Em determinado ponto de uma leitura recente, a personagem da história disse que toda a nossa vida é pautada por dois aspectos importantes: A aquisição de bens e de experiências. No entanto, apenas a segunda levaremos conosco quando morrermos...
E apesar da sugestão de que
levaremos experiências conosco, seja lá para onde iremos depois de morrer e, se
é que iremos para algum lugar, ainda me parece custoso definir o que é
prioridade.
No ano de 2022 eu e meu irmão
mais novo combinamos de fazer uma aventura, saindo em singela viagem de onde
moramos, com destino a Porto Seguro, na Bahia, onde passaríamos alguns dias
curtindo a cidade histórica, descansando e pegando um bronzeado no belíssimo
litoral baiano.
À princípio, a viagem seria
feita em dois carros e três casais. Antecipadamente, fiz reservas em agradável
hotel, dividimos as despesas e começamos a pagar parcelado. Dois meses depois,
esse irmão me procurou para dizer que não poderia mais ir, pois estava muito
perto de realizar o sonho de abrir o próprio negócio e precisava economizar.
Meses depois da inesperada desistência, a viagem aconteceu, com metade dos
membros iniciais; meu irmão abriu uma lanchonete próxima de casa e, pouco
depois teve a vida abreviada, antes de ver seu ambicionado sonho completar 1
ano de existência.
A proximidade desses fatos me
causa inquietação até hoje. Alguém que sempre manifestou o anseio de fazer uma
viagem de carro com pessoas que ama, desiste do ato para ir em busca de algo por
ele concluído como maior ou mais importante: empreender e ser dono do próprio
negócio. Teve o sonho realizado, contudo, mal houve tempo de gozar o prazer da
conquista, que segundo a personagem do livro, teria sido melhor se ele tivesse
feito a viagem.
Nossa vida é feita de
escolhas, de um jeito ou de outro, aprendemos que isso é condições inegociável
da vida. Até mesmo alguém que se recusa a escolher entre uma coisa e outra, fez
a escolha por não escolher. E como toda a causa tem efeitos que,
consequentemente virarão novas causas e gerarão mais efeitos, a vida não cessa
de nos impor..., e então, seguimos fazendo escolhas sem o benefício da certeza
de estarmos tomando a melhor decisão, porque ninguém sabe onde estaremos daqui
a alguns minutos, se sob o calor convidativo de um litoral paradisíaco, ou
dentro de um féretro rodeado de flores e gente chorando.
Jamais teria a arrogância de
afirmar que meu irmão tomou a decisão errada. Ele era um homem livre e capaz de
discernir sobre as próprias escolhas. Além do mais, eu mesmo vivo cheio de
incertezas a respeito do meu próximo passo, embora confesse que a aquisição de
novas experiências ainda possua força enorme sobre minhas decisões. Portanto,
estou ciente de que, se gastasse menos com viagens, talvez também já fosse dono
do meu próprio negócio, ou vivesse numa casa maior ou já teria trocado meu
velho carro por um possante que me cause menos dor de cabeça...
O filósofo Blaise Pascal afirmava
que “todos os problemas da humanidade surgem da incapacidade do homem de
sentar tranquilamente sozinho em um quarto”. Apesar do exagero, talvez o
que Pascal quis com sua afirmação foi nos alertar de que decisões podem ser
melhores tomadas sem tanta influência externa. Ou quem sabe as experiências
adquirissem um caráter mais autônomo, caso tivéssemos maior contato com nossa verdadeira
natureza.
Mas afinal de contas, estar
sozinho em um quarto parece não caracterizar aquisição de coisas nem de
experiências..., será mesmo?
Porque estar consigo mesmo,
sozinho, em dias atuais não significa nem uma coisa, tampouco outra. Sim, pois posso
estar sozinho no meu quarto durante a compra de alguma coisa que desejo muito
através da internet, ou interagindo online com outras pessoas. E assim como a
condição de estar sozinho proporciona uma proximidade com meu ser e, assim,
estou em posição privilegiada para aprender sobre mim mesmo, por meio da
autorreflexão.
De uma coisa eu tenho certeza
e, talvez meu querido irmão tivesse muito mais do que eu: se pararmos para
pensar demais sobre as coisas, acabamos estagnados perante a complexidade das possibilidades.
Ele era o tipo de pessoa que, quando cismava com algo, perseguia aquilo até o
final..., e talvez essa obstinação tenha proporcionado grandes satisfações em
sua curta vida.
Contrário disso, minha mente é
questionadora e vivo em busca daquilo que realmente importa pra mim, sem jamais
ter certeza do que realmente quero.
