sábado, 8 de janeiro de 2022

RESENHA DE LIVRO – O TIGRE BRANCO

Acho que a experiência de leitor e autonomia de espaço, são elementos que me tornam seletivo em relação aos livros que farei resenhas aqui no blog. Primeiro porque estou cada vez mais livre da neura mental que me obriga a falar sobre todos os livros que leio. Também porque não quero mais falar de livros que não mexem comigo. Para o bem ou para o mal, estou tentando compartilhar minhas impressões apenas das obras que causam, naturalmente, a vontade da falar sobre eles.

Algumas coincidências ocorreram quando da aquisição dessa agradável obra, que ganhou prêmios, prestígio e o cinema de streaming. Vale salientar que eu não fazia ideia de que se tratava de um livro cujo cenário é a Índia, nação a qual já li mais livros do que pretendi, a maioria deles vieram parar em minhas mãos de modo ocasional. Outro estímulo é que encontrei o livro em promoção, olhei rapidamente a sinopse e achei que valeria à pena para fechar a lista de compra. Geralmente demoro a ler novas aquisições, porque sempre tem muita coisa na fila, enquanto continuo comprando livros compulsivamente. Ou seja, quando finalmente resolvi encarar este O TIGRE BRANCO de Aravind Adiga, eis que o filme de mesmo nome desemboca como sucesso no canal de streaming Netflix.

E a leitura se mostrou uma agradável surpresa, até porque antes do início eu já me via com certa desconfiança, a começar pelo título da obra que me parecia estereotipado demais, embora a trama se antecipe e, de forma madura, explicita sua nomenclatura, dificilmente um título como esse me faria tirá-lo da prateleira. Enfim, o primeiro elemento elogiável da leitura já se manifestou no princípio: uma condução simples, fluida e agradável. Em poucos parágrafos o leitor já se vê completamente envolvido pela narrativa em primeira pessoa.

Nascido em região de extrema pobreza da Índia, o personagem narrador da trama nos conta, em forma de cartas que escreve para o excelentíssimo senhor primeiro ministro da China, Wen Jiabao, de viagem marcada para visitar a Índia, sua história de transformação em criatura rara que dá nome ao título da obra. O jovem Balram nada mais é do que um ordinário indiano vitimado pela desigualdade extrema que assola o país. Portanto, suas perspectivas são poucas. Então temos aqui a trajetória de um desprovido e desesperançado até sua evolução à espécie rara, cuja natalidade acontece em proporções quase que milagrosas; o livro quer nos mostrar a árdua forja de um simples homem num tigre branco.

Analogias à parte, a trama quase derrapa no lugar comum do personagem desprovido que, por sua própria astúcia, torna-se bem sucedido. No entanto, Aravind Adiga soube fugir do banal, introduzindo em sua obra um personagem que não carrega a capa de super-herói, muito menos faz uso de meios éticos quando resolve deixar o Tigre sair de dentro de sua insignificância. Veja que o mito do Tigre Branco faz referência a um modo de desenvolvimento como um todo. Ou seja, evolução não significa tornar-se um ser humano moralmente melhor..., evolução é uma palavra neutra.

Outro acerto fica por conta da linguagem textual, que pela estrutura e continuidade orgânica, aproxima o relato daquilo que ele, de fato, se propõe: estamos lendo uma carta informal para o primeiro ministro chines. Há momentos muito bons em que o narrador deixa claro o lugar pouco comum em que cresceu e que justifica sua percepção de mundo; também narra de forma eficiente conceitos distorcidos que se adquire ao longo de uma vida precária em contraste com gente bem sucedida, o veneno do empreendedorismo que exclui o discernimento e insere na mente das pessoas o sentimento de que tudo vale na selva capitalista. O nosso tigre branco destoa como um felino de excelência, mas não mede as consequências para tal.

A realidade precária de um país abandonado e desigual é relatada aqui na voz do personagem; ou seja, pouco se narra sobre os acontecimentos periódicos e quase não se fala da complexidade política de um país como a Índia. Se você é um autor em busca de maior contato com o desfecho sociológico ou a estrutura diversificada da nação indiana, este livro não lhe saciará. Aqui tudo é muito implícito ao olhar do narrador, o que não é ruim, pelo contrário, torna a trama interessante ao mesmo tempo em que foge da exposição situacional. Livros mais abrangentes como SHANTARAM ou O SÁRI VERMELHO são obras melhores acabadas no âmbito cultural e político da Índia.

Outro ponto que vale observação é sobre a evolução do personagem. O TIGRE BRANCO conta a história de seu protagonista, mas concentra-se apenas enquanto este não se torna o “produto” acabado; Balram revela sua vida apenas até o instante em que se torna o tigre branco do título. Depois disso, o livro parece apressado em chegar ao término, deixando a impressão de urgência ou incompletude nos instantes finais. Mas embora a história de um indivíduo desprovido de perspectivas seja um elemento infinitamente explorado na literatura, aqui a coisa parece não se concentrar meramente na evolução de um desamparado em empreendedor de sucesso. A trajetória de Balram denota que despudor e indiferença também são elementos fundamentais quando se vive sob o jugo de regras extremas de desigualdade capitalista.

O TIGRE BRANCO foi uma agradável descoberta, alívio literário por conta de sua linguagem simples e instigante, com uma história que, embora nem um pouco original, sabe entreter por meio de recursos narrativos eficientes. Agora que já apreciei o universo do autor Aravind Adiga, vou conferir a versão de sua obra para as telas..., recomendo este agradável livro.

NOTA: 7,5