Acho que a experiência de leitor e autonomia de espaço, são elementos que me tornam seletivo em relação aos livros que farei resenhas aqui no blog. Primeiro porque estou cada vez mais livre da neura mental que me obriga a falar sobre todos os livros que leio. Também porque não quero mais falar de livros que não mexem comigo. Para o bem ou para o mal, estou tentando compartilhar minhas impressões apenas das obras que causam, naturalmente, a vontade da falar sobre eles.
Algumas coincidências
ocorreram quando da aquisição dessa agradável obra, que ganhou prêmios, prestígio
e o cinema de streaming. Vale salientar que eu não fazia ideia de que se
tratava de um livro cujo cenário é a Índia, nação a qual já li mais livros do
que pretendi, a maioria deles vieram parar em minhas mãos de modo ocasional. Outro
estímulo é que encontrei o livro em promoção, olhei rapidamente a sinopse e achei
que valeria à pena para fechar a lista de compra. Geralmente demoro a ler novas
aquisições, porque sempre tem muita coisa na fila, enquanto continuo comprando
livros compulsivamente. Ou seja, quando finalmente resolvi encarar este O
TIGRE BRANCO de Aravind Adiga, eis que o filme de mesmo nome desemboca
como sucesso no canal de streaming Netflix.
E a leitura se mostrou uma
agradável surpresa, até porque antes do início eu já me via com certa
desconfiança, a começar pelo título da obra que me parecia estereotipado demais,
embora a trama se antecipe e, de forma madura, explicita sua nomenclatura,
dificilmente um título como esse me faria tirá-lo da prateleira. Enfim, o
primeiro elemento elogiável da leitura já se manifestou no princípio: uma
condução simples, fluida e agradável. Em poucos parágrafos o leitor já se vê
completamente envolvido pela narrativa em primeira pessoa.
Nascido em região de extrema
pobreza da Índia, o personagem narrador da trama nos conta, em forma de cartas
que escreve para o excelentíssimo senhor primeiro ministro da China, Wen
Jiabao, de viagem marcada para visitar a Índia, sua história de transformação
em criatura rara que dá nome ao título da obra. O jovem Balram nada mais é do
que um ordinário indiano vitimado pela desigualdade extrema que assola o país. Portanto,
suas perspectivas são poucas. Então temos aqui a trajetória de um desprovido e
desesperançado até sua evolução à espécie rara, cuja natalidade acontece em
proporções quase que milagrosas; o livro quer nos mostrar a árdua forja de um simples
homem num tigre branco.
Analogias à parte, a trama
quase derrapa no lugar comum do personagem desprovido que, por sua própria
astúcia, torna-se bem sucedido. No entanto, Aravind Adiga soube fugir do
banal, introduzindo em sua obra um personagem que não carrega a capa de
super-herói, muito menos faz uso de meios éticos quando resolve deixar o Tigre
sair de dentro de sua insignificância. Veja que o mito do Tigre Branco faz referência
a um modo de desenvolvimento como um todo. Ou seja, evolução não significa tornar-se
um ser humano moralmente melhor..., evolução é uma palavra neutra.
Outro acerto fica por conta da
linguagem textual, que pela estrutura e continuidade orgânica, aproxima o
relato daquilo que ele, de fato, se propõe: estamos lendo uma carta informal
para o primeiro ministro chines. Há momentos muito bons em que o narrador deixa
claro o lugar pouco comum em que cresceu e que justifica sua percepção de mundo;
também narra de forma eficiente conceitos distorcidos que se adquire ao longo
de uma vida precária em contraste com gente bem sucedida, o veneno do
empreendedorismo que exclui o discernimento e insere na mente das pessoas o
sentimento de que tudo vale na selva capitalista. O nosso tigre branco destoa
como um felino de excelência, mas não mede as consequências para tal.
A realidade precária de um
país abandonado e desigual é relatada aqui na voz do personagem; ou seja, pouco
se narra sobre os acontecimentos periódicos e quase não se fala da complexidade
política de um país como a Índia. Se você é um autor em busca de maior contato
com o desfecho sociológico ou a estrutura diversificada da nação indiana, este
livro não lhe saciará. Aqui tudo é muito implícito ao olhar do narrador, o que não
é ruim, pelo contrário, torna a trama interessante ao mesmo tempo em que foge
da exposição situacional. Livros mais abrangentes como SHANTARAM ou O SÁRI
VERMELHO são obras melhores acabadas no âmbito cultural e político da Índia.
Outro ponto que vale
observação é sobre a evolução do personagem. O TIGRE BRANCO conta a
história de seu protagonista, mas concentra-se apenas enquanto este não se
torna o “produto” acabado; Balram revela sua vida apenas até o instante em que
se torna o tigre branco do título. Depois disso, o livro parece apressado em
chegar ao término, deixando a impressão de urgência ou incompletude nos
instantes finais. Mas embora a história de um indivíduo desprovido de
perspectivas seja um elemento infinitamente explorado na literatura, aqui a
coisa parece não se concentrar meramente na evolução de um desamparado em empreendedor
de sucesso. A trajetória de Balram denota que despudor e indiferença também são
elementos fundamentais quando se vive sob o jugo de regras extremas de desigualdade
capitalista.
O TIGRE BRANCO foi uma agradável descoberta, alívio literário por conta de sua linguagem simples e instigante, com uma história que, embora nem um pouco original, sabe entreter por meio de recursos narrativos eficientes. Agora que já apreciei o universo do autor Aravind Adiga, vou conferir a versão de sua obra para as telas..., recomendo este agradável livro.
NOTA: 7,5