sábado, 25 de janeiro de 2025

RESENHA DE LIVRO – A MULHER DESILUDIDA

Conhecida por ser uma das principais figuras do movimento existencialista, Simone de Beauvoir dedicou suas obras, seja ficção ou analítica, a pensar de forma revolucionária a condição feminina, assim como teve influência significativa na luta pela emancipação das mulheres.

Portanto, apesar de aqui se tratar de ficção, A MULHER DESILUDIDA, é um livro de contos, cuja dinâmica só poderia ostentar a visão de mundo da autora, também servindo como crítica social sobre as opressões e condições de submissão do papel das mulheres. Os três contos aqui reunidos tratarão de mulheres que, ao longo de suas vidas, internalizaram as normas patriarcais que as condicionaram à subordinação; mulheres que chegaram na maturidade sem alcançar satisfação em suas vidas pessoais, profissionais e amorosas.

Apesar de cada conto ser independente, ambos compartilham experiências semelhantes de desilusão e frustração, quase como se fossem a mesma voz, algo que me causou leve incômodo, visto que as personagens, de certa maneira, possuem pensamentos e reações muito parecidas, o que pode ter sido proposital, visto que a principal crítica inserida na leitura de Beauvoir é quanto da generalizada ausência de autonomia e constante vazio existencial das mulheres.

O primeiro conto, intitulado “A idade da discrição”, trata do cotidiano de um casal entrando na terceira idade, cuja esposa se afunda numa crise existencial após descobrirem as opções conservadoras do filho, que decide ir trabalhar no Ministério da Cultura do governo vigente. Neste conto segue-se longos embates entre protagonistas sobre o envelhecimento e necessidade de pertencimento.

Depois temos o menor texto da obra, “Monólogo”, no qual o título já antecipa do que se trata; um breve desabafo, quase odioso, da protagonista Murielle, que viveu uma vida conturbada de duas separações e o suicídio de uma filha. Aqui não é apenas um relato confuso (caracterizado pela falta de pontuação) e triste da personagem, mas uma condição que surge do confronto entