sexta-feira, 28 de maio de 2021

RESENHA DE LIVRO – A MENINA DE CÁ

Passeando através da vastidão da literatura nacional, deparo-me com este agradável volume, cujo título parafraseia um conto de Guimarães Rosa. A Menina de Cá, compilação de contos do escritor e vencedor do prêmio Jabuti Carlos Nascimento Silva, é uma leitura que norteia o olhar feminino.

A singularidade narrativa do escopo feminino é intensa em quase todos os contos deste volume. Diversificados em essência, eles agradam em proporções distintas, o autor é muito bom em variar. Livros de contos, quando escritos por autores que detém visão multifacetada, faz com que a experiência da leitura seja um agradável passeio pelo imprevisível, o que pode não agradar os leitores mais conservadores e que curtem aquele escopo narrativo característico que lhes agrade.

Eu, particularmente, gosto de me deparar com o diferente, muito embora confesse que, inevitavelmente, isso torne o prazer da leitura oscilante, o que não significa que o livro seja pior do que aqueles que seguem uma única linha narrativa. No caso deste A MENINA DE CÁ, alguns contos me fizeram desacelerar (quem conhece minhas resenhas, sabe o que isso significa), outros perderam-me como leitor. No entanto, o conjunto da obra aqui é um livro de contos agradável, direto e lúcido.

Dois contos valem destaque, pois os considerei o ponto alto da coletânea: Contraponto no Samba, curiosamente um dos poucos textos cujo o olhar em terceira pessoa, permeia o personagem masculino, porém, segue com a força dominante proporcionada pela presença feminina; a personagem Leila desestrutura os intentos do namorado que arquiteta um plano para passar o feriado de carnaval longe da amada. O outro conto é o que dá nome ao livro; A Menina de Cá é uma deliciosa leitura que faz referência ao conto famoso de Guimarães Rosa.

Dois aspectos me incomodaram em alguns momentos: o autor segue uma narrativa que, apesar de polida, não consegue se desprender de certo viés higienizado que fez transparecer o receio de adentrar impressões mais críveis do ser humano. Outro probleminha, este menos perceptível, é que alguns contos pareciam textos fragmentados, onde algo do anterior me pareceu dar sequência ao próximo, como se eu estivesse lendo um livro que fora arrancado algumas páginas.

A MENINA DE CÁ é uma obra aprazível, de contos distintos e um autor que acertou em cheio em nos colocar perto de mulheres tão sedutoras. Derrapa um pouco na sobriedade linguística, mas isso não chega a prejudicar a leitura.

NOTA: 6,5

sábado, 22 de maio de 2021

RESENHA DE LIVRO – QUADRONDO

 

Coragem talvez seja o elemento essencial para que possamos desapegar de uma existência materialmente suprida, porém, sem sentido, para ingressarmos numa mudança radical, cujas transformações atinjam o cerne do ser humano, tornando sua vida cheia de significado e sentido.

Esse é o tema central deste trabalho discreto do ótimo escritor DOMINGOS PELLEGRINI: a coragem de mudar para encontrar importância. Nossa sociedade moderna doutrina seus inseridos num perigoso esquema de conquistas por status e coisas, numa engrenagem ininterrupta que afasta o ser humano daquilo que lhe é mais necessário: a autenticidade de sua natureza.

Sebastião Terra é um professor experiente e escritor promissor, devidamente inserido no universo acadêmico, mas que, apesar de a vida remar no sentido da prosperidade (pelo menos do ponto de vista social), ele se vê cada vez mais entediado com os horizontes alcançados e o universo que o cerca. Então, enche-se do elemento o qual mencionei nesta resenha: coragem, e parte para uma ilha remota, cuja população parece incrivelmente primitiva, para começar a vida do zero. E como ele redescobre essa vida!

Já no início dessa mudança, Sebastião encontra o amor, precisamente como tal sentimento nasce, de modo inesperado e pelo ser improvável, que instigará nosso protagonista a lidar com suas inflexões descabidas e se livrar de conceitos estabelecidos, caso queira gozar desse romance. O lugar também é o convite ao desenvolvimento como ser humano; da precariedade de uma comunidade a qual deseja fazer parte, Sebastião precisa arregaçar as mangas, colocar-se na condição de voluntário, sair de sua zona de conforto intelectual e teórica, para entrar na existência vivida de movimento, cujas ações é o que, de fato, realiza sua alma adormecida há tempos.

O livro é dividido em duas partes; a primeira nos mostra um pouco da vida do professor entediado; que demonstra o enfado e percebe a alienação coletiva de uma sociedade que lhe soa cada vez mais estranha. Divorciado, sem grande perspectiva, o personagem se enxerga apenas como mais um intelectual medíocre, cujo único propósito que o faz seguir em frente é uma teoria filosófica que é um misto de curiosidade e escarnio. Sebastião quer compreender sua teoria, contudo, ele conclui que no lugar onde está não conseguirá adquirir conteúdo.

A segunda parte conta a transformação; um mundo novo e tomado de desafios inéditos e primitivos, os quais o protagonista entra de cabeça, vai desatando os nós e, conforme avança, torna-se parte desse novo universo. O mais truncado deles é justamente o novo relacionamento afetivo, mas infelizmente achei que o autor explorou pouco esse aspecto.

A narração prolixa incomodou um pouco, principalmente no final. O personagem, que é quem nos conta a história, possui um ponto de vista documental demais e pouco imersivo. Há momentos em que se estende muito para contar algo simples ou desnecessário, e a conclusão da obra é um pouco cansativa, dadas as muitas voltas que a trama segue.

QUADRONDO é um livro simpático, que tem como potencial a narrativa, que é marca de seu criador, mas talvez pudesse ter enxugado alguns instantes enfadonhos. Caberia uma exploração um pouco maior dos sentimentos de seu personagem principal, porém, isso não chega a estragar a obra como entretenimento.

NOTA: 7,1