sábado, 9 de maio de 2020

RESENHA DE LIVRO – A IMORTALIDADE


Considerei difícil classificar ou resenhar este livro, porque no instante em que sua trama causa determinada impressão, logo esta é desconstruída mais adiante. E isso não significa nenhum estorvo, mas sim, uma inusitada condução narrativa, que segundo as palavras do próprio Milan Kundera: “a única razão de um romance é dizer o que somente o romance pode dizer”.

Ao que parece, o autor se viu descontente com a adaptação de uma de suas obras mais aclamada, A Insustentável leveza do Ser. Sendo assim, Kundera quis desenvolver um livro que fosse nada menos que um texto impossível de ser adaptado.

A IMORTALIDADE é um livro um pouco complexo, mas não por ter uma linguagem difícil ou sofisticada, pelo contrário, Milan Kundera escreve de forma acessível. O problema é que o autor narra perspectivas distintas para mostrar um mesmo tema; esmiúça aspectos de diferentes personagens em tempos distintos inseridos na obra. Condensa tudo para chegar ao escopo que intitula a obra: a imortalidade que habita em cada um de nós.

A narrativa intromete-se pouco no que tange aproximar a pessoalidade do autor – que no caso aqui é também a personagem que narra a história, ou pelo menos houve a tentativa de confundir o leitor com tal sugestão – Milan Kundera simplesmente discorre sobre quem somos do ponto de vista situacional dentro da vida de cada um de seus narrados, deixando por conta do leitor qualquer forma de julgamento. Contudo, sacralizando a máxima desejante enraizada no ser humano desde que o mundo é mundo: o anseio de ser inesquecível.

Num universo atemporal, a trama divide seu espaço de importância entre diversas personagens; Agnes é a protagonista que desperta no autor a inspiração para a narrativa, um breve gesto e está criado o encanto que faz o criador querer contar uma história. Dispersando os universos, deparamo-nos com o famoso escritor Goethe envolto numa relação tempestuosa com a jovem e bela Bettina; temos Laura, a irmã de Agnes, mulher depressiva cuja mente vive desenvolvendo meios de tirar a própria vida; ainda há passagens em que acompanhamos a aparição de personagens ilustres como Beethoven, Napoleão Bonaparte e até diálogos entre o já citado Goethe e Ernest Hemingway.

O livro não é linear, seus capítulos pareceram-me independentes, não sendo necessário que sejam lidos na ordem em que estão inseridos. Os diálogos são caprichados e merecem o devido cuidado do leitor para frear em certos instantes. Do contrário, corre-se o risco de que seu conteúdo filosófico seja perdido.

Esse método de capítulos individuais e diversos personagens dividindo o espaço do livro pode ter seu lado bom no aspecto de discorrer determinado tema sob situações e ações distintas. No entanto, há o inevitável problema com algumas partes que são mais agradáveis do que outras, assim como podemos considerar personagens carismáticos e outros nem tanto. Quando nosso favorito desaparece por muito tempo das páginas, consequentemente o livro perde em prestígio.

 A IMORTALIDADE é um livro sofisticado como um todo. Incerto quanto ao público alvo, mas apreciadíssimo pela maioria das opiniões que encontrei pela internet, seja de leitores comuns ou de críticos literários. O tipo de obra que precisa de tempo para ser digerida, que carece releituras, de conteúdo inesgotável e acessível, mas que pode incomodar leitores desavisados que desconhecem o estilo singular de seu autor.

NOTA: 7,8

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