quinta-feira, 14 de julho de 2022

RESENHA DE LIVRO – INFORMAÇÕES SOBRE A VÍTIMA

Se o Brasil fosse a centralidade geopolítica do mundo, provavelmente as prateleiras das livrarias pelos arredores do globo estariam infestadas de obras no estilo deste INFORMAÇÕES SOBRE A VÍTIMA; um trabalho desapegado de estereótipos do gênero intestigativo, cuja personagem narrador é um sujeito tão cheio de imprecisões, a pontos de nos fazer pensar no quanto esse cara não tem nenhuma familiaridade com o ofício da investigação policial.

Joaquim Nogueira, o autor dessa obra singular, é delegado aposentado. Ou seja, detentor de ponto de vista, digamos, menos enviesado sobre o universo da investigação, em particular daqui do Brasil, o que é bom porque sua experiência certamente contribuiu para deixar a obra um pouco mais crível.

INFORMAÇÕES SOBRE A VÍTIMA conta a história de Venício, policial que é tomado por um irrefreável desejo de justiça, após saber do assassinato de um amigo de profissão. Ele se prontifica, procura seus superiores e insiste em receber a responsabilidade pela investigação do caso. Então parte, no escuro, meio sem saber aonde ir, conversando com diferentes figuras do cenário paulistano da década de 80.

Com uma sinopse dessa, poderíamos imaginar um livro infestado de intrigas, suspeitos, direções incertas, suspense, reviravoltas, o típico recheio investigativo com o qual estamos habituados..., mas não é o que ocorre aqui. Definitivamente não estamos lendo um livro de Agatha Christie.

O Autor nos conduz por uma narrativa moderada, quase insípida, que vagarosamente vai nos mostrando os cenários cotidianos de um investigador de polícia, algo nada glamoroso e, muitas vezes, até enfadonho face as incertezas e repetições de atos e pessoas. Mas creio que seja este o elemento forte do universo análogo criado por Joaquim Nogueira.

Como mencionei no início, livros de romance policial costumam ser recheados de maneirismos, uma espécie de roupagem obrigatória, as quais estamos tão acostumados que ao nos depararmos com um livro como INFORMAÇÕES SOBRE A VÍTIMA, imediatamente desperta o estranhamento na mente do leitor, tamanho é o nível de verossimilhança com o que há de mais banal em qualquer profissão imaginável, mesmo sendo ela aparentemente estimulante, como a literatura predominante nos faz crer que seja a de um investigador de polícia.

Venício não é o profissional extraordinário, nem chega a ser sedutor..., na verdade, nosso personagem é um sujeito discreto, quase rudimentar. Chama pra si a responsabilidade pela investigação de um crime e sequer sabe por onde começar, tudo motivado por uma amizade de pouquíssimo tempo que estabeleceu com a vítima.

Mas ao mesmo tempo ele é obstinado e irredutível. O tipo que não larga o osso quando cisma com alguma coisa. E entra de cabeça num cenário cheio de pessoas igualmente parecidas com ele mesmo: todo o tipo de gente que, apesar de suas contradições, são suspeitos tão descaracterizados quanto ele próprio. E apesar de soar como um problema, eu considerei este o ponto alto da trama. É legal conhecer os bastidores do submundo do crime como ele realmente parece ser; aqui não há personagens surpreendentes; o que há são pessoas vivendo suas vidas em meio a transgressões e inconstâncias... O mundo como ele realmente é.

É pertinente que seja feita essa observação porque há leitores que podem ser pegos desprevenidos. Joaquim Nogueira não escreve como Harlan Coben, cujas tramas causam estupefação à cada página virada. Mas este ilustre escritor brasuca nos entrega um romance com o estilo impreciso e cheio de complicações, como deve ser o mundo dos investigadores inseridos num país extravagante como o nosso Brasil, lugar onde certamente James Bond, mesmo com todo aquele seu charme e aparato tecnológico, não saberia exatamente o que fazer ou por onde começar.

