A solidão é a máxima condição humana, talvez aquilo que nos seja essencial e, portanto, o maior de nossos temores. Há quem diga que tudo o que fazemos na vida, visa o intuito de escapar desse monstro assustador. E dependendo do quanto se mergulha neste vácuo existencial, perdemo-nos, muitas vezes, de forma irreversível.
A CAMAREIRA,
romance impressionante de Markus Orths, aproxima-nos de um exemplo de
existência que não sabe como lidar com o próprio isolamento e, portanto,
deixa-se seguir seus dias entre fetiches, manias e aleatoriedades. A protagonista
se perde em seus nadas. Exercendo a profissão que dá nome ao título, a
camareira se tornou uma expectadora da vida dos outros, talvez como método de
fuga de seu próprio vazio.
Remete-se a isso quando
consegue este novo emprego, como camareira de hotel. Lynn Zapatek agora faz de
seu novo labor, um modo de alimentar os espaços vazios de sua existência.
Condição que se pode perceber no afinco com que desempenha sua função, no zelo
excessivo pela limpeza, na neurose de continuar limpando o que já se encontra
limpo, no desânimo em ter que retornar ao apartamento onde mora, pois sabe que
o monstro que a consome a espera lá..., a solidão reina em todo lugar, mesmo onde
há aglomerados de gente.
Quando não está no trabalho,
Lynn apenas observa o mundo ao redor, seu olhar sempre voltado para as
frivolidades do cotidiano, causa deleite no leitor, tamanha é a inserção que se
tem aos detalhes da narrativa. Contudo, devo acrescentar que é uma constatação
triste, o testemunho da implacabilidade da solidão dói, principalmente para o
leitor que já se viu em condição semelhante e, portanto, compadece da
personagem em toda essa incomunicabilidade que atravessa almas. Sei exatamente
como Lynn se sente a ponto de compreender algumas de suas ações impulsivas,
como procurar um documento na busca de identificar à si mesma, após passar
horas na frente do espelho; seguir alguém na rua; colocar um filme para
assistir e dar mais atenção a detalhes triviais do que o enfoque da trama;
entrar debaixo da cama de um hóspede e ficar lá, como ouvinte oculta da
intimidade alheia.
Este último, a mais nova fuga
de Lynn. Então, todas as terças-feiras ela se esconde debaixo da cama do
apartamento 304, onde um homem está hospedado. Naquele lugar velado, ela ouve
sons, o bater na porta, pernas passeando pelo recinto, resmungos, gemidos, a tv
ligada, conversas, o ronco cansado do homem, o urro de um orgasmo..., Lynn faz
da vida de outras pessoas sua válvula de escape.
A dicotomia da solidão
consiste por um lado, na consciência de si mesmo; por outro, no desejo
incessante de sair de si. Ambos são extremamente assustadores e isso nos é
apresentado através do cotidiano da personagem, confusa e insegura quanto ao
que fazer com o reconhecimento de aspectos seus, e os espaços vazios de sua
vida. Há um instante na trama em que um personagem surge e começa uma breve
relação com Lynn. E o desfecho dessa relação me foi amplamente comovente,
apesar de banal, quase fui às lágrimas, tamanha identificação que tive com a
situação.
O livro é curto e de linguagem
ágil, fluida e simples. Desses que se pode ler numa única tarde fria, na
companhia de uma xícara de chá. Markus Orths se mostrou um eficiente
narrador da vida cotidiana através das impressões de seus personagens. Uma
deliciosa, porém, curta viagem..., senti falta de um pouco de fluxo de
consciência narrativa. Mas essa ausência em nada diminuiu o prazer da leitura.
A CAMAREIRA é uma belíssima obra. Possui uma linguagem fácil que ajuda o leitor a acompanhar as ações da personagem, faz-nos enxergar com seus olhos. Markus Orths realiza uma profunda radiografia dessa nosso método contemporâneo de vida, pautado na solidão absoluta e na busca ininterrupta por se livrar dela.
NOTA: 9,1