sábado, 30 de novembro de 2024

CRÔNICA – VIAJAR OU EMPREENDER?

Em determinado ponto de uma leitura recente, a personagem da história disse que toda a nossa vida é pautada por dois aspectos importantes: A aquisição de bens e de experiências. No entanto, apenas a segunda levaremos conosco quando morrermos...

E apesar da sugestão de que levaremos experiências conosco, seja lá para onde iremos depois de morrer e, se é que iremos para algum lugar, ainda me parece custoso definir o que é prioridade.

No ano de 2022 eu e meu irmão mais novo combinamos de fazer uma aventura, saindo em singela viagem de onde moramos, com destino a Porto Seguro, na Bahia, onde passaríamos alguns dias curtindo a cidade histórica, descansando e pegando um bronzeado no belíssimo litoral baiano.

À princípio, a viagem seria feita em dois carros e três casais. Antecipadamente, fiz reservas em agradável hotel, dividimos as despesas e começamos a pagar parcelado. Dois meses depois, esse irmão me procurou para dizer que não poderia mais ir, pois estava muito perto de realizar o sonho de abrir o próprio negócio e precisava economizar. Meses depois da inesperada desistência, a viagem aconteceu, com metade dos membros iniciais; meu irmão abriu uma lanchonete próxima de casa e, pouco depois teve a vida abreviada, antes de ver seu ambicionado sonho completar 1 ano de existência.

A proximidade desses fatos me causa inquietação até hoje. Alguém que sempre manifestou o anseio de fazer uma viagem de carro com pessoas que ama, desiste do ato para ir em busca de algo por ele concluído como maior ou mais importante: empreender e ser dono do próprio negócio. Teve o sonho realizado, contudo, mal houve tempo de gozar o prazer da conquista, que segundo a personagem do livro, teria sido melhor se ele tivesse feito a viagem.

Nossa vida é feita de escolhas, de um jeito ou de outro, aprendemos que isso é condições inegociável da vida. Até mesmo alguém que se recusa a escolher entre uma coisa e outra, fez a escolha por não escolher. E como toda a causa tem efeitos que, consequentemente virarão novas causas e gerarão mais efeitos, a vida não cessa de nos impor..., e então, seguimos fazendo escolhas sem o benefício da certeza de estarmos tomando a melhor decisão, porque ninguém sabe onde estaremos daqui a alguns minutos, se sob o calor convidativo de um litoral paradisíaco, ou dentro de um féretro rodeado de flores e gente chorando.

Jamais teria a arrogância de afirmar que meu irmão tomou a decisão errada. Ele era um homem livre e capaz de discernir sobre as próprias escolhas. Além do mais, eu mesmo vivo cheio de incertezas a respeito do meu próximo passo, embora confesse que a aquisição de novas experiências ainda possua força enorme sobre minhas decisões. Portanto, estou ciente de que, se gastasse menos com viagens, talvez também já fosse dono do meu próprio negócio, ou vivesse numa casa maior ou já teria trocado meu velho carro por um possante que me cause menos dor de cabeça...

O filósofo Blaise Pascal afirmava que “todos os problemas da humanidade surgem da incapacidade do homem de sentar tranquilamente sozinho em um quarto”. Apesar do exagero, talvez o que Pascal quis com sua afirmação foi nos alertar de que decisões podem ser melhores tomadas sem tanta influência externa. Ou quem sabe as experiências adquirissem um caráter mais autônomo, caso tivéssemos maior contato com nossa verdadeira natureza.

Mas afinal de contas, estar sozinho em um quarto parece não caracterizar aquisição de coisas nem de experiências..., será mesmo?

Porque estar consigo mesmo, sozinho, em dias atuais não significa nem uma coisa, tampouco outra. Sim, pois posso estar sozinho no meu quarto durante a compra de alguma coisa que desejo muito através da internet, ou interagindo online com outras pessoas. E assim como a condição de estar sozinho proporciona uma proximidade com meu ser e, assim, estou em posição privilegiada para aprender sobre mim mesmo, por meio da autorreflexão.

De uma coisa eu tenho certeza e, talvez meu querido irmão tivesse muito mais do que eu: se pararmos para pensar demais sobre as coisas, acabamos estagnados perante a complexidade das possibilidades. Ele era o tipo de pessoa que, quando cismava com algo, perseguia aquilo até o final..., e talvez essa obstinação tenha proporcionado grandes satisfações em sua curta vida.

