O título desta obra se torna
compreensível apenas quando se lê o subtítulo.
A MENINA é uma designação
genérica demais para anunciar qualquer coisa. O rosto da “menina” na capa
também revela muito pouco; trata-se de uma completa desconhecida num primeiro
momento. Contudo, é no subtítulo, onde se encontra o nome de uma estrela
consolidada de Hollywood, que então começa a pairar hipóteses na mente do
leitor.
Particularmente eu conhecia
pouquíssimo sobre a vida de Roman Polanski, o premiado diretor que, do instante
em que passou pela vida da desconhecida jovem que ilustra a capa, a existência
anônima da “menina” perdeu todo o confortável aspecto banal que permeia quase
todos nós, seres comuns e distantes do estrelato do universo cinematográfico. O
problema é que a breve colisão com o ilustre diretor não poderia ter ocorrido
de modo mais trágico: a menina do título é a autora Samantha Geimer, a singela adolescente estuprada por Roman Polanski
em março de 1977.
Mais de trinta anos depois a
vítima, até então desejosa de privacidade e discrição, resolve contar o que
houve naquela tarde de fotos na casa do ator Jack Nicholson (vale salientar que
Jack não se encontrava em casa). Por décadas este caso dominou as mídias
mundiais e atormentou tanto diretor quanto Samantha. E a moça sentiu-se na
obrigação de sair das sombras quando, em 2009, Roman Polanski foi detido na
Suíça em função de um mandato de prisão expedido décadas atrás.
O que de mais interessante existe
neste relato parcialmente biográfico é justamente o olhar feminino sobre o
problema do abuso. Samantha relata a problemática de ser uma vítima de estupro
e, pior ainda, ter sofrido isso pelas mãos de um homem poderoso do cinema. A
vida da autora nunca mais teve sossego, passando a ter que conviver sob a
perversa sombra do crime sofrido. O nível de constrangimento tornou-se tão
extenso que em determinado momento Samantha chega a alegar que o estupro não
foi propriamente a pior coisa que lhe aconteceu, mas a repercussão dos fatos.
Distorções inimagináveis tomaram conta do caso e a moça nunca mais teve
sossego.
Outro aspecto que vale ser
apontado é para o comprometimento com a narrativa mais crível; a autora procura
descrever os acontecimentos com imparcialidade impressionante, não somente nos
detalhes, mas também nos sentimentos. Samantha
Geimer narra o que ocorreu aos treze anos de idade requintando sua história
com o inevitável ponto de vista de uma adolescente. Quando ela alcança a
maturidade, nota-se no contexto o pertinente ganho de reflexão sobre os
acontecimentos; da metade do livro em diante há uma mulher que aprendeu a
analisar os fatos com maior propriedade. Isso é tão notório no livro que quase
parece se tratar narradoras diferentes em cada tempo.
O ritmo do livro não é
cansativo, o que é muito bom quando se está lendo esse tipo de literatura. A
linguagem é prosaica, sem nenhuma sofisticação. A diagramação também é limpa,
espaçada, o que torna a leitura agradável. Tais características são importantes
pontuar porque gêneros semelhantes às biografias costumam cansar quando segue
uma linha narrativa mais técnica.
A
MENINA é um livro corajoso e envolvente. Um relato sutil que precisa ser
lido, não apenas por aqueles que desejam se aprofundar no polêmico assunto em
torno da vida dos envolvidos, mas também para quem anseia por testemunhos de mulheres
que precisam lidar com um mundo machista que insiste em puni-las até mesmo
quando submetidas às mais horrendas formas de violência. Só temos que agradecer
pela coragem dessas mulheres.
NOTA: 7,6