Certa vez, escutei um visitante de outro Estado comentar que Colatina é uma cidade vertical, referindo-se aos muitos morros onde se sustentam grande parte dos bairros do município. Teria sido um comentário despretensioso, mas notei certo tom de escárnio naquelas palavras. Então, fiz o que somente um cidadão colatinense sabe fazer nessas horas: defendi nossa querida Princesa do Norte.
“Sempre
se enxerga algo de baixo pra cima quando se está em reverência”, foi o que
disse em resposta, ao que ele não entendeu de imediato. Mas o escopo que
gostaria de atentar aqui é para o instinto natural de todo cidadão colatinense:
essa obrigação inerente de correr em defesa de nossa cidade, como se ela fosse
algo sagrado; precioso demais para ser menosprezado por gente que não é daqui
e, portanto, desconhece a magia. O colatinense até faz lá suas críticas e
reclamações de Colatina, talvez por achar que sua condição de filho legitima o
argumento. Porém, instintivamente algo azedo desperta em seu ser, sempre que
alguém de outro lugar diz algo ofensivo sobre nossa singela cidade.
Quem
me conhece salientaria que não sou natural da cidade e, portanto, não saberia
como expressar sentimentos genuínos sobre a cidade. Contudo, vim com minha
família muito cedo e, ainda jovem, já me sentia acometido pelo mesmo sentimento
daqueles que nasceram nestas terras: a sensação de filho acolhido, que não se
conforma com ofensas direcionadas à nossa mãe querida. Não por acaso Colatina
foi batizada por nome feminino; pois como genitora que ampara seus filhos,
estes mesmos zelam e a elevam à condição de natureza sagrada.
Antes
de ser finalmente adotado por este solo amoroso, eu olhava para Colatina com
certa desconfiança. A cidade, em minhas impressões de garoto, era um misto de
mistério arcaico e vigor contemporâneo. O antigo parecia fundir-se ao novo como
se fosse um encaixe preciso que jamais vi noutro lugar; a simplicidade dos
moradores, a naturalidade na maneira de interagir, a convivência diária
encarada de modo recíproco; em Colatina as pessoas discutem os problemas da
cidade com seriedade e em qualquer canto, nos bares, nas igrejas, nos pontos de
ônibus, nas filas dos supermercados..., agem como se fossem pequenas células de
um enorme corpo em constante desenvolvimento. Querem criar, fazer! O
colatinense se sente peça de uma máquina, onde cada pecinha é vital para o bom
funcionamento. Sim, Colatina é como um grande mecanismo evolutivo, cujo suor do
seu povo lutador lubrifica suas articulações.
Confesso
que muitas vezes me senti como o estranho no ninho, pelos olhares de
desconfiança sobre minha inexpressiva presença. Não que eu tivesse uma aparência
nociva, mas talvez os colatinenses apenas quisessem se certificar de que eu não
seria uma possibilidade de abalo da serenidade coletiva... Sim, os colatinenses
são cabreiros demais.
Demorou
para que eu me sentisse em casa. Foi preciso que saísse da cidade, como disse o
escritor José Saramago “é preciso sair da ilha para ver a ilha”. E ao
retornar de uma viagem longa, adentrar as imediações de Colatina causou em meu
ser, pela primeira vez na vida, aquela sensação de estar chegando num lugar em
que sou parte. Sabe quando você chega em casa, cansado, tira os sapatos e
afunda no sofá? É mais ou menos como me sinto quando estou chegando de algum
lugar, atravesso a pequena Baunilha e logo avisto a imponência da segunda ponte
cortando o nosso Rio Doce.
Por
falar em Rio Doce, notou como nós, os colatinenses, gostamos de reivindicá-lo
como nosso rio? Pois é; isso meio que é parte da gente daqui, sabe..., o Rio
Doce possui um total de 888 km de percurso, sua bacia corta exatos 228
municípios, e o colatinense continua com o velho e disparatado hábito de dizer
que esse gigante é nosso. Vez ou outra, o Rio se enfurece, invade a cidade e
parece querer reclamar de volta um tanto de suas margens estreitadas pelo
desenvolvimento urbano..., mas se quer minha humilde opinião, acho que Colatina
é terna demais e até o imponente Rio Doce, não contentando-se em apenas
percorrer passivamente, adentra as imediações da cidade, implorando por um
abraço.
Cristo
também é daqui, sabia? Com seus braços abertos, é a máxima representação da mãe
Colatina. Ok, o Rio de Janeiro pode até ter o Cristo mais famoso. Mas aquele lá
me parece simbólico demais, inalcançável demais... O Cristo aqui é acessível e
simpático e exala a mesma ternura da cidade.
Colatina
é simples de se entender; é leitura desobstruída, é silêncio visual agradável,
é cheirinho de janta recém-preparada. Colatina tem alma, é mais que
perceptível; sua essência está em todos os lugares. Colatina é aconchegante, é
afável, permissiva e exala calor..., nossa! E como faz calor!
Mas
talvez seja esse calor excessivo o preço a se pagar por termos o segundo pôr do
Sol mais lindo do mundo. Um segredo: isso é uma enorme falsa humidade do
colatinense. Porque ninguém sabe onde fica o primeiro pôr do Sol mais lindo do
mundo, pode sair pela cidade perguntando a qualquer um. De modo que isso faz do
nosso pôr do Sol, o mais esplendoroso de todos!
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