sábado, 28 de agosto de 2021

RESENHA DE LIVRO – COMO MORREM OS POBRES E OUTROS ENSAIOS

É difícil elaborar uma resenha minimamente decente de qualquer uma das obras de George Orwell, primeiro porque a enormidade do escritor já causa intimidação imediata. Outro entrave é que sabemos que gente muito boa já esmiuçou a literatura do cara; intelectuais altamente sensíveis souberam analisar seus textos com profundidade. O que um bosta, feito eu, pensa que está fazendo com essa meia dúzia de parágrafos rasos?

Eu tenho explicação: é que tudo o que escrevo aqui no blog, tem mais serventia para mim mesmo do que a qualquer outra pessoa. Minhas resenhas não possuem a pretensão de mapear um trabalho literário, mas registrar algumas de minhas impressões à cerca da leitura, que após alguns anos, certamente não me lembrarei..., sim, eu costumo retornar para as resenhas quando me esqueço do que senti ao ler determinado livro. E como releituras são incomuns em minha rotina (porque eu tenho muita coisa pra ler e o ritmo do tempo parece ter perdido o freio), ler minhas resenhas costuma resgatar alguns insights da obra.

George Orwell é detentor de um elemento que só fui descobrir nesta segunda incursão que fiz em seu universo: o cara é genial pela simplicidade com que se expressa. Partidário da escrita rudimentar, Orwell é especialista em linguagem acessível, coisa que ele defende num dos capítulos destes ensaios, o que o torna sublime é o grande pecado da maioria dos grandes intelectuais: a singeleza.

Os textos aqui reunidos impressionam pela crueza e atualidade. O autor tece um estilo incomum de intelectualidade honesta que agrada demais e faz parecer que a coisa foi desenvolvida para algum tabloide contemporâneo, e que Orwell está por aí, destilando suas críticas sobre o mundo de hoje (é fabuloso verificar o quanto suas opiniões parecem extraídas de um período ainda em curso).

COMO MORREM OS POBRES E OUTROS ENSAIOS reúne relatos e reflexões do autor sobre vários assuntos e impressões extraídas na prática por esse importante nome da literatura mundial. E concorde ou não com Orwell, uma coisa precisa ser levada em consideração: o cara vivenciou aquilo que escreveu. Foi soldado, lavrador, presidiário, morador de rua, soldado, jornalista e, claro, escritor.

Alguns ensaios são comoventes pelas memórias vívidas, outros entram na parcialidade política e há alguns textos mais analíticos que exploram o desenvolvimento de literatura, praticamente tudo relatado de modo a escapar da linguagem técnica. Aqui quase tudo é exibido de forma íntegra e vistosa. Muitas vezes até parece uma sutil tentativa em fazer o leitor acreditar que ele também pode desenvolver algo digno de um verdadeiro pensador.

Suas crenças, preferências e até mesmo seus preconceitos estão expostos aqui de maneira simplificada e fidedigna, sem nenhum receio de dizer o que se pensa; Orwell é um homem antes de ser escritor..., e isso está explicitamente narrado em cada parágrafo deste livro (imagino que em toda sua obra).

“A Covardia Intelectual é o pior inimigo” é o meu capítulo favorito, talvez porque o autor discorra sobre os maneirismos da literatura, liberdade de imprensa e outros assuntos relacionados ao universo dos livros. E como não poderia ser diferente, é óbvio que um livro que se propõe a falar de diversos assuntos, acaba fazendo com que alguns temas sejam apreciados e outros nem tanto.

COMO MORREM OS POBRES E OUTROS ENSAIOS é um livro para ser relido muitas vezes (às vezes me deprimo com minhas próprias sugestões), pela atualidade do conteúdo, pela aula grátis que exibe o quanto a linguagem simples pode ser extraordinária, e claro, porque é George Orwell..., o nome no alto da página já garante o conteúdo.

NOTA: 8,3

domingo, 22 de agosto de 2021

HOMENAGEM - CENTENÁRIO DE COLATINA


Certa vez, escutei um visitante de outro Estado comentar que Colatina é uma cidade vertical, referindo-se aos muitos morros onde se sustentam grande parte dos bairros do município. Teria sido um comentário despretensioso, mas notei certo tom de escárnio naquelas palavras. Então, fiz o que somente um cidadão colatinense sabe fazer nessas horas: defendi nossa querida Princesa do Norte.

Sempre se enxerga algo de baixo pra cima quando se está em reverência”, foi o que disse em resposta, ao que ele não entendeu de imediato. Mas o escopo que gostaria de atentar aqui é para o instinto natural de todo cidadão colatinense: essa obrigação inerente de correr em defesa de nossa cidade, como se ela fosse algo sagrado; precioso demais para ser menosprezado por gente que não é daqui e, portanto, desconhece a magia. O colatinense até faz lá suas críticas e reclamações de Colatina, talvez por achar que sua condição de filho legitima o argumento. Porém, instintivamente algo azedo desperta em seu ser, sempre que alguém de outro lugar diz algo ofensivo sobre nossa singela cidade.