Contrário disso, minha mente é questionadora e vivo em busca daquilo que realmente importa pra mim, sem jamais ter certeza do que realmente quero.

Outro filósofo chamado Sartre dirá que somos condenados a ser livres; que ninguém pode escolher por nós, que não existe escolha certa ou errada. O que existe são nossos valores e, portanto, façamos a escolha que nos pareceres mais auspiciosos e convivamos com tais decisões. Porém, isso me soa racional demais e não esgota o diálogo.

Certa vez, minha namorada disse que estava se convencendo de um pensamento que lhe soava egoísta, mas que mesmo assim seguiria por este caminho, digamos, condenável do ponto de vista social. Ela confessou que aos 36 anos não estava mais interessada em pensar sobre os afetos ao seu redor: família, filhos, valores sociais; disse que está vivendo uma fase de sua vida, cujas escolhas estarão centradas nela..., pois até aquele instante, havia passado a vida cuidando e priorizando a vontade dos outros.

Achei bastante corajoso da parte dela, a atitude de priorizar a própria existência em detrimento dos outros mostra um caráter lúcido e ousado. Outro ponto que, devo confessar, deixou-me aliviado, é que meus objetivos meio que combinam com os dela. Portanto, queremos fazer coisas juntos, como viajar, por exemplo.

O fato é que ela chegou num ponto da vida que a fez compreender que as escolhas que havia feito até aquele momento não faziam sentido pra ela..., e levou cerca de um terço de uma expectativa de vida de 80 anos, para chegar a essa conclusão. Ou seja, dentro de seu contexto, nada mais justo do que priorizar a própria existência.

Experiência ou obtenção de coisa, não importa. Minha garota hoje leva a si própria em consideração quando precisa deliberar sobre suas escolhas..., acho isso louvável!

Mas e quanto a mim?

Recentemente, fiz uma pesquisa razoavelmente grande para entender pessoas que tiram um ano sabático e saem pelo mundo, conhecendo diversos países, com orçamento enxuto. E o resultado ao ler o testemunho de gente que teve a coragem de largar tudo e sair por aí, foi o despertar de minha própria vontade. Eis-me diante de algo que gostaria de fazer, a ambição pela ousadia foi o gatilho do meu anseio reacendido..., mas antes de tomar qualquer decisão eu travo.

E aqui vai mais um filósofo, Platão, que acreditava que o elemento central para a manifestação de um desejo é a falta. Ou seja, realizado o desejo, este morre, vitimado pela presença do objeto desejado. Se isso for verdade, então a vida seria como um saco sem fundo, pois passaríamos nossa existência desejando o que não temos, e desprezando aquilo que conseguimos. Pela lógica platônica, as viagens que fiz não significam mais nada, pois já foram feitas, e caso estivesse vivo, meu irmão estaria hoje vivendo o estresse de ter seu desejo realizado, talvez até pensando em fazer uma pausa na loucura do trampo para dar um pulinho ali em Porto Seguro.

Mas afinal, por que escolher é tão difícil?

Obviamente é bem simples de se elaborar vantagens e desvantagens nas escolhas. Por exemplo, alguém que viaja pouco, acumula mais dinheiro pra trocar de carro, comprar uma casa maior ou montar o próprio negócio. Assim como viajar faz do indivíduo conhecedor de diferentes culturas, vislumbra lugares incríveis e aprende coisas novas que levará consigo pelo resto da vida. É como se uma decisão invalidasse a outra, como se fosse impossível haver benefícios sem perdas… Porque pode ser que se tivesse adquirido um patrimônio substancial, eu estivesse hoje desfrutando de um carro novo, morando numa espaçosa casa e tocando meu próprio comércio, de forma entediada e infeliz, desejando estar nos lugares incríveis que não pude conhecer. Ou dentro dessa minha realidade atual, passando os perrengues de ter um carro velho que passa mais tempo com o mecânico do que comigo, dentro de uma casa minúscula e ainda atrelado às regras opressoras de um contrato pela CLT.

Pois tal como Kierkegaard escreveu: “escolha isso ou aquilo, você vai se arrepender. Ame, não ame, chore, não chore, enforca-te, não te enforques. Dá na mesma. Você vai se arrepender de qualquer forma”.

