Criei este blog no ano de 2011 pensando em estabelecer um espaço autônomo, onde eu pudesse manter uma constância no exercício da escrita, principalmente em tempos os quais me via carente de inspiração. O intuito era não me permitir ficar muitos dias sem praticar, afinal, o elemento fundamental de quem anseia aprimorar o próprio trabalho é a persistência. Quem escreve sabe que o passar dos anos exercendo essa tarefa, inevitavelmente torna a escrita mais enxuta e palatável.
Mas não é determinante que
todas as minhas leituras se tornem postagens aqui no blog; o livro precisa
despertar alguma emoção, reflexão ou contrariedade. E como já mencionei
diversas vezes, também não costumo falar sobre os clássicos da literatura, pois
não faz sentido escrever sobre algo que já foi analisado infinitamente e por
gente muito mais qualificada do que eu.
Mas às vezes o clássico é
justamente a obra que causa grandes emoções, reflexões ou contrariedades, em
alguns casos, os três ao mesmo tempo. E até a metade de minha leitura deste A
BESTA HUMANA, não sustentava nenhuma intenção de escrever sobre ela. Porém,
da metade final, e talvez por ter finalmente me familiarizado com o estilo do
autor, o livro me fez pensar bastante e acho que vale dispender alguns
parágrafos.
A trama se passa em 1870, um
período em que as locomotivas a vapor eram o que de mais moderno existia em
tecnologia de transportes. A besta humana do título faz uma analogia entre o
ser humano e a máquina (no caso, a locomotiva), numa intersecção na qual
criador e criatura trocam de papéis, tornando-se em alternâncias aleatórias,
verdadeiras bestas imparáveis; de um lado a violência intrínseca da natureza
humana, e do outro a máquina insensível em estado bruto.
No início nos é apresentado
Severina e um pouco de sua vida de casada com Roubaud, um homem ciumento e
possessivo, que destila na esposa sua insegurança na forma de violência; já nas
primeiras páginas cria-se um asco terrível em relação aos acessos furiosos desse
personagem. Com o passar da leitura, insere-se outra personagem central: Tiago,
sujeito um pouco enrustido, que apesar de atraente, costuma fugir de mulheres
por conta de um irrefreável desejo de morte, um impulso obscuro que o faz
querer assassinar as mulheres que dele se aproximam.
Outros personagens entram em
cena com o avançar dos capítulos, mas creio que a trama fique sobre o arco
entre estes três citados, mais a locomotiva, que permeia toda a obra,
influenciando diretamente as vidas daquelas pessoas, assim como é também o
arquétipo da morte, por sua notória imponência.
Trata-se de uma história
contendo diversas facetas da maledicência humana, onde os instintos mais
primitivos sobressaem o senso ético em nome de interesses próprios, e quando
não sobressai, insere-se uma justificativa simplória que valida a violência como
método.
Émile Zola usa
de sua escrita para desnudar a natureza do ser humano. Considerado um dos
precursores da literatura naturalista, Zola tece essa natureza egocêntrica e
asquerosa do humano através das atitudes e visão limitada de mundo de suas
personagens, cujos anseios indizíveis estão em todos e em todo lugar, mas
disfarçados por meio de máscaras sociais que encobrem suas verdadeiras faces.
Este foi o ponto mais elevado da trama e que me fez seguir com a leitura.
Como já mencionei, tive alguma
dificuldade na primeira metade do livro, pois leva um tempo até que nos
acostumemos ao estilo exageradamente prolixo do autor. Há parágrafos que
avançam para além de uma página, muitas vezes para narrar a frivolidade cotidiana.
É preciso uma boa dose de persistência para se descobrir a magia da obra.
Outro elemento que incomoda um
pouco é que li uma edição de 1982 da editora Hemus, cuja tradução foi feita por
Eduardo Nunes Fonseca. Aqui a diagramação está muito comprimida, com letras muito
pequenas, sem descanso nas páginas e significativos erros gramaticais.
A BESTA HUMANA é um romance perturbador que desnuda o ser humano em toda sua maldade inerente. Faz parte de um projeto de vinte livros que narra histórias naturais e sociais de um tempo, publicados entre os anos de 1871 e 1893. Leitura um pouco extensa, mas vale pela possibilidade de se testemunhar até onde desejos sórdidos podem levar indivíduos de uma sociedade.
NOTA: 7,2
❤️❤️ mto bom
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