domingo, 23 de fevereiro de 2020

RESENHA DE LIVRO – A MENINA


O título desta obra se torna compreensível apenas quando se lê o subtítulo.  A MENINA é uma designação genérica demais para anunciar qualquer coisa. O rosto da “menina” na capa também revela muito pouco; trata-se de uma completa desconhecida num primeiro momento. Contudo, é no subtítulo, onde se encontra o nome de uma estrela consolidada de Hollywood, que então começa a pairar hipóteses na mente do leitor.

Particularmente eu conhecia pouquíssimo sobre a vida de Roman Polanski, o premiado diretor que, do instante em que passou pela vida da desconhecida jovem que ilustra a capa, a existência anônima da “menina” perdeu todo o confortável aspecto banal que permeia quase todos nós, seres comuns e distantes do estrelato do universo cinematográfico. O problema é que a breve colisão com o ilustre diretor não poderia ter ocorrido de modo mais trágico: a menina do título é a autora Samantha Geimer, a singela adolescente estuprada por Roman Polanski em março de 1977.

Mais de trinta anos depois a vítima, até então desejosa de privacidade e discrição, resolve contar o que houve naquela tarde de fotos na casa do ator Jack Nicholson (vale salientar que Jack não se encontrava em casa). Por décadas este caso dominou as mídias mundiais e atormentou tanto diretor quanto Samantha. E a moça sentiu-se na obrigação de sair das sombras quando, em 2009, Roman Polanski foi detido na Suíça em função de um mandato de prisão expedido décadas atrás.

O que de mais interessante existe neste relato parcialmente biográfico é justamente o olhar feminino sobre o problema do abuso. Samantha relata a problemática de ser uma vítima de estupro e, pior ainda, ter sofrido isso pelas mãos de um homem poderoso do cinema. A vida da autora nunca mais teve sossego, passando a ter que conviver sob a perversa sombra do crime sofrido. O nível de constrangimento tornou-se tão extenso que em determinado momento Samantha chega a alegar que o estupro não foi propriamente a pior coisa que lhe aconteceu, mas a repercussão dos fatos. Distorções inimagináveis tomaram conta do caso e a moça nunca mais teve sossego.

Outro aspecto que vale ser apontado é para o comprometimento com a narrativa mais crível; a autora procura descrever os acontecimentos com imparcialidade impressionante, não somente nos detalhes, mas também nos sentimentos. Samantha Geimer narra o que ocorreu aos treze anos de idade requintando sua história com o inevitável ponto de vista de uma adolescente. Quando ela alcança a maturidade, nota-se no contexto o pertinente ganho de reflexão sobre os acontecimentos; da metade do livro em diante há uma mulher que aprendeu a analisar os fatos com maior propriedade. Isso é tão notório no livro que quase parece se tratar narradoras diferentes em cada tempo.

O ritmo do livro não é cansativo, o que é muito bom quando se está lendo esse tipo de literatura. A linguagem é prosaica, sem nenhuma sofisticação. A diagramação também é limpa, espaçada, o que torna a leitura agradável. Tais características são importantes pontuar porque gêneros semelhantes às biografias costumam cansar quando segue uma linha narrativa mais técnica.

 A MENINA é um livro corajoso e envolvente. Um relato sutil que precisa ser lido, não apenas por aqueles que desejam se aprofundar no polêmico assunto em torno da vida dos envolvidos, mas também para quem anseia por testemunhos de mulheres que precisam lidar com um mundo machista que insiste em puni-las até mesmo quando submetidas às mais horrendas formas de violência. Só temos que agradecer pela coragem dessas mulheres.

NOTA: 7,6

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

RESENHA DE LIVRO – NOTURNO EM MANHATTAN


O subgênero romance investigativo, assim como acontece com a maioria dos tipos literários, costuma alcançar leitores variados quando consegue utilizar elementos que não sejam propriamente característicos de sua forma. Isso também ajuda a deixar a trama menos cansativa. Colin Harrison já mostrou que sabe como inserir isso em seus trabalhos, porém o resultado dessa vez foi uma discreta obra intitulada NOTURNO EM MANHATTAN.

Exemplo da boa intuição do autor já se nota no protagonista. Enquanto os suspenses policiais costumam pairar em torno de um investigador ou perito em desvendar crimes, aqui a personagem é um abutre da mídia; um colunista de jornal cujo trabalho é ir à busca de tragédias humanas para desenvolver suas crônicas. Porter Wren, apesar da profissão pouco moral, aparenta ser um sujeito minimamente decente e segue sua vida cotidiana da maneira mais banal possível. Contudo, a passividade que o permeia desaparece no instante em que ele se envolve com Caroline Crowley, viúva de um famoso cineasta. Começa-se um cenário de intrigas, dúvidas e um interminável pisar em solo desconhecido... A vida do jornalista se torna um inferno em tempo recorde.

O autor mantém a mesma pegada prolixa de seus outros trabalhos; Collin Harrison não economiza vocabulário na hora de tecer sua trama, mas a sensação que tive é que neste livro especificamente esta característica funcionou em alguns momentos, mas noutros não.

A narrativa como um todo é agradável mesmo alongando-se em demasia. O autor sabe contar sua história com leveza; ele insere elementos informais, gírias e obscenidades que ajudam a tornar a narrativa mais crível. Também as personagens comportam-se de modo orgânico e inerente, o que agrada bastante. O leitor tem um longo livro pela frente, porém raramente este se torna cansativo.

Mas o problema ocasionado por esta acentuação verbosa acontece no final. Conhecendo outros trabalhos do autor, achei estranha a necessidade em explicar demais os instantes finais. Collin Harrison passa muito tempo narrando o que já foi dito ao longo da trama, esmiúça detalhadamente cada ponto chave da história, como se houvesse uma preocupação com a capacidade de compreensão do leitor. Eu cheguei a pensar que estava diante de um resumo da obra. Talvez isso tenha acontecido pela incapacidade do autor em tornar seu trabalho mais enxuto, pois o livro poderia ter terminado com pelo menos umas cinquenta páginas a menos. Ou seja, a maior virtude de Collin Harrison aqui acabou se tornando um considerável entrave.

Em breves passagens também podemos acompanhar a descrição de uma cidade efervescente como Manhattan, sempre focado em seu aspecto mais lúgubre. O autor nos mostra a marginalidade que permeia a cidade, a miséria dos cidadãos esquecidos e que sempre estão ladeando o glamour e requinte das grandes metrópoles. O livro precisava deste elemento sórdido que assertivamente elevou o dinamismo do texto.

NOTURNO EM MANHATTAN é um livro discreto e bem escrito, porém, exageradamente prolixo principalmente no final. Sustenta os elementos narrativos que fazem de Collin Harrison um excelente escritor, mas peca ao tentar retirar do leitor o prazer de analisar seu conteúdo.

NOTA: 7,5