Outro filósofo chamado Sartre
dirá que somos condenados a ser livres; que ninguém pode escolher por nós, que
não existe escolha certa ou errada. O que existe são nossos valores e,
portanto, façamos a escolha que nos pareceres mais auspiciosos e convivamos com
tais decisões. Porém, isso me soa racional demais e não esgota o diálogo.
Certa vez, minha namorada
disse que estava se convencendo de um pensamento que lhe soava egoísta, mas que
mesmo assim seguiria por este caminho, digamos, condenável do ponto de vista
social. Ela confessou que aos 36 anos não estava mais interessada em pensar
sobre os afetos ao seu redor: família, filhos, valores sociais; disse que está vivendo
uma fase de sua vida, cujas escolhas estarão centradas nela..., pois até aquele
instante, havia passado a vida cuidando e priorizando a vontade dos outros.
Achei bastante corajoso da
parte dela, a atitude de priorizar a própria existência em detrimento dos
outros mostra um caráter lúcido e ousado. Outro ponto que, devo confessar, deixou-me
aliviado, é que meus objetivos meio que combinam com os dela. Portanto,
queremos fazer coisas juntos, como viajar, por exemplo.
O fato é que ela chegou num
ponto da vida que a fez compreender que as escolhas que havia feito até
aquele momento não faziam sentido pra ela..., e levou cerca de um terço de uma expectativa de vida de 80 anos, para chegar a essa conclusão. Ou seja, dentro de
seu contexto, nada mais justo do que priorizar a própria existência.
Experiência ou obtenção de coisa,
não importa. Minha garota hoje leva a si própria em consideração quando precisa
deliberar sobre suas escolhas..., acho isso louvável!
Mas e quanto a mim?
Recentemente, fiz uma pesquisa
razoavelmente grande para entender pessoas que tiram um ano sabático e saem pelo mundo,
conhecendo diversos países, com orçamento enxuto. E o resultado ao ler o testemunho de gente que
teve a coragem de largar tudo e sair por aí, foi o despertar de minha própria
vontade. Eis-me diante de algo que gostaria de fazer, a ambição pela ousadia
foi o gatilho do meu anseio reacendido..., mas antes de tomar qualquer decisão eu travo.
E aqui vai mais um filósofo,
Platão, que acreditava que o elemento central para a manifestação de um desejo
é a falta. Ou seja, realizado o desejo, este morre, vitimado pela presença do
objeto desejado. Se isso for verdade, então a vida seria como um saco sem
fundo, pois passaríamos nossa existência desejando o que não temos, e
desprezando aquilo que conseguimos. Pela lógica platônica, as viagens que fiz
não significam mais nada, pois já foram feitas, e caso estivesse vivo, meu irmão estaria hoje
vivendo o estresse de ter seu desejo realizado, talvez até pensando em fazer
uma pausa na loucura do trampo para dar um pulinho ali em Porto Seguro.
Mas afinal, por que escolher é
tão difícil?
Obviamente é bem simples de se
elaborar vantagens e desvantagens nas escolhas. Por exemplo, alguém que viaja pouco,
acumula mais dinheiro pra trocar de carro, comprar uma casa maior ou montar o próprio negócio. Assim como viajar faz do indivíduo conhecedor de diferentes
culturas, vislumbra lugares incríveis e aprende coisas novas que levará consigo
pelo resto da vida. É como se uma decisão invalidasse a outra, como se fosse
impossível haver benefícios sem perdas… Porque pode ser que se tivesse
adquirido um patrimônio substancial, eu estivesse hoje desfrutando de um carro
novo, morando numa espaçosa casa e tocando meu próprio comércio, de forma
entediada e infeliz, desejando estar nos lugares incríveis que não pude
conhecer. Ou dentro dessa minha realidade atual, passando os perrengues de ter
um carro velho que passa mais tempo com o mecânico do que comigo, dentro de uma
casa minúscula e ainda atrelado às regras opressoras de um contrato pela CLT.
Pois tal como Kierkegaard
escreveu: “escolha isso ou aquilo, você vai se arrepender. Ame, não ame,
chore, não chore, enforca-te, não te enforques. Dá na mesma. Você vai se
arrepender de qualquer forma”.
Pessimista, mas acho que concordo com ele.
Talvez a maior lição que meu irmão deixou pra mim, seja a de que eu preciso pensar menos nas coisas, e fazer aquilo que minha alma pede, sem questionar ou olhar para trás. Assim como levar o ensinamento valioso de minha namorada, que das experiências difíceis que teve no passado, aprendeu a se colocar em primeiro lugar na hora de deliberar sobre a vida..., afinal, enquanto eu escolher, esperando a felicidade como resultado, serei infeliz, pois toda grande escolha envolve algum grau de sofrimento...