Neste universo cultural machista que condiciona a figura da mulher como mera coadjuvante, gosto de pensar no título dessa obra como sendo uma eloquente ironia. Afinal, sou grande entusiasta do feminino e há nas mais distintas fontes a exibição da mulher como ser esplendoroso, muito mais do que os homens, porém, ao longo da história da humanidade, foi vítima de contumaz injustiça. São elas minhas autoras favoritas na literatura, elas são cada vez mais destaques no campo filosófico..., essas criaturas complexas e sofisticadas para além da compreensão do masculino. No lugar de deuses, por que não pensarmos em deusas? E a costela emprestada não seria de Adão, mas sim, foi Eva quem gentilmente ofereceu parte de sua existência para que a Deusa criasse um companheiro. Afinal, seria um desperdício viver sozinha num paraíso tão amplo e vislumbrante.
Opiniões à parte, o título me chamou atenção de imediato, ao me deparar com a obra numa seção de
psicologia de um Sebo. A genialidade do título me fez entender de pronto que
estava diante de um livro sobre mulheres. E como o universo feminino é objeto de
interesse coletivo, mesmo em tempos passados (presentes?) de amplo patriarcado, já existiam
pensadores se debruçando em compreender a natureza delas. Óbvio, pois sem a
mulher o mundo seria um lugar menos interessante, menos brilhante e carente de
sofisticação.
A COSTELA DE ADÃO – cartas a
um psicanalista, é uma obra que reúne dezenas de correspondências enviadas ao psicanalista Eduardo Mascarenhas, que participava de
programas de rádio, televisão e revistas, dedicados a responder cartas de
leitoras das mais distintas classes sociais. Aqui nos deparamos com um
aglomerado de diferentes problemas vividos por elas, e algumas respostas que o
autor psicanalista dedicou em retornar.
A obra foi originalmente
lançada em 1986, e logo pode se verificar uma grande quantidade de relatos, cuja
essência denota as dores e questões mais frequentes sofridas pelas mulheres
daquela década. Contudo, arrisco-me a dizer que o livro ainda segue bastante
atual, se compararmos com outras obras que analisam o cenário da misoginia ao
redor do mundo. O drama da mulher, principalmente nos relacionamentos amorosos,
ainda parece ser o mesmo, talvez com uma roupagem um pouco menos caricata.
Eduardo
Mascarenhas, foi um médico, psicanalista e político, que dedicou grande
parte de sua obra a compreender a natureza da mulher, ele faleceu em 1997,
vitimado por um câncer. Ficou famoso na década de 80 por participar de alguns
programas de TV, como TV Mulher, sofreu perseguições após ter denunciado a
conivência com Amílcar Lobo, por parte do então presidente da Sociedade
Brasileira de Psicanálise, e com as torturas praticadas durante o regime militar,
chegando a ser expulso da associação.
A ideia do livro surgiu unicamente
da vontade de se fazer ouvir esta ilustre desconhecida: mulher. Elas são a
maioria silenciosa que ganharam vozes aqui, praticamente são as verdadeiras autoras
do livro, onde destilam suas dores, seus tormentos, decepções, angústias, medos
e opressões. De muitos fragmentos, vindos de toda parte desse país, reuniu-se
então este compilado da faceta feminina, tomadas de coragem em escrever ao
psicanalista que pudesse contribuir em amainar seus sofrimentos..., reitero
que as dores de ontem, são as dores atuais. Prova disso é que ao ler um pequeno
relato para minha namorada, ela ficou entusiasmada em ler
a obra.
A COSTELA DE ADÃO – cartas a um psicanalista, é um ato inexorável da voz das mulheres, cujo desejo de finalmente emanciparem-se de suas rédeas sociais, faz-se amplo aqui. É mesmo um trabalho importante e histórico; com linguagem acessível, Eduardo Mascarenhas nos convida a mergulhar neste relevante e atual manifesto, cuja função é atestar o enorme vazio existencial no cerne da mulher brasileira.
NOTA: 8,6