Quatro protagonistas; quatro
mulheres em torno de um homem. Talvez elas não o tivessem lapidado propriamente,
mas foram presenças cruciais, que interferiram, entremearam, conviveram e misturaram-se
ao quinto protagonista: um sujeito confuso e apagado, cuja solidão existencial
irá levá-lo a cometer um crime.
E as quatro mulheres,
edificantes ou edificadas por ele, se encontram numa sala distinta, aguardando
para deporem por conta do crime protagonizado pelo anônimo personagem. Aliás, deixar
de nomear protagonistas parece ser algo fundamental para Dulce Maria Cardoso, ótima escritora portuguesa que assina esta
sublime narrativa, intitulada CAMPO DE
SANGUE.
Portanto, logo após a
epígrafe do texto, que faz uma breve explanação sobre o título da obra, nos
deparamos com este ordinário cenário: quatro mulheres que não se conhecem, esperando
numa desconfortável sala, para ajudar as autoridades a entender o fundamento de
um assassinato cometido por um homem considerado pacífico. E é justamente esse
sujeito a única coincidência que há nas quatro personagens.
A autora nos revela logo nas
primeiras páginas, do que se trata seu enredo. Revela o que aconteceu e quem
são as figuras de sua trama, como se o intento fosse não deixar nenhum mistério
para o leitor. Joga todos os protagonistas nas páginas e vai, lentamente e de
forma magnífica, desmistificando cada um deles, em particular, o homem. Este é
um sujeito carente e entediado, que passa seus dias tentando reinventar-se para
melhor se adequar a cada uma das mulheres de sua vida: a mãe, a ex-mulher, a
senhoria, e a moça bonita (a adjetivação em substituição aos nomes dos
personagens funcionou perfeitamente para nutrir a beleza da narrativa).
Dulce Maria deixa apenas uma
interrogação: a identidade da pessoa assassinada pelo homem.
Mas o brilho da obra não
está em deixar mistérios. O propósito da autora é arremeter o leitor
diretamente ao mundo de seus personagens. E esta o faz com elevada maestria,
dotada de sensibilidade apurada, Dulce Maria descortina o mundo de inquietações
dos seres sob a ótica de seus personagens; a intimidade vista de muito perto.
Uma leitura quase palpável.
Acompanhei absorto toda a
beleza de cenários ordinários, deliberações despercebidas que nos acomete em
circunstancias distintas. A autora aprofunda-se nesta ótica corriqueira do
cotidiano sacolejado pelo acontecimento inusitado: o assassinato. Então narra
de maneira precisa cada detalhe, cada incômodo sentido, a emersão de
introspecções infundadas, na existência caótica e perdida, cujos atos são quase
sempre incoerentes, improváveis, imprevisíveis e tolos. Mostra-nos sem pudor “um amor exagerado, quase uma doença” (como
é replicado belamente no texto), que terminará de modo trágico. E então testemunhamos
as consequências de afetos efervescidos por vidas desprovidas de
discernimentos...
O cunho detalhista de Dulce Maria Cardoso é simplesmente
genial. Ela coloca o leitor a refletir sobre as mais inexplicáveis sensações
oriundas de sentimentos escapadiços, como o amor, que aqui não é retratado de
forma romantizada, mas na precisa descrição do que este sentimento representa:
a perda total do controle; suas erupções assustadoras, desencadeadas
inesperadamente de vidas cheias de inseguranças, onde a derradeira realidade
paira sobre nossas cabeças: a eminente possibilidade de nossa perda do senso...