quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

RESENHA DE LIVRO – TUDO QUE VOCÊ NÃO SOUBE

 


Primeiro trabalho que li da escritora Fernanda Young e não, eu não resolvi conhecer a autora após ser atraído pelos noticiários de sua morte. O fato é que já havia lido alguns textos dela em sites, assim como apreciei algumas de suas colocações, um tanto destemidas, que ela dava em entrevistas. Há anos sustentava curiosidade em vasculhar a literatura da Fernanda, mas devido a tantos outros autores que também anseio conhecer, acabava deixando a moça em segundo plano. Pois minha chance veio quando adquiri este TUDO QUE VOCÊ NÃO SOUBE, o qual eu não sei se foi a melhor porta de entrada para o universo da autora, mas o retirei da prateleira, seduzido que fiquei pelo título sugestivo.

Que me perdoem os amantes dessa obra e de sua criadora, mas aviso, de antemão, para que relevem esta resenha, pois não gostei do livro e vou tentar analisar da forma mais imparcial possível.

Aqui não há nada surpreendente no enredo: mulher de meia idade, cuja poeira do passado conturbado parece não ter baixado, pelo menos dentro de sua mente, resolve contar sua história para o pai moribundo. A personagem narra tudo aquilo que o genitor, aparentemente, não sabia, ou é apenas isso que ela ameaça invocar o tempo inteiro... E se ao longo do relato houve algo incrivelmente confessional, sinceramente esta informação me passou despercebida.

A narrativa em primeira pessoa é fundamento de pessoalidade, o que na boca de uma personagem complexa, cuja análise de si é dotada de noção perspicaz sobre a própria existência, certamente nos convida a uma leitura inesquecível, como bem souberam fazer autores como Clarice Lispector, Hermann Hesse, Herta Muller e Dulce Maria Cardoso. Contudo, aqui estamos diante do relato de uma mulher ressentida, que embora se descreva como alguém experiente e que aprendeu muito sobre a vida, trata-se de mera autoafirmação; seu colóquio soa como o de uma adolescente desagradável que considera o mundo um lugar horrível porque o todinho que recebia todas as manhãs, um dia estava frio: a personagem é superficial e previsível, dá muitas voltas e não sai do mesmo lugar; um rancor inesgotável por razões questionáveis, (sem fazer julgamentos sobre as motivações da mesma), a coisa toda parece rasa demais.

O único elemento que me fazia seguir com o livro aberto, era o interesse em desvendar o que sugere o título da obra, ou seja, tudo o que o pai da protagonista não soube. E como já mencionei: ou as grandes revelações escaparam de minha compreensão, ou são elas, de fato, banais ao limite do risível.

O livro também está infestado de sacadas clichês, expressões popularescas e frases prontas, as quais talvez até funcionassem caso a personagem possuísse alma; é por conta dos relatos de alguém que parece viver inconformismos descabidos que tais citações triviais, frequentes na vida cotidiana, tornam-se desinteressantes e desprovidas de substância; não importa se uma frase é clichê, na boca de um personagem complexo, a coisa ganha um lugar de reflexão em nossas mentes.

Juro que me esforcei para entender a protagonista. Porém, quando se está diante de explanação tão infestada de rancor, é difícil conferir credibilidade à narrativa. Por exemplo, quando a personagem anuncia que não vai fazer algo, é precisamente o que ela faz (inconstância é um elemento ótimo, mas não pareceu ser o caso aqui); quando ela garante não ter determinada personalidade, é exatamente como se comporta; cita aspectos de erudição do modo mais tolo e vil possível. Traços de sociopatia? Poderia até ser, mas a condução é recheada de sentimentalismo barato, tornando nossas hipóteses improváveis; a narradora demonstra sua superação existencial por meio de conquistas sociais ou materiais. Senti-me como se estivesse diante de uma garota emburrada porque a vida não foi como ela queria que fosse... Não, definitivamente a personagem aqui não é detentora de alguma disfunção cerebral (isso talvez até elevasse o potencial narrativo), na verdade ela é apenas uma chata mesmo!

TUDO O QUE VOCÊ NÃO SOUBE é um livro cujo enredo não apresenta nada, que dá voltas ininterruptas sem sair do lugar e tem uma protagonista que quase me causou náuseas. Não tive ideia do escopo da obra ou o que ela quis me contar. Igualmente ao pai da personagem, eu continuo a desconhecer tudo o que ela alega que ele não sabe..., contudo, como literatura de entretenimento pode até funcionar, desde que você tenha idade semelhante ao  discernimento da protagonista: algo em torno de dez anos.

NOTA: 3,3

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

RESENHA DE LIVRO – GONZOS E PARAFUSOS

Há algum tempo que venho sustentando a hipótese de que o tédio tem sido tão presente em meus dias, que até mesmo o gosto pela leitura fora prejudicado. Cheguei a me convencer de que a situação é grave, pois pela primeira vez na minha vida, ler se tornou uma atividade enfadonha... No entanto, existe sempre a possibilidade desse sentimento desaparecer quando chega a vez de colocar as mãos em obras distintas, como foi o caso deste GONZOS E PARAFUSOS.

Este belo trabalho da escritora Paula Parisot acalentou a amofinação que permeava em meu ser. Ou pelo menos serviu para mostrar que o tédio não afetou minha leitura propriamente, mas ocasionou uma diminuição da tolerância em relação a alguns títulos que eu estava lendo.

GONZOS E PARAFUSOS é um desses livros que parece não contar nada objetivo, mas seu charme se encontrar justamente no fluxo de consciência. Ambientação, destino, situações, tudo parece secundário. O esplendor fica bem ali, no âmago da personagem Isabela e em seu olhar multifacetado da realidade.

E por falar em tédio, esse talvez seja o lugar comum em Isabela. Psicanalista, a jovem passa a vida em busca de sentido, de encaixe, e tal busca algumas vezes pode chegar aos extremos, levando a jovem até mesmo tentar o suicídio. Aqui não existe uma sinopse específica a ser feita, somente o que pode ser sintetizado é o olhar da personagem sobre a própria loucura. E apesar de nos deparar com instantes depressivos e até polêmicos, é uma delícia este convite de investigar o mundo através da percepção da protagonista.

Isabela é profunda! Investiga sua própria natureza por meio de comparações com o passado e as pessoas que nele estiveram inseridas. Confunde-se com os muitos sentimentos aflorados em si, como é comum na inconstância do ser humano. Isabela analisa de fora pra dentro, talvez por um excesso de racionalidade que se confunde com insanidade, a personagem é alheia ao julgamento, ela simplesmente relata, de modo impreciso, até mesmo quando menciona e anseia a mulher no quadro do artista Klint (capa da obra).

Mesmo em suas citações de Freud que poderiam ser compreendidos como clichês, a própria Isabela se antecipa e reconhece a veracidade deste lugar comum, porém, deixa escapar que citar o psicanalista nunca é demais, o que nos leva a concordar. Vê-se vencida pelo pensamento banal e sabe que não precisaria do mesmo, muito embora alguns jargões pareçam inescapáveis.

Tive a sensação de que era o acúmulo de racionalidade o fundamento da loucura na personagem. Salvo pelo tédio eternizado nas páginas deste livro, a tragédia do meu semelhante, quando erigido em literatura, faz com que eu me encontre lendo bem devagar. Por ato involuntário, freio minhas leituras quando estou envolvido pelo livro.

Há instantes em que o relato parece tão crível, que ocorreu-me estar lendo palavras da própria Paula Parisot, como se estivesse lendo o diário da autora. Sei que existe muito dos autores em seus personagens, sejam em aspectos temporários ou personalidade fixa, mas algumas vezes a coisa parece indistinguível; a semelhança entre autora e protagonista aqui soou-me muito elevado, embora este possa ser um inofensivo equívoco de minha parte.

Não sei exatamente explicar em quais pontos, mas achei o estilo narrativo de Paula Parisot um pouco parecido com o meu próprio. Claro que careço adquirir o charme descritivo da autora, mas foi inevitável algumas comparações.

GONZOS E PARAFUSOS é uma extraordinária viagem através da ambiguidade humana. Não gosto de usar a palavra loucura para não acabar fisgado pelo chavão, mas exatamente como Isabela menciona: “às vezes é inevitável escapar do lugar comum...”, o fato é que a loucura da personagem é o epicentro dessa deliciosa trama. Com um começo que não é o começo, um meio sem meio e o final que não termina, Paula Parisot foi o melhor remédio contra meu tédio atual, e saber o quanto sofro do mesmo mal que sua personagem me causou certo acalento e cumplicidade... Isabela é, em pé de igualdade com Violeta, personagem do estupendo livro OS MEUS SENTIMENTOS, o ser humano mais intenso que li no encerrado ano de 2020.

NOTA: 9