Sou acordado pelo ruído
familiar do despertador. O som faz com que eu me lembre de que já são 08h30min
de uma nova manhã de domingo. Ainda com os olhos fechados, apalpo a lateral
direita, à procura do banquinho improvisado como criado-mudo, onde vibra o
celular inquieto. Meus dedos só encontram uma protuberância retangular e elevada,
forrada com tecido grosso. O toque inesperado me faz recordar que não estou
dormindo no meu quarto, mas sim, no sofá-cama da sala. Agora sei onde desativar
o alarme do celular, que se encontra um pouco mais acima, precisamente na
mureta da sala.
A situação também me faz
lembrar de que não durmo sozinho, mas dividindo a colcha king size com outro corpo que se abriga do friozinho matinal. Meu tronco
se vira para o lado e eu fico de frente para ela, afundada até o topo da
cabeça. Vejo apenas algumas mechas de cabelos loiros, transbordando para fora
da colcha.
A constatação daquele ser me
causa constrangimento. Não pela pouca familiaridade em estar aconchegado ao
lado de uma bela mulher, mas talvez por estar vivenciando o resultado de
atitudes impetuosas, ao meu lado uma aventura que deveria ter chegado ao fim horas
atrás.
Eu me levanto e ando pela
casa. Tudo me parece confuso, desconexo.
Vou até o banheiro. Sirvo-me
da privada. Sirvo-me da pia.
Meu rosto, no reflexo do espelho
não condiz com a previsão que eu tinha dele. E no lugar do que deveria ser
feições de satisfação por uma noite de sexo recém-vivida, eu só vejo resquícios
de tédio e desorientação. Esfrego a face com as mãos cheias de sabonete, numa
tentativa de apagar traços de um evidente desprezo. Mas concluo que ostento uma
realidade absoluta demais para ser desfeita por algo tão ineficaz quanto sabonete
líquido... Não sei como esfregar a verdade até ela se transformar em
cumplicidade.
Vou até a cozinha... Preparo
um café.
Na sala, vejo o rosto
amarrotado dela, finalmente emergido da colcha. Espreguiça-se demoradamente,
depois olha pra mim e sorri, timidamente. Admito que é um sorriso meigo e cheio
de ternura... quase sublime.
Sinto-me na obrigação de
perguntar e ela diz que teve uma ótima noite de sono. Ela não devolve a mesma
pergunta, mas acho que é melhor assim, pois certamente não iria gostar da
resposta. Se é que eu teria coragem de dizer exatamente o que se passava em
minha mente.
Um estímulo interno, que
apontava para o fato de que a recente noite de sexo fez com que eu me tornasse
um ser totalmente liberto das necessidades do corpo. Porém, eu continuava um
completo miserável no que se refere a recursos que enriquecem a alma.
Não, ela não poderia ser
condenada por isso... Talvez também me achasse fútil e dissimulado; apenas um
objeto fálico e descartável, que apenas serviu para aplacar momentaneamente seus
impulsos lascivos. E eu desejava que assim ela estivesse pensando, pois dessa
forma minha mente poderia continuar censurando sua insignificância, sem que a
culpa me torturasse.
Não se trata de uma manhã
romântica, mas sim, confusa, na qual dois seres estranhos estudam as conexões
primordiais um do outro, com elevada cautela, no intuito de parecermo-nos o
menos excêntrico possível. E no meio desta insistente exibição de normalidade
fingida, eu não me lembro de levar o café para ela na cama.
Aliás, eu não preciso fazer
isso. Afinal, não é uma manhã romântica. É uma manhã confusa... E em manhãs
confusas não precisamos levar café para ninguém. Além disso, eu não sei como
ela gosta do café; eu não sei se ela gosta de café; eu não sei se ela gosta do
cheiro do café; eu não sei se ela gostará do meu café; eu não sei...
Ela não diz absolutamente
nada. Como alguém que é plenamente acostumada ao desprezo daquele com quem
dividiu a cama, ela se levanta, vai até o banheiro e fecha a porta. E sem
esperar por ela, eu me sento à bancada e inicio meu dejejum.
Sirvo-me de pão, biscoito,
leite... Quero repor parte das energias que perdi com o sexo, num eterno ciclo
de renovação de energia para posteriormente ser gasta com cópulas frívolas.
Ouço os sons abafados que vem
do banheiro. Ela se serve de chuveiro, sabonete, creme dental... Livra-se de
todos os vestígios meus que ficaram em seu corpo.
Quando a porta se abre, noto
que ela está mais bela. Parece aliviada por ter se livrado do meu cheiro; como
quem odeia estar impregnada com a essência da matéria descartável.
Descubro que sim, ela gosta de
café. Também testemunho que a bebida, quando não está aos seus auspícios, lhe
desperta a franqueza. Está fraco demais o seu café, é o que diz... Eu respondo
que gosto de café fraco.
Isso resume toda a conversa
que tivemos ao longo do café da manhã.
Depois ela arruma suas coisas
na bolsa, enquanto eu desfaço o sofá-cama, transformo o quarto improvisado em
sala novamente.
Ela comunica que precisa ir
embora. Noto certa aflição em seu comportamento; parece ávida por fugir logo de
minha casa, de minha presença. Igualmente sou acometido por um alívio
crescente, após escutar tal anunciação.
Somos dois espectadores de
nossa crueza. Talvez por isso nossa presença incomode tanto. Não gostamos de
ser observados por alguém que sabe de nossa recíproca necessidade em usar outro
ser humano. Tememos o olhar condenador daquele que aprendeu a reconhecer que
somos nada mais do que buscadores da saciedade concupiscente.
Ela sai pelo portão... Não
olha pra trás.
Eu o fecho e dou duas voltas
na chave... Como se temesse que apenas uma volta fosse insuficiente.
Faremos isso de novo?
Provavelmente...