sexta-feira, 26 de junho de 2020

RESENHA DE LIVRO – A FACA DE DOIS GUMES


Primeiro trabalho que li do autor Fernando Sabino e o cara já havia conseguido raptar minha atenção em, sei lá, menos de dois parágrafos. O estilo do autor mescla simplicidade narrativa com a agilidade de relatos das personagens de um modo direto, fez-me constatar certa semelhança com um autor que gosto muito: o romancista americano Harlan Coben. E antes do término do primeiro subcapítulo, estava convencido de que diante de minha leitura pairava outro grande nome da nossa literatura.

A FACA DE DOIS GUMES reúne três contos em seu conteúdo, sendo o terceiro aquele que dá título à obra. O autor mescla em seus textos a problemática da violência cotidiana com aspectos imprevisíveis que são característicos do ser humano, como culpa e dúvida. O estilo coloquial nos aproxima da personagem; o fluxo narrativo instiga a virar mais uma página para se descobrir o que está acontecendo; as conclusões situacionais são pouco óbvias e suscitam autoanálise. Aqui as palavras não sugerem; elas apenas exibem situações de forma transparente e são correlatas ao sentimento que se desperta no leitor.

No primeiro conto (e meu favorito) intitulado O BOM LADRÃO, a narrativa é em primeira pessoa, onde a personagem compartilha seus momentos vividos ao lado de Isabel, uma mulher cujos comportamentos derrapam no senso ético e levam o protagonista a duvidar se a escolha daquela mulher para dividir a vida foi assertiva.

No segundo conto, MARTINI SECO, acompanhamos um caso de homicídio ocorrido num bar, em que o réu fora absolvido por falta de provas. A incerteza paira constante por toda a trama, deixando suspenso e a cargo do leitor, o trabalho de interpretar os fatos. Dos três, este me pareceu o conto mais absurdo e, talvez, o menos intenso.

Em A FACA DE DOIS GUMES, um advogado vivendo o auge do tédio matrimonial, descobre que sua esposa está lhe traindo. Sem saber ao certo como lidar com a situação, ele resolve arquitetar um plano para desmascarar a infidelidade do cônjuge, mas o ato irá desencadear sucessivos acontecimentos que irão validar o título da obra.

Fernando Sabino é extremamente eficiente em contar histórias e não constrói narrativas imersivas sobre seus personagens. Aqui estamos diante do situacionismo cru e direto, de cenário que aponta questões sociais de nossa contemporaneidade, mas deixa de lado a reflexão crítica dessas mesmas personagens. Deliberar ficou estritamente sob as dispensas do leitor.

Acho isso maravilhoso!

É possível identificar sentimentos característicos do ser humano, como já citei. Medo, raiva, dúvida, pessimismo, aspectos presentes na vida cotidiana espalham-se por toda a obra. No terceiro conto até encontramos certo fluxo de consciência por parte da personagem principal, Porém, mesmo aqui é como se a dinâmica do texto prevalecesse ante o discernimento da personagem, que no calor de reações impensadas, apenas segue os impulsos daquele momento.

A FACA DE DOIS GUMES é um livro sobre as mazelas da sociedade moderna, que oferece uma estrutura ágil e direta. Exibe textos enxutos e mecanicamente funcionais, cuja linguagem coloquial não permite que o interesse diminua. Há personagens interessantes e outros me pareceram um pouco aleatórios. Finais imprevisíveis e cheios de surpresas. É altamente atrativo para o leitor que deseja conhecer a nossa riquíssima literatura.

NOTA: 7,7

sábado, 6 de junho de 2020

CRÔNICAS: MÁSCARA – MANUAL DO USUÁRIO


Estacionado na fila do caixa, mantendo distanciamento estabelecido pelas normas legais, eu aguardava para pagar minhas compras de fim de semana. Supermercado lotado, somos uma gente empoleirada que em tempos de pandemia, faz do ato de fazer compras a única rota de entretenimento.

Ocasionalmente, olhei para o lado e avistei uma seção estrategicamente posicionada na lateral da fila, onde uma placa em letras reluzentes anunciava: “PROMOÇÃO DE MÁSCARAS”.

Seduzido que fiquei pelo anúncio a me oferecer mais um ótimo negócio, resgatei uma unidade e joguei no carrinho, sem nenhuma ponderação sobre este que se tornou objeto essencial de nossos dias. Afinal, o que há para se verificar numa máscara? Não existem grandes distinções entre elas! Máscaras são feitas para cobrir o rosto, inteira ou parcialmente, então basta que cumpram precisamente sua função e está tudo certo.

Contudo, dias depois quando minha nova aquisição se fez necessária, foi que eu descobri que máscaras não são padronizadas como eu imaginava. Elas possuem particularidades, tamanhos, cores, funções... A minha nova máscara, em específico, não havia elásticos para que eu a prendesse atrás das orelhas. No lugar, tiras de tecido que indicavam que eu deveria amarrá-la na cabeça...

Isso mesmo: amarrar!

Achei aquilo ultrajante! Onde foi parar a praticidade do elástico? O fabricante devia ter colocado instruções de uso (como se alguém lesse instruções de uso) para que o consumidor não fosse surpreendido por tiras no lugar do elástico. Agora eu teria que gastar vários minutos da minha vida ajeitando uma máscara analógica, dar o nó correto e não me esquecer de afrouxar um pouco para não morrer sufocado. Vi-me sentenciado a desenvolver a invejável paciência de um executivo, que em frente ao espelho, faz com zelo e cuidado o nó de sua gravata.

Sim, caros leitores, máscaras são adereços que estão se tornando cada vez mais necessários, mais sofisticados e pomposos. Nosso mercado sempre atento para as carências humanas é especialista na arte de variar. Depois do meu entrave com as tiras da minha nova máscara, passei a observar (porém, não tão de perto por medo de um famigerado vírus) as mais distintas máscaras que hoje tomaram conta de todos os espaços imagináveis.

Máscaras de variadas cores, tamanhos, gêneros, de composição variada, de estampas combinando com o estilo do cliente, com bordado de marcas famosas para aqueles que gostam de ostentar, transparentes para que não se perca a leitura labial, máscaras de tricô, e até com a opção do seu time do coração! Ah, e já estão chegando, para delírio coletivo, as invejáveis máscaras com aroma de frutas.

A máscara agora é você, cidadão brasileiro! Ela nos representa de tal forma, que atualmente estamos olhando para máscaras e comparando, fazendo avaliações mentais. Outro dia, passei por uma moça na rua e pensei comigo: puxa como ela ficou bem com aquela máscara. Minha esposa recebe ocasionalmente um catálogo variado de modelos e, vaidosa que é, passa horas experimentando para ver qual a que melhor combina com ela.

Recentemente uma vendedora, sabendo de minhas preferências musicais, ofereceu-me uma máscara de “caveirinhas”. Ela comentou, entendedora que era do mercado de máscaras, que aquele modelo era “a minha cara”. Também recebi anúncios lustrosos oferendo a mais inovadora das alternativas: máscaras 3D.

Mas que porra seria uma máscara 3D?

Diante dessa minha antiquada percepção da atualidade, uma colega do trabalho veio em meu socorro e explicou, em detalhes, o que era uma máscara 3D. Durante sua apresentação até tirou da bolsa a sua 3D, novinha, comprada naquela mesma semana.

Sim senhor! E a partir de agora nós, respeitáveis consumidores, respiramos, literalmente, nossas máscaras! Portanto, neste mundo de rostos semicobertos, escolhas serão feitas no uso das verificações adequadas aos tempos de rostos cobertos: você tem aquela com elástico? Quais são as opções de cores? Esse estilo combina com jeans? Você trabalha com modelos 3D? Eu queria daquela cavadinha para não ficar pegando no meu olho...

Mas não importa qual seja a sua preferência. Melhor fazer uso da mais cafona e desproporcional das máscaras, do que sair na rua de cara limpa à mercê de um certo corona.