Pessimista, mas acho que concordo com ele.

Talvez a maior lição que meu irmão deixou pra mim, seja a de que eu preciso pensar menos nas coisas, e fazer aquilo que minha alma pede, sem questionar ou olhar para trás. Assim como levar o ensinamento valioso de minha namorada, que das experiências difíceis que teve no passado, aprendeu a se colocar em primeiro lugar na hora de deliberar sobre a vida..., afinal, enquanto eu escolher, esperando a felicidade como resultado, serei infeliz, pois toda grande escolha envolve algum grau de sofrimento...

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

RESENHA DE LIVRO – NOTÍCIAS – MANUAL DO USUÁRIO

Se a comunicação é um elemento importante para uma condição plena do ser humano, sua conduta precisa ser ética, a linguagem deve ser apropriada e direcionada para a construção de um sentido de mundo igualitário. O noticiário é tema que ao meu ver é pouco discutido e sua importância talvez seja subestimada. A relevância da comunicação para a condição humana e para o seu desenvolvimento justifica o esforço permanente por uma ética da comunicação..., só esta ideia já justifica a existência desse livro.

O trabalho de pesquisa do filósofo Alain de Botton para formular esta reflexão intitulada NOTÍCIAS – Manual do Usuário, busca nos mostrar a diversidade, predominância e amplitude que os meios de comunicação exercem em nossas vidas. Realidades que nos escapam, como a de que uma vez concluída a educação formal, é o noticiário quem passa a nos ensinar. Por meio do noticiário as pessoas buscam revelações, aprendem o que é certo e errado, conferem sentido ao sofrimento e entendem como funciona a lógica da vida..., sem nenhum exagero, toda essa dinâmica quase soa como atributos religiosos.

A obra se organiza em torno de fragmentos colhidos de diferentes fontes e submetidos a uma análise deliberadamente mais aprofundada do que suas fontes pretendiam. Tratam-se de manchetes, agenciamento de notícias, matérias de revistas, entrevistas, índices financeiros de economia, sempre permeados por referências eruditas de filósofos, obras clássicas de literatura e artes plásticas.

Apesar de o título sugerir um manual para usuários, na verdade aqui parece se tratar de um produto destinado aos produtores dos noticiários, pois o autor parece se preocupar em gastar muito tempo indicando novos caminhos para a prática da confecção de notícia, e pouco reflete sobre como podemos desenvolver senso crítico na hora de escolhermos o noticiário com o qual iremos utilizar como fonte.

De Botton as vezes coloca-se numa posição, digamos, um pouco ingênua, ao alegar que o objetivo do noticiário é nos mostrar tudo aquilo que ele próprio considera mais inusitado e importante no mundo. Isso pode até ser parcialmente verdadeiro, mas diante de um sistema capitalista competitivo e consumista, parece-me que os intentos por trás da maior parte dos tabloides midiáticos sejam basicamente de viés lucrativo, político e antiético.

Outro problema é o tempo de sua publicação. NOTÍCIAS foi lançado no ano de 2014, e apesar de não parecer muito distante, o autor deixa de lado temas que atualmente se tornaram cruciais dentro do universo dos noticiários, como fake news, generalização do cinismo, grupos extremistas e a proliferação desenfreada de produtores de conteúdos em redes sociais.

No capítulo final da obra, Alain de Botton deixa algumas perguntas, talvez mais retóricas do que gostaríamos: Idealmente, como deveria ser o noticiário? Quais as necessidades profundas que deve atender? Como o noticiário poderia nos tornar pessoas melhores?

E na sequência de suas considerações, de Botton busca resumir algum esboço de soluções, embora um pouco tímidas, mas corajosamente, ou quem sabe, pretensiosamente elaboradas.

É um tema espinhoso, não da pra resolver isso em apenas um livro.

Enfim, antes de tentar responder a tais questionamentos, eu me atreveria a levantar outra questão, talvez um pouco mais ácida, ou apenas oriunda de um leitor que veio do futuro para ler esta obra, cujo tema inevitavelmente se tornaria desatualizada perante assunto tão inflexível: Será que é do interesse dos detentores das mídias de notícias tornar seus leitores pessoas melhores?

NOTA: 8,1