terça-feira, 25 de abril de 2023

RESENHA DE LIVRO – TUDO SÃO HISTÓRIAS DE AMOR

Tive meu primeiro deslumbramento diante da literatura de Dulce Maria Cardoso, ao me deparar com seu excelente CAMPO DE SANGUE. Em seguida, ao término da leitura de OS MEUS SENTIMENTOS, soube que tinha em mãos uma das maiores escritoras da era contemporânea (ambos livros possuem resenha aqui no blog). Desde então, sou um buscador de suas obras, as quais elevam minha admiração por sua escrita imersiva, quebradiça e orgânica. Agora foi a vez dessa deliciosa coletânea de contos TUDO SÃO HISTÓRIAS DE AMOR.

Aqui temos um compilado de histórias de diferentes tons e intensidades. Como toda coletânea, vamos gostar de alguns contos, de outros nem tanto, ora notaremos o tom experimental inserido pela autora, noutras vezes iremos nos deparar com sua característica pegada sensível de narrar. O título que parece nos remeter à ideia de amor de um modo romântico e clichê, revela-se sua verdadeira face de ironia, ou quem sabe, de fato o elemento do amor, mas interpretado por Dulce como algo mais próximo do congênito; as ações humanas emanadas daquilo que lhes é mais característico, que acontece naturalmente e, portanto, tem-se a universalidade de um aspecto essencial, que nem sempre é bonito, agradável ou normativo; que não está limitado à seara romântica; algo onipresente em todas as ações..., eis o amor do ponto de vista da autora.

Desnecessário falar dos contos porque são, essencialmente, distintos e isso tornaria esta resenha um tanto extensa. Quem já conhece Dulce Maria Cardoso sabe que pode levar este volume pra casa, tranquilamente, pois está garantido o arrebatamento, a viagem através do doce e do amargo do ser humano. Mas, só pra mencionar um, eu gostei demais do conto “Este azul que nos cerca”, narra o dia-a-dia de uma comunidade primitiva que vive numa pequena ilha onde funciona um farol. A vida seguia no mais sublime tédio, quando desembarca na praia uma bela moça chamada Dóris e desestabiliza à todos.  Já na introdução do texto, Dulce faz um belo prenúncio:

“Naquele sítio o bem era quase impossível. A noite também existe para adormecer a maldade mas o farol não o permitia. Naquele sítio o bem era quase impossível porque a maldade ia crescendo em nós, noite após noite. Talvez esta seja uma explicação par ao que aconteceu. Talvez seja a única explicação possível”.

Alguns contos são incursões dolorosas, de relatos duros e cruéis da natureza humana. Outros nos levam a estranha sensação de perda. Às vezes a leitura nos provoca, faz-nos pausar, suscita discrição, timidez, e guardamos a leitura na memória como se fosse um tesouro precioso. O vazio desproporcional que vez ou outra nos acomete faz nivelamento com a presença que se esquiva.

A narrativa em diversos momentos escancara lições que se ampliam, as inconstâncias que nos é mais característica está lá, o tempo todo, por isso essa parte tão incompreendida desse amor preeminente. Por essas e outras razões ele continuará na esfera de nossa ignorância; o amor sempre será um sentimento cuja maior característica é sua natureza escapadiça.

TUDO SÃO HISTÓRIAS DE AMOR é meio que um livro de entrada, por seu aspecto experimental. Quem gosta de contos vai adorar esse volume diversificado e imersivo, cuja autora soube exatamente nos dar o testemunho do amor, na precisa medida que dele sabemos: absolutamente uma onipresença difusa, excêntrica e universal.

NOTA: 7,4