NOTA: 7,5

sábado, 2 de julho de 2022

RESENHA DE LIVRO – QUASE NOITE

Terceira obra que degusto dessa escritora americana, cujo tema é pesado, instigante e arenoso. Nos dois livros anteriores, Sorte e Uma vida Interrompida, Alice Sebold discorre suas tramas sob a égide do estupro, o primeiro deles, inclusive, é autobiográfico. Dessa vez, o tema é o matricídio, que além de se tratar de um tópico difícil por si, também faz paralelo com outro assunto que considero importante e interminável: relações humanas.

Infelizmente QUASE NOITE, apesar de entregar uma narrativa em primeira pessoa corajosa e sem muito circunlóquio, economizou em introspecção na personagem principal, deixando a leitura ser nada mais que um relato oco, alguns momentos até correndo sério risco de soar manipulador. Sabe quando o autor tenta explicitar no texto aquilo que você deve pensar sobre o que está lendo, sem deixar espaço para a livre análise? Há instantes em que tive essa impressão.

Perdoe-me se crio uma impressão ruim com este suposto início negativo de resenha. QUASE NOITE não é um livro ruim, apesar de ser o mais fraquinho da autora e de sustentar alguns probleminhas técnicos. Alice Sebold é uma escritora de bons atributos narrativos, sabe desenvolver histórias fluidas, não teme assuntos espinhosos e até consegue nos causar empatia com suas personagens (pelo menos isso aconteceu nas duas obras anteriores). A condução aqui é direta, já inicia dando um soco na cara do leitor e habilmente rouba a nossa atenção.

A trama se passa numa pequena cidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, em que um crime inesperado interrompe a rotina maçante daquela comunidade. De imediato, a confissão da personagem, Helen Knightly, de ter assassinado a própria mãe, desconcerta o leitor e oferece a tonalidade pungente que vai perdurar por toda a leitura, quase como se estivéssemos lendo com alguma coisa entalada na garganta.

Por 48 horas vivenciando os acontecimentos posteriores ao crime, sempre sob a ótica de Helen, temos uma narrativa enriquecida pelo relato dos instantes mais marcantes na vida da protagonista, confissões de suas relações de amor e ódio com os familiares, com destaque para a experiência vivida ao lado de sua genitora. O livro mescla relatos presentes dos instantes confusos e inéditos de Helen, com lembranças do passado dela e que fazem este paralelo, cujo intento deliberado parece ser o de fazer o leitor compreender as motivações da personagem, eis o entrave mencionado no início da resenha.

Alguns momentos essa alternância entre passado e presente criou um pouco de confusão; não raro precisava voltar alguns parágrafos na leitura para conseguir me situar.

Outro impasse ocorre quando a personagem relembra instantes do passado, porque ela simplesmente relata e apenas isso. Nenhum problema quanto ao método, o intuito pode ser ajudar o leitor a compreender aquela existência que nos conta sua história. O caso é que a mera descrição de tempos passados, como acontece aqui, soou como se a autora estivesse tentando justificar o crime cometido pela personagem. Sem elementos que validem suas memórias, como sensibilidade ou imersão, os relatos de Helen parecem uma tentativa de convencer o leitor da insignificância de seu crime; como quem alega que isso poderia ser a atitude de qualquer um de nós. Senti-me como se fosse o jurado de um tribunal que acompanha a oratória do réu desesperado.

Muitos escritores se utilizam dessa ferramenta para elevar a identificação com a personagem. O relato pode ser despretensioso, introspectivo ou até mesmo aqueles instantes de devaneios, os quais detalhes muito sutis são narrados e funcionam por agregar alma ao narrador, criando uma aproximação maior com a lisura do ser humano. Infelizmente isso não ocorre com a personagem de Alice Sebold. Temos a aproximação com o instante em que o desespero de um ser humano o leva a tomar decisões ruins, mas talvez não fosse necessário tentar endossar tais ações.

De qualquer forma, QUASE NOITE é um livro, digamos, encruado e corajoso. Mantenedor da ótima narrativa fluida, que já se tornou marca de Alice Sebold, cujos temas centrais causam desconforto e desestabilizam.

NOTA: 6,4