Quem me conhece salientaria que não sou natural da cidade e, portanto, não saberia como expressar sentimentos genuínos sobre a cidade. Contudo, vim com minha família muito cedo e, ainda jovem, já me sentia acometido pelo mesmo sentimento daqueles que nasceram nestas terras: a sensação de filho acolhido, que não se conforma com ofensas direcionadas à nossa mãe querida. Não por acaso Colatina foi batizada por nome feminino; pois como genitora que ampara seus filhos, estes mesmos zelam e a elevam à condição de natureza sagrada.

Antes de ser finalmente adotado por este solo amoroso, eu olhava para Colatina com certa desconfiança. A cidade, em minhas impressões de garoto, era um misto de mistério arcaico e vigor contemporâneo. O antigo parecia fundir-se ao novo como se fosse um encaixe preciso que jamais vi noutro lugar; a simplicidade dos moradores, a naturalidade na maneira de interagir, a convivência diária encarada de modo recíproco; em Colatina as pessoas discutem os problemas da cidade com seriedade e em qualquer canto, nos bares, nas igrejas, nos pontos de ônibus, nas filas dos supermercados..., agem como se fossem pequenas células de um enorme corpo em constante desenvolvimento. Querem criar, fazer! O colatinense se sente peça de uma máquina, onde cada pecinha é vital para o bom funcionamento. Sim, Colatina é como um grande mecanismo evolutivo, cujo suor do seu povo lutador lubrifica suas articulações.

Confesso que muitas vezes me senti como o estranho no ninho, pelos olhares de desconfiança sobre minha inexpressiva presença. Não que eu tivesse uma aparência nociva, mas talvez os colatinenses apenas quisessem se certificar de que eu não seria uma possibilidade de abalo da serenidade coletiva... Sim, os colatinenses são cabreiros demais.

Demorou para que eu me sentisse em casa. Foi preciso que saísse da cidade, como disse o escritor José Saramago “é preciso sair da ilha para ver a ilha”. E ao retornar de uma viagem longa, adentrar as imediações de Colatina causou em meu ser, pela primeira vez na vida, aquela sensação de estar chegando num lugar em que sou parte. Sabe quando você chega em casa, cansado, tira os sapatos e afunda no sofá? É mais ou menos como me sinto quando estou chegando de algum lugar, atravesso a pequena Baunilha e logo avisto a imponência da segunda ponte cortando o nosso Rio Doce.

Por falar em Rio Doce, notou como nós, os colatinenses, gostamos de reivindicá-lo como nosso rio? Pois é; isso meio que é parte da gente daqui, sabe..., o Rio Doce possui um total de 888 km de percurso, sua bacia corta exatos 228 municípios, e o colatinense continua com o velho e disparatado hábito de dizer que esse gigante é nosso. Vez ou outra, o Rio se enfurece, invade a cidade e parece querer reclamar de volta um tanto de suas margens estreitadas pelo desenvolvimento urbano..., mas se quer minha humilde opinião, acho que Colatina é terna demais e até o imponente Rio Doce, não contentando-se em apenas percorrer passivamente, adentra as imediações da cidade, implorando por um abraço.

Cristo também é daqui, sabia? Com seus braços abertos, é a máxima representação da mãe Colatina. Ok, o Rio de Janeiro pode até ter o Cristo mais famoso. Mas aquele lá me parece simbólico demais, inalcançável demais... O Cristo aqui é acessível e simpático e exala a mesma ternura da cidade.

Colatina é simples de se entender; é leitura desobstruída, é silêncio visual agradável, é cheirinho de janta recém-preparada. Colatina tem alma, é mais que perceptível; sua essência está em todos os lugares. Colatina é aconchegante, é afável, permissiva e exala calor..., nossa! E como faz calor!

Mas talvez seja esse calor excessivo o preço a se pagar por termos o segundo pôr do Sol mais lindo do mundo. Um segredo: isso é uma enorme falsa humidade do colatinense. Porque ninguém sabe onde fica o primeiro pôr do Sol mais lindo do mundo, pode sair pela cidade perguntando a qualquer um. De modo que isso faz do nosso pôr do Sol, o mais esplendoroso de todos!

E não ouse contrariar o colatinense. Tenho dito!

sábado, 21 de agosto de 2021

CRÔNICA – JUSTIFICATIVA PARA MIM MESMO

Foi no dia 28 de maio minha última postagem aqui no blog. E embora isso não pareça tanto tempo, esse foi o maior período em que fiquei sem postar nada.

Foi uma fase difícil? Bom, estamos no meio de uma pandemia o que já torna válida essa hipótese. Mas também estou em tempos de muito trabalho em casa e fora, de transformações estruturais as quais interferiram na vida literária de um modo geral. E interferir significa interromper mesmo. A única coisa que tentei manter sempre em dia foi a leitura.

Tratou-se de uma pausa necessária, eu fiz escolhas, precisava ajudar na recomposição do lar, minha esposa careceu de mim e tentei ser menos escritor e mais um alicerce com o qual ela pudesse contar nessa hora difícil. Claro, a pandemia também colaborou muito elevando o tédio e o desinteresse em produzir..., mas isso não conta como explicação.

Mas enfim, explicação para o que?

Não é a primeira vez em que entraves ocorrem, e infelizmente não será a última. Porém, ao longo desses dez anos de existência do blog eu sempre tentei manter ao menos uma ou duas postagens por mês. Jamais havia ficado mais de trinta dias sem postar nada.

Medida de tempo não é comparado ao período, propriamente, porque isso não significa nada, mas a alienação daquilo que era importante quando estabeleci que iria parar de escrever em espaços de internet dedicados a escritores amadores, e focaria meu trabalho em espaço autônomo no qual visitaria quem se interessasse pelo conteúdo, em vez de gente buscando seduzir por meio de visitas vazias, situação que ocorre a todo instante em redes sociais feitas para escritores.

Meu blog sempre foi como um alívio pessoal; um lugar só meu em que posso expressar minhas opiniões nem um pouco técnicas e transgressoras para além de minha precária capacidade de análise literária. Aqui eu relato os meus achismos levianos, o que senti enquanto lia, as particularidades nem um pouco versadas sobre as impressões que tive de alguma leitura recente. Tanto é assim, que há muito não resenho livros que não despertaram a vontade de falar dele. No começo desse espaço, algumas resenhas foram contempladas pela mera vaidade em mostrar para os visitantes que eu era leitor de valores intelectuais consagrados. Hoje consegui me livrar dessa futilidade neurótica; resenho somente aquilo que sinto vontade de relatar.

O Dimensão Reluzente se tornou um espaço de independência; maior liberdade do que essa é difícil existir, de ser autônomo das amarras externas e também internas. No meu cantinho posso ser ousado ou tímido; posso ser prolixo ou sucinto; posso ser cordato ou ranzinza..., aqui no meu blog eu posso ser.

Então eu reitero a pergunta: toda essa explicação é para que? Permita-me, uma vez mais, ser esse falso profundo e falar sobre a escrita.

Foi Rainer Maria Rilke quem disse que “se fomos capazes de viver sem escrever, é melhor que o façamos”. Entendo que ele estava se referindo à uma necessidade inerente de se produzir conteúdo escrito; escrever para algumas pessoas é uma necessidade de externar-se; colocar no papel (tela) sentimentos, impressões, rancores, amores, mágoas, solidões... E apesar de que algumas vezes me sinto assim, ansioso de vontade de ligar o notebook e abrir o editor de texto, isso não me ocorre o tempo inteiro. Mas compreendo Rilke e sei que a vida seria menos agradável se por algum motivo eu não pudesse mais escrever.

No entanto, acho que vai muito além disso. Talvez num mundo capitalista onde só existe espaço para competição, a escrita seja o único espaço onde posso deixar de ser coadjuvante e me tornar o diretor; abandonar o lugar de criatura para assumir o lugar de criador. Aqui eu vou em busca de lugares impossíveis que jamais serão alcançados, mesmo assim, continuar buscando. Sensação de liberdade maior eu desconheço.

E não tem nada a ver com ser lido. Porque não funciona assim. Quem escreve esperando retorno de um público específico, anda de mãos dadas com a mediocridade. Isso não quer dizer que escrever de modo despretensioso seja garantidor de um texto acabado enxuto e belo..., não! Também seria hipocrisia de minha parte afirmar que não me importo, que receber o reconhecimento por algo escrito seja desprezível. Mas o grande trabalho não nasce da necessidade de retorno externo, e sim da manifestação de uma subjetividade intrínseca; a expressão da sensibilidade do autor, que é diferente em cada um e invariável em sua essência de querer ser eterna.

A literatura é a arte de produzir eternamente por meio de versos e prosas; um polimento que não tem fim, mas que com o tempo e a prática, torna-se cada vez mais reluzente.

Enfim, essa é a justificativa para mim mesmo. E se você leu este texto até aqui, acabou de se deparar com um pedacinho do meu inferno, a minha angústia infinita. Escrevo para não ser lido, mas gostaria de ser. Não mereço o tempo de leitura de ninguém, mas adoraria ser causa de seu tempo gasto. Não quero a glória, mas se ela vier como consequência vai ser demais! De tempos em tempos continuarei aparecendo e sumindo, a vida é mesmo uma senoide doida..., e é por isso que nos apegamos tanto a ela.

Sim, senhor Rilke, eu consigo viver sem escrever. Mas esse negócio é tão legal, que não da vontade de parar. E vez ou outra a gente para, só para sentir novamente aquele gostinho adocicado da vontade se acumulando dentro de nós.