quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

RESENHA DE LIVRO – GONZOS E PARAFUSOS

Há algum tempo que venho sustentando a hipótese de que o tédio tem sido tão presente em meus dias, que até mesmo o gosto pela leitura fora prejudicado. Cheguei a me convencer de que a situação é grave, pois pela primeira vez na minha vida, ler se tornou uma atividade enfadonha... No entanto, existe sempre a possibilidade desse sentimento desaparecer quando chega a vez de colocar as mãos em obras distintas, como foi o caso deste GONZOS E PARAFUSOS.

Este belo trabalho da escritora Paula Parisot acalentou a amofinação que permeava em meu ser. Ou pelo menos serviu para mostrar que o tédio não afetou minha leitura propriamente, mas ocasionou uma diminuição da tolerância em relação a alguns títulos que eu estava lendo.

GONZOS E PARAFUSOS é um desses livros que parece não contar nada objetivo, mas seu charme se encontrar justamente no fluxo de consciência. Ambientação, destino, situações, tudo parece secundário. O esplendor fica bem ali, no âmago da personagem Isabela e em seu olhar multifacetado da realidade.

E por falar em tédio, esse talvez seja o lugar comum em Isabela. Psicanalista, a jovem passa a vida em busca de sentido, de encaixe, e tal busca algumas vezes pode chegar aos extremos, levando a jovem até mesmo tentar o suicídio. Aqui não existe uma sinopse específica a ser feita, somente o que pode ser sintetizado é o olhar da personagem sobre a própria loucura. E apesar de nos deparar com instantes depressivos e até polêmicos, é uma delícia este convite de investigar o mundo através da percepção da protagonista.

Isabela é profunda! Investiga sua própria natureza por meio de comparações com o passado e as pessoas que nele estiveram inseridas. Confunde-se com os muitos sentimentos aflorados em si, como é comum na inconstância do ser humano. Isabela analisa de fora pra dentro, talvez por um excesso de racionalidade que se confunde com insanidade, a personagem é alheia ao julgamento, ela simplesmente relata, de modo impreciso, até mesmo quando menciona e anseia a mulher no quadro do artista Klint (capa da obra).

Mesmo em suas citações de Freud que poderiam ser compreendidos como clichês, a própria Isabela se antecipa e reconhece a veracidade deste lugar comum, porém, deixa escapar que citar o psicanalista nunca é demais, o que nos leva a concordar. Vê-se vencida pelo pensamento banal e sabe que não precisaria do mesmo, muito embora alguns jargões pareçam inescapáveis.

Tive a sensação de que era o acúmulo de racionalidade o fundamento da loucura na personagem. Salvo pelo tédio eternizado nas páginas deste livro, a tragédia do meu semelhante, quando erigido em literatura, faz com que eu me encontre lendo bem devagar. Por ato involuntário, freio minhas leituras quando estou envolvido pelo livro.

Há instantes em que o relato parece tão crível, que ocorreu-me estar lendo palavras da própria Paula Parisot, como se estivesse lendo o diário da autora. Sei que existe muito dos autores em seus personagens, sejam em aspectos temporários ou personalidade fixa, mas algumas vezes a coisa parece indistinguível; a semelhança entre autora e protagonista aqui soou-me muito elevado, embora este possa ser um inofensivo equívoco de minha parte.

Não sei exatamente explicar em quais pontos, mas achei o estilo narrativo de Paula Parisot um pouco parecido com o meu próprio. Claro que careço adquirir o charme descritivo da autora, mas foi inevitável algumas comparações.

GONZOS E PARAFUSOS é uma extraordinária viagem através da ambiguidade humana. Não gosto de usar a palavra loucura para não acabar fisgado pelo chavão, mas exatamente como Isabela menciona: “às vezes é inevitável escapar do lugar comum...”, o fato é que a loucura da personagem é o epicentro dessa deliciosa trama. Com um começo que não é o começo, um meio sem meio e o final que não termina, Paula Parisot foi o melhor remédio contra meu tédio atual, e saber o quanto sofro do mesmo mal que sua personagem me causou certo acalento e cumplicidade... Isabela é, em pé de igualdade com Violeta, personagem do estupendo livro OS MEUS SENTIMENTOS, o ser humano mais intenso que li no encerrado ano de 2020.

NOTA: 9

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