segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

RESENHA DE LIVRO – O XANGÔ DE BAKER STREET

Pode-se dizer que Jô Soares era um polímata; o cara foi ator, humorista, apresentador, dramaturgo, diretor de teatro, músico, artista plástico e, o que em especial nos interessa aqui, escritor (ocupação que eu ainda sustentava algum ceticismo, pois a única obra que havia lido do nosso eterno gordo foi As Esganadas, que tem resenha aqui no blog e não achei lá grande coisa). Portanto, quando adquiri este O XANGÔ DE BAKER STREET, foi meio que uma segunda chance de viajar no universo de Jô Soares, mas com aquela má vontade típica de quem desconfia de gente que se envolve em coisas demais e acaba pecando pela falta de foco.

E para vergonha deste preconceituoso leitor que vos escreve, também para deleite do mesmo, nunca estive tão errado. Sim, eu já sabia que esta é a obra mais famosa do Jô, então era esperado que a leitura fosse aprazível. Só que nem sempre isso ocorre, há livros que são o ápice de determinados autores, porém, a gente ama aquele livrinho menos notório de sua bibliografia..., eis a magia da leitura: uma experiência distinta e pessoal para cada um (esse fenômeno já aconteceu com vários escritores que li). Mas no caso deste O XANGÔ DE BAKE STREET, é com prazer que reafirmo o que a grande maioria dos leitores já sabiam: é um ótimo romance policial!

Na trama, o Rio de Janeiro do século XIX recebe a visita do ilustre detetive Sherlock Holmes e seu fiel companheiro John Watson, para desvendar o sumiço de um precioso violino Stradivarius, que foi presente de vossa majestade, o próprio imperador Pedro II, para a baronesa Maria Luísa Catarina de Albuquerque. Nesse ínterim, a famosa personagem de Arthur Conan Doyle é requisitada pelas autoridades brazucas para também dar sua contribuição na investigação de assassinatos em série que vem acontecendo na capital do Brasil.

Colocadas as circunstâncias, temos a nossa história. Jô Soares faz de sua narrativa uma mescla equilibrada de humor e suspense, algo incomum e talvez até contraditório para um romance policial, mas que o autor soube dosar bem estes recursos permitindo que a trama seguisse intrigante e ao mesmo tempo cômica.

Outro elemento que funcionou muito bem, foi a inserção de características peculiares nas personagens, mesmo em se tratando de Sherlock Holmes, figura altamente conhecida da literatura mundial. Alguns desses aspectos funcionaram muito bem e deixaram o famoso detetive um pouco mais autêntico. Não vou entrar em detalhes para não estragar a surpresa de quem ainda não leu, mas digamos que o Sherlock do Jô Soares possui os elementos que precisava para então ser um autêntico detetive do ponto de vista do nosso querido gordo. Ainda não tive o prazer de ler as aventuras de Sherlock sob o ponto de vista da infalibilidade investigativa proporcionada por seu criador escocês, mas o Sherlock Holmes do Jô Soares, mais autoconfiante e menos eficiente, foi uma agradável surpresa.

Outro aspecto positivo fica por conta dos diálogos da época, as formalidades na convivência burguesa, os detalhes de cenários e lugares famosos, personalidades reais e fictícias, tudo cuidadosamente elaborado para criar imersão na leitura. Aqui o autor abre seu arsenal de sátiras, ironias, o já mencionado humor e o suspense encarregando-se de mudar drasticamente o tom da narrativa quando o misterioso assassino está em cena.

Se houve um item que me causou breve incômodo é com a tonalidade prolixa e sem muita objetividade da trama. Quase, porque o autor soube contornar, ou quase nos fazer ignorar isso, com uma narrativa fluida e leve, alternando de forma eficiente os instantes de humor e suspenses. De qualquer forma, o livro como um topo poderia ser um pouco mais curto, há momentos aqui completamente desnecessários.

O XANGÔ DE BAKER STREET é uma leitura aprazível, de personagens assertivamente bem desenvolvidos, charme descritivo, humor e uma condução um pouco extensa. Imagino como se sentiria o autor de Sherlock Holmes, se tivesse a chance de ler esta versão menos formosa de sua personagem mais famosa. Nem posso imaginar o que Doyle consideraria (aquele bigodão dele me faz pensar que não iria aprovar o Holmes do Jô), mas cá entre nós, eu gostei muito!

NOTA: 8,5