sábado, 14 de junho de 2025

RESENHA DE LIVRO – O DEMÔNIO DO MEIO-DIA

No contexto do Salmo 91 da bíblia, especificamente os versículos 5 e 6, o “demônio do meio-dia” é citado como expressão que pressupõe uma forma de manifestação do mal, que pode atacar e causar danos, mesmo em plena luz do dia. Quando Santo Agostinho disse que a razão era o principal atributo que nos distinguia dos outros animais, logo se compreendeu que a ausência da razão era sinal de desconsideração divina. Ou seja, a perda da razão seria uma punição de Deus incutida aos homens. Á partir dessa premissa, interpretações foram dadas por clérigos, como por exemplo, o enforcamento de Judas após sua traição, seria em decorrência do afastamento de sua alma do sagrado, Deus teria incutido nele melancolia e arrependimento, por isso ele se matou. Sendo assim, todo suicida seria alguém afastado do favorecimento divino, pois todo melancólico seria como Judas.

Portanto, ainda sob o olhar do contexto religioso, é preciso desvendar o nome do demônio que habita o ser humano, e somente através dessa descoberta será possível exorcizá-lo. Em tempos antigos a depressão ainda era um demônio inominado, então era conhecido como o demônio do meio-dia.

Este excelente trabalho do escritor Andrew Solomon, faz uma minuciosa autópsia de um dos maiores males que assola a humanidade, em especial a sociedade pós-moderna: a depressão. Como explicita o subtítulo, este livro é uma verdadeira anatomia sobre a depressão. O autor aborda muitas particularidades da doença, os tabus que ainda enfrenta, preconceitos e suas repercussões biológicas, culturais, médicas e históricas.

A obra está dividida em doze capítulos, cada qual com sua abordagem específica do tema em questão, tais como colapsos, tratamentos, alternativas, vício, suicídio, história, política, evolução, entre outros, analisa cada temática com um trabalho grande de pesquisa e de campo, feito pelo autor, que também sofre da doença e, de forma corajosa, expõe-se como complemento interpretativo.

O estilo textual é bem acessível, apesar de a obra conter muito levantamento estatístico e estudos acadêmicos, Solomon utiliza uma linguagem simples e fluida, sem se apegar a jargões técnicos ou pedantismo literário. É como se o livro fosse propositalmente feito para quem busca uma luz na escuridão da doença; O DEMÔNIO DO MEIO-DIA foi desenvolvido para acolher e amenizar as dúvidas daqueles que sofrem de depressão.

Alguns capítulos são interessantíssimos, pois apontam o problema da depressão de pontos de vista distintos ou mesmo ignorados por especialistas. Com a intenção de descortinar as mazelas em torno da depressão, o autor faz uma longa pesquisa através de cenários desesperançosos, complexos e até nocivos, como a falta de políticas públicas de conscientização e combate à doença, a falta de ética da indústria farmacêutica que tira proveito da complexidade da doença para vender remédios, o sofrimento da população mais pobre que, apesar de a depressão ser uma doença equitativa, suas consequências são inevitavelmente piores aos doentes que vivem em condições precárias de subsistência, e a história da depressão, muitas vezes mal interpretada, tomada como castigo divino ou tratada com métodos ineficazes.

Um ponto que me chamou muito a atenção, logo no início da leitura, foi a honestidade e sensibilidade com que Andrew Solomon trata a depressão. No primeiro capítulo, intitulado “depressão”, imediatamente o autor retirou de mim um estereótipo que carregava sobre a doença, ao afirmar que “a depressão é a imperfeição no amor”. Sempre achei que a definição mais abrangente para a depressão fosse “uma tristeza profunda”. Mas ao dizer que a depressão é a ausência de amor em todas as esferas, de cara o texto criou uma ruptura no meu modo leigo e até irresponsável de falar sobre algo que não compreendo:

“Para podermos amar, temos que ser criaturas capazes de se desesperar ante as perdas, e a depressão é o mecanismo desse desespero. Quando ela chega, degrada o eu da pessoa e finalmente eclipsa sua capacidade de dar ou receber afeição (…). Embora não seja nenhum profilático contra a depressão, o amor é o que acolchoa a mente e a protege de si mesma (…). Quando estão bem, alguns amam a si mesmos, alguns amam outros, alguns amam o trabalho, e alguns amam a Deus: qualquer uma dessas paixões pode fornecer o sentido vital de propósito que é o oposto da depressão”. (pág.15)

O DEMÔNIO DO MEIO-DIA é mais do que uma análise sobre a depressão, é também um texto autobiográfico com ampla sustentação na literatura e em relatos variados de pessoas que sofrem com essa doença. É um retrato vívido e corajoso, construído de dentro para fora, ou seja, a partir da experiência própria do autor.

NOTA: 🔟😍