Eis aqui o tipo de obra que sustenta um título atraente, uma sinopse promissora e um autor português (verdadeiro celeiro de grandes escritores), elementos que de imediato chamaram minha atenção. O LIVRO DOS HOMENS SEM LUZ não revela se está a fazer referência a si mesmo ou a algum objeto de leitura dos personagens, à priori, não da pra saber. O fato é que este era um livro que despertou muita curiosidade de minha parte..., tanto, que foi um dos primeiros que li neste ano de 2023.
Mas como bem sabemos, isso não necessariamente é uma coisa boa.
O cenário da trama se desenha
sobre vidas perdidas em busca de algum significado ou simplesmente escapar da
escuridão de suas almas. Aqui nos deparamos com quatro contos aparentemente
distintos, mas que conforme avançamos na leitura, percebemos que ambos se
entrelaçam em alguma medida. Depois de perder a família num incêndio, um homem
afasta-se de tudo, trancafiado num singelo apartamento em Londres quando sua
vida passa a ser comandada pela voz de um desconhecido ao telefone; após um
bombardeio alemão durante a segunda guerra mundial, um casal fica preso dentro
de um minúsculo e fóbico porão por muito tempo; um jovem estudante que em
decorrência de sua dificuldade de dormir se vê inserido em abstrações de sua
mente, criando uma paranoia sobre o vizinho; por fim, um médico desenvolve uma
máquina de tortura a qual fara contestável uso em um paciente inusitado...
Os instantes de tensão criados
pela narrativa já acontecem nas primeiras páginas, quando nos deparamos com o conto
inicial (meu favorito). As personagens trazem em suas composições
características indecifráveis, tudo dentro de uma atmosfera de muita
claustrofobia, parece que o tempo todo algo nocivo está à espreita e que logo
se descortinará uma tragédia. Então, todo esse desconforto se transforma em
dúvida na cabeça do leitor, e instintivamente colocamos em perspectiva a
sanidades dos envolvidos.
João Tordo faz
sua estreia aqui e, de imediato, demonstra sua habilidade em conduzir o leitor
através de lugares de extremo incômodo existencial. O alento dos protagonistas
é percebido em suas atitudes, o lugar comum aqui está na loucura..., ou ao
menos no inevitável sentido de sua direção.
O segundo conto segue uma linha similar ao primeiro, as vezes até me confundi, achando que ainda estava lendo o mesmo conto. Já no terceiro entramos num universo um pouco mais desesperador e insano. Deste ponto em diante o autor vai seguir uma narrativa mais sórdida, e que ainda neste terceiro episódio funcionou. Porém, o quarto e último conto a coisa parece ter ficado excessivamente asquerosa e animalesca (o conto que menos gostei). Senti-me incomodado com perda de ritmo aqui, foi como se o terceiro conto, apesar de desconfortável, fizesse um prenúncio do que estava por vir. Então no último conto parecia que estava lendo outro livro, desses de terror surrealista. Nenhum problema nisso, mas particularmente eu não gostei da mudança brusca de narrativa.
O LIVRO DOS HOMENS SEM LUZ é um conjunto de quatro longos contos, cujos dois primeiros denotam de forma muito crua solidão, desalento e perda de sentidos, o terceiro é uma angustiante descrição dos limites entre a sanidade e a loucura, então desembocamos no quarto que é um escatológico ensaio do grotesco. Discrepantes entre eles, mas terão alguma ligação que os complementam, vale a pena ser conferido.
NOTA: 6,8
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