A literatura é a arte que alcança indivíduos solitários, aqueles que se abstraem, isoladamente, na experiência secreta da leitura. E é precisamente a natureza soturna da personagem principal deste O ÚLTIMO MINUTO, o elemento que o faz querer contar sua história: uma espécie de descarrego do acúmulo de vida guardada no âmago de sua existência isolada.
O autor Marcelo Backes aqui
conta a história de João, O Vermelho, ex-treinador de futebol, cujas lembranças
de vida parecem inadiavelmente suspensas em sua mente, o que o faz relatar sua
trajetória à um missionário. Desse modo, seguimos de perto acompanhando a
elocução do narrador personagem.
De uma vida cosmopolita, João
descende de russos, foi criado no sul do Brasil, buscou empreender na Europa,
voltou ao Brasil como treinador de futebol, profissão que também desempenhou na
Suíça. Um sujeito que foi do interior patriarcal para a cidade grande
virulenta, é cheio das impressões descabidas que o faz contar sua história de
modo a sempre adiar o desfecho final, talvez por um desejo íntimo de que não
cesse o diálogo.
O futebol como alegoria da
vida como ela é, suscita a curiosidade do leitor em avançar na leitura porque a
representatividade mundana narrada entre as quatro linhas, parece tornar a
complexidade social, digamos, menos complexa. Uma pena que este escopo aconteça
tão poucas vezes durante a trama. Pelo menos foi essa impressão que tive.
Marcelo Backes
consegue criar empatia no leitor, apesar do olhar equivocado de seu personagem.
É que justamente por conta da opinião limitada de João, que alguns de seus
pontos de vista acabam por se parecer com o nosso.
A problemática da não aceitação
da personagem, que é conservadora por essência, em lidar com as mudanças
sociais modernas é exposta aqui de forma contundente. João é um homem
tradicionalista e bitolado. E como tipicamente ocorre com esse tipo de redução existencial,
ele tece sua análise descabida sobre o mundo por quase toda a obra.
A característica que se faz
notória na personagem de João é a nostalgia. Encarcerado, ele verbaliza sobre
sua vida de modo apaixonado; demora a entregar o que seu interlocutor quer
saber porque denota entusiasmo no exercício de retorno ao passado; quer que
saibamos de todo o trajeto vivido, talvez como forma de justificativa para sua transgressão
maior, ou simplesmente por sua incansável projeção com tempos que não retornam
mais. Enfim, seguimos com a leitura porque ansiamos em saber como ele foi parar
na cadeia.
A diagramação do livro me
incomodou um pouco. Parágrafos longos deixaram a análise do narrador um pouco
cansativa. Há instantes em que a leitura desacelera, se torna arrastada, que só
não se converteram em algo maçante porque o livro é relativamente pequeno.
O ÚLTIMO MINUTO é como uma senóide, há instantes muito bons, quase sempre quando a personagem faz suas analogias futebolísticas, e outros momentos um pouco menos prazerosos, cujo entusiasmo cai significativamente, mas descamba num final que não decepciona. Trata-se de uma síntese da personagem sobre a própria vida, portanto, um olhar cheio de equívocos e carregado de conceitos contraditórios, que carece um tanto de imparcialidade do leitor.
NOTA: 5,9