Há algum tempo que venho sustentando a hipótese de que o tédio tem sido tão presente em meus dias, que até mesmo o gosto pela leitura fora prejudicado. Cheguei a me convencer de que a situação é grave, pois pela primeira vez na minha vida, ler se tornou uma atividade enfadonha... No entanto, existe sempre a possibilidade desse sentimento desaparecer quando chega a vez de colocar as mãos em obras distintas, como foi o caso deste GONZOS E PARAFUSOS.
Este belo trabalho da
escritora Paula Parisot acalentou a amofinação que permeava em meu ser.
Ou pelo menos serviu para mostrar que o tédio não afetou minha leitura propriamente,
mas ocasionou uma diminuição da tolerância em relação a alguns títulos que eu estava
lendo.
GONZOS E PARAFUSOS é um
desses livros que parece não contar nada objetivo, mas seu charme se encontrar
justamente no fluxo de consciência. Ambientação, destino, situações, tudo
parece secundário. O esplendor fica bem ali, no âmago da personagem Isabela e
em seu olhar multifacetado da realidade.
E por falar em tédio, esse
talvez seja o lugar comum em Isabela. Psicanalista, a jovem passa a vida em
busca de sentido, de encaixe, e tal busca algumas vezes pode chegar aos
extremos, levando a jovem até mesmo tentar o suicídio. Aqui não existe uma
sinopse específica a ser feita, somente o que pode ser sintetizado é o olhar da
personagem sobre a própria loucura. E apesar de nos deparar com instantes depressivos
e até polêmicos, é uma delícia este convite de investigar o mundo através da
percepção da protagonista.
Isabela é profunda! Investiga
sua própria natureza por meio de comparações com o passado e as pessoas que
nele estiveram inseridas. Confunde-se com os muitos sentimentos aflorados em si,
como é comum na inconstância do ser humano. Isabela analisa de fora pra dentro,
talvez por um excesso de racionalidade que se confunde com insanidade, a
personagem é alheia ao julgamento, ela simplesmente relata, de modo impreciso,
até mesmo quando menciona e anseia a mulher no quadro do artista Klint (capa da
obra).
Mesmo em suas citações de
Freud que poderiam ser compreendidos como clichês, a própria Isabela se
antecipa e reconhece a veracidade deste lugar comum, porém, deixa escapar que
citar o psicanalista nunca é demais, o que nos leva a concordar. Vê-se vencida
pelo pensamento banal e sabe que não precisaria do mesmo, muito embora alguns
jargões pareçam inescapáveis.
Tive a sensação de que era o
acúmulo de racionalidade o fundamento da loucura na personagem. Salvo pelo
tédio eternizado nas páginas deste livro, a tragédia do meu semelhante, quando erigido
em literatura, faz com que eu me encontre lendo bem devagar. Por ato
involuntário, freio minhas leituras quando estou envolvido pelo livro.
Há instantes em que o relato
parece tão crível, que ocorreu-me estar lendo palavras da própria Paula
Parisot, como se estivesse lendo o diário da autora. Sei que existe muito
dos autores em seus personagens, sejam em aspectos temporários ou personalidade
fixa, mas algumas vezes a coisa parece indistinguível; a semelhança entre
autora e protagonista aqui soou-me muito elevado, embora este possa ser um
inofensivo equívoco de minha parte.
Não sei exatamente explicar em quais pontos, mas achei o estilo narrativo de Paula Parisot um pouco parecido com o meu próprio. Claro que careço adquirir o charme descritivo da autora, mas foi inevitável algumas comparações.
GONZOS E PARAFUSOS é uma extraordinária viagem através da ambiguidade humana. Não gosto de usar a palavra loucura para não acabar fisgado pelo chavão, mas exatamente como Isabela menciona: “às vezes é inevitável escapar do lugar comum...”, o fato é que a loucura da personagem é o epicentro dessa deliciosa trama. Com um começo que não é o começo, um meio sem meio e o final que não termina, Paula Parisot foi o melhor remédio contra meu tédio atual, e saber o quanto sofro do mesmo mal que sua personagem me causou certo acalento e cumplicidade... Isabela é, em pé de igualdade com Violeta, personagem do estupendo livro OS MEUS SENTIMENTOS, o ser humano mais intenso que li no encerrado ano de 2020.
NOTA: 9
Nenhum comentário:
Postar um comentário