famosa do Jô, então
era esperado que a leitura fosse aprazível. Só que nem sempre isso ocorre, há
livros que são o ápice de determinados autores, porém, a gente ama aquele
livrinho menos notório de sua bibliografia..., eis a magia da leitura: uma
experiência distinta e pessoal para cada um (esse fenômeno já aconteceu com
vários escritores que li). Mas no caso deste O XANGÔ DE BAKE STREET, é
com prazer que reafirmo o que a grande maioria dos leitores já sabiam: é um
ótimo romance policial!
Na trama, o Rio
de Janeiro do século XIX recebe a visita do ilustre detetive Sherlock Holmes e
seu fiel companheiro John Watson, para desvendar o sumiço de um precioso
violino Stradivarius, que foi presente de vossa majestade, o próprio imperador
Pedro II, para a baronesa Maria Luísa Catarina de Albuquerque. Nesse ínterim, a
famosa personagem de Arthur Conan Doyle é requisitada pelas autoridades
brazucas para também dar sua contribuição na investigação de assassinatos em
série que vem acontecendo na capital do Brasil.
Colocadas as
circunstâncias, temos a nossa história. Jô Soares faz de sua narrativa
uma mescla equilibrada de humor e suspense, algo incomum e talvez até
contraditório para um romance policial, mas que o autor soube dosar bem estes
recursos permitindo que a trama seguisse intrigante e ao mesmo tempo cômica.
Outro elemento
que funcionou muito bem, foi a inserção de características peculiares nas
personagens, mesmo em se tratando de Sherlock Holmes, figura altamente conhecida
da literatura mundial. Alguns desses aspectos funcionaram muito bem e deixaram
o famoso detetive um pouco mais autêntico. Não vou entrar em detalhes para não
estragar a surpresa de quem ainda não leu, mas digamos que o Sherlock do Jô
Soares possui os elementos que precisava para então ser um autêntico detetive
do ponto de vista do nosso querido gordo. Ainda não tive o prazer de ler as
aventuras de Sherlock sob o ponto de vista da infalibilidade investigativa
proporcionada por seu criador escocês, mas o Sherlock Holmes do Jô Soares,
mais autoconfiante e menos eficiente, foi uma agradável surpresa.
Outro aspecto
positivo fica por conta dos diálogos da época, as formalidades na convivência
burguesa, os detalhes de cenários e lugares famosos, personalidades reais e
fictícias, tudo cuidadosamente elaborado para criar imersão na leitura. Aqui o
autor abre seu arsenal de sátiras, ironias, o já mencionado humor e o suspense
encarregando-se de mudar drasticamente o tom da narrativa quando o misterioso
assassino está em cena.
Se houve um item
que me causou breve incômodo é com a tonalidade prolixa e sem muita
objetividade da trama. Quase, porque o autor soube contornar, ou quase nos
fazer ignorar isso, com uma narrativa fluida e leve, alternando de forma
eficiente os instantes de humor e suspenses. De qualquer forma, o livro como um
topo poderia ser um pouco mais curto, há momentos aqui completamente
desnecessários.
O XANGÔ DE
BAKER STREET é uma
leitura aprazível, de personagens assertivamente bem desenvolvidos, charme
descritivo, humor e uma condução um pouco extensa. Imagino como se sentiria o
autor de Sherlock Holmes, se tivesse a chance de ler esta versão menos formosa
de sua personagem mais famosa. Nem posso imaginar o que Doyle consideraria
(aquele bigodão dele me faz pensar que não iria aprovar o Holmes do Jô), mas cá
entre nós, eu gostei muito!
NOTA: 8,5