terça-feira, 5 de dezembro de 2023

RESENHA DE LIVRO – A BESTA HUMANA

Criei este blog no ano de 2011 pensando em estabelecer um espaço autônomo, onde eu pudesse manter uma constância no exercício da escrita, principalmente em tempos os quais me via carente de inspiração. O intuito era não me permitir ficar muitos dias sem praticar, afinal, o elemento fundamental de quem anseia aprimorar o próprio trabalho é a persistência. Quem escreve sabe que o passar dos anos exercendo essa tarefa, inevitavelmente torna a escrita mais enxuta e palatável.

Mas não é determinante que todas as minhas leituras se tornem postagens aqui no blog; o livro precisa despertar alguma emoção, reflexão ou contrariedade. E como já mencionei diversas vezes, também não costumo falar sobre os clássicos da literatura, pois não faz sentido escrever sobre algo que já foi analisado infinitamente e por gente muito mais qualificada do que eu.

Mas às vezes o clássico é justamente a obra que causa grandes emoções, reflexões ou contrariedades, em alguns casos, os três ao mesmo tempo. E até a metade de minha leitura deste A BESTA HUMANA, não sustentava nenhuma intenção de escrever sobre ela. Porém, da metade final, e talvez por ter finalmente me familiarizado com o estilo do autor, o livro me fez pensar bastante e acho que vale dispender alguns parágrafos.

A trama se passa em 1870, um período em que as locomotivas a vapor eram o que de mais moderno existia em tecnologia de transportes. A besta humana do título faz uma analogia entre o ser humano e a máquina (no caso, a locomotiva), numa intersecção na qual criador e criatura trocam de papéis, tornando-se em alternâncias aleatórias, verdadeiras bestas imparáveis; de um lado a violência intrínseca da natureza humana, e do outro a máquina insensível em estado bruto.

No início nos é apresentado Severina e um pouco de sua vida de casada com Roubaud, um homem ciumento e possessivo, que destila na esposa sua insegurança na forma de violência; já nas primeiras páginas cria-se um asco terrível em relação aos acessos furiosos desse personagem. Com o passar da leitura, insere-se outra personagem central: Tiago, sujeito um pouco enrustido, que apesar de atraente, costuma fugir de mulheres por conta de um irrefreável desejo de morte, um impulso obscuro que o faz querer assassinar as mulheres que dele se aproximam.

Outros personagens entram em cena com o avançar dos capítulos, mas creio que a trama fique sobre o arco entre estes três citados, mais a locomotiva, que permeia toda a obra, influenciando diretamente as vidas daquelas pessoas, assim como é também o arquétipo da morte, por sua notória imponência.

Trata-se de uma história contendo diversas facetas da maledicência humana, onde os instintos mais primitivos sobressaem o senso ético em nome de interesses próprios, e quando não sobressai, insere-se uma justificativa simplória que valida a violência como método.

Émile Zola usa de sua escrita para desnudar a natureza do ser humano. Considerado um dos precursores da literatura naturalista, Zola tece essa natureza egocêntrica e asquerosa do humano através das atitudes e visão limitada de mundo de suas personagens, cujos anseios indizíveis estão em todos e em todo lugar, mas disfarçados por meio de máscaras sociais que encobrem suas verdadeiras faces. Este foi o ponto mais elevado da trama e que me fez seguir com a leitura.

Como já mencionei, tive alguma dificuldade na primeira metade do livro, pois leva um tempo até que nos acostumemos ao estilo exageradamente prolixo do autor. Há parágrafos que avançam para além de uma página, muitas vezes para narrar a frivolidade cotidiana. É preciso uma boa dose de persistência para se descobrir a magia da obra.

Outro elemento que incomoda um pouco é que li uma edição de 1982 da editora Hemus, cuja tradução foi feita por Eduardo Nunes Fonseca. Aqui a diagramação está muito comprimida, com letras muito pequenas, sem descanso nas páginas e significativos erros gramaticais.

A BESTA HUMANA é um romance perturbador que desnuda o ser humano em toda sua maldade inerente. Faz parte de um projeto de vinte livros que narra histórias naturais e sociais de um tempo, publicados entre os anos de 1871 e 1893. Leitura um pouco extensa, mas vale pela possibilidade de se testemunhar até onde desejos sórdidos podem levar indivíduos de uma sociedade.

NOTA: 7,2

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