quinta-feira, 30 de novembro de 2017

RESENHA DE LIVRO – E NÓS CHEGAMOS AO FIM


A primeira coisa que encontrei pela internet sobre o livro de estreia de um autor americano chamado Joshua Ferris foram comentários apontando para a tonalidade cômica de sua obra (inclusive nas notas de críticos inseridas na contracapa do livro).

Contudo, isso foi o que menos encontrei ao ler este decente E NÓS CHEGAMOS AO FIM. Deleitei-me com bons diálogos criados por um escritor promissor e acompanhei um universo de trabalho bem construído no sentido de retratar situações reais, como as constantes intrigas e fofocas que acontecem no meio proletário; o dia-a-dia cheio de frivolidades e falta do que fazer; o terror imaginário que paira na mente de todos sobre a chefia; o medo possível e real da eminente demissão. Mas as situações engraçadas passaram longe, pelo menos de minha leitura. Talvez pelo fato de se tratar de obra que aborda tão espinhosa e atual problemática: a queda de corporações capitalistas e as inevitáveis consequências que caem sobre seus empregados (um modo menos ardiloso de mencionar o tema: demissões).

E o enredo é apenas isso. O livro é narrado em primeira pessoa e o personagem relata tudo usando sempre o pronome pessoal “nós” para contar a história. Mas estranhamente ele parece se comportar como um mero documentarista; alguém que acompanha tudo de perto, está em todos os lugares, mas jamais toma algum partido, age ou fornece opiniões. Isso pode até incomodar um pouco, mas não chega a prejudicar a trama.

Incomodou-me bem mais os inúmeros personagens que são jogados logo de cara, dificultando na familiaridade ou quando precisamos nos lembrar de quem era esse ou aquele indivíduo.

O ponto alto fica por conta da narrativa. E NÓS CHEGAMOS AO FIM é um livro bem escrito, de sacadas dialogais bem elaboradas e apesar da quantidade de personagens exagerado, alguns deles possuem características bem atraentes; o capítulo dedicado à chefa da agência de publicidade Lynn Mason é o meu favorito. Primeiramente acompanhamos basicamente apenas os rumores sobre ela, oriundos de suposições dos funcionários; comentários sempre cautelosos, cheios de medo e receio. Mas quando temos a chance de ver a moça um pouco mais de perto, o autor nos faz tatear seu lado mais congênito; sua simplicidade, sua fragilidade e sua ternura.

O ambiente de trabalho também foi um ótimo tema porque geralmente estes lugares são ricos em abrigar sujeitos tipicamente exóticos e distintos, o que talvez até colaborasse para arrancar algumas risadas frente às situações bizarras, confissões absurdas e especulações das mais inusitadas... Mas como eu disse: não achei um livro muito engraçado, embora conseguisse reconhecer aspectos cômicos da leitura.

De qualquer modo, E NÓS CHEGAMOS AO FIM superou minhas expectativas, pois sustentava relativa desconfiança com seu título fraseado. Mas é um trabalho aprazível, de bons diálogos e que soube manter uma linha narrativa assertivamente atual aos tempos modernos da labuta.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

RESENHA DE LIVRO – CASÓRIO


Quando iniciei a leitura deste CASÓRIO, outra divertida obra de uma autora que aprendi a gostar por conta de sua narrativa humorística, eu imaginei que Marian Keyes houvesse perdido o fôlego. No entanto, logo descobri que o livro aqui resenhado foi a segunda obra escrita pela autora irlandesa (o livro é de 1996, mas só foi lançado no Brasil em 2005).

Tal informação era indício de que a verdade era precisamente o contrário de minha suspeita: Marian Keyes não estava perdendo o fôlego. Estava, de fato, ganhando-o.

De qualquer forma, o decorrer da leitura me fez perceber que eu estava duplamente enganado. Não havia nada de errado com a criatividade cômica da autora. O que acontece é que a leitura de CASÓRIO demora pra divertir e agradar.

As primeiras dezenas de páginas me pareceram um tanto repetitivas. Eu que sou leitor dos livros de Marian Keyes há muitos anos, tive essa impressão. Era como se eu estivesse lendo um aglomerado de outros pedacinhos dos livros dela; uma mescla de suas demais obras. Os personagens também não ajudavam muito a compor uma distinção; desde a neurótica Lucy até os perfis coadjuvantes, tudo aqui parecia ser mais do mesmo.

Mas como eu disse: o problema é que CASÓRIO demora muito pra funcionar como comédia (passei a preferenciar esta definição, pois chamar o estilo literário de Marian Keyes simplesmente de chick-lit soa um tanto preconceituoso). Eu cheguei a pensar que o fato de não ter achado nenhuma graça, mesmo após ter lido um terço da obra, fez com que voltasse a crescer a suspeita de que estou me tornando um leitor ranzinza.

Por sorte o livro demora, mas não decepciona. E embora o enredo seja, de fato, banal e previsível, CASÓRIO é uma comédia simpática e jocosa, que me fez dar boas risadas.

 A trama não foge do universo da autora: moça em início de sua fase adulta, que divide um apartamento em Londres com outras duas jovens. No meio de neuras e inconstâncias, Lucy vai com algumas amigas do trabalho a uma cartomante que prevê um vindouro casamento na vida da moça. O problema é que ela não tem namorado, e muito menos perspectivas de arranjar um, já que sua natureza submissa e insegura a mantém afastada de bons partidos.

A personagem principal, que é também narradora de sua própria trajetória, é mesmo uma chata. Muitas vezes beirando o insuportável. Uma mulher teimosa, de raciocínio lento e indulgente frente às mazelas de sua vida, cuja autocomiseração nos faz ter náuseas. E embora este seja praticamente o perfil padrão das personagens de Marian Keyes, creio que Lucy acaba sendo, de longe, a protagonista mais intragável já criada pela autora.

Contudo, creio que até mesmo isso se deve a um talento genuíno de Marian em despertar inúmeras emoções no leitor. Porque embora as histerias de Lucy incomodem bastante, é inevitável não nos pegarmos torcendo por ela no decorrer da trama.

CASÓRIO terminou de modo a confirmar todas as apostas que fiz sobre o desenrolar da história, fazendo com que a previsibilidade também se confirme como insígnia dessa autora. Mas as piadas hilárias estão lá, pelo menos da metade em diante. E talvez esta seja a primeira obra que valide o que muita gente diz sobre a literatura de Marian Keyes: uma história que funciona, mas que poderia facilmente ter sido contada em menos da metade de suas longínquas 644 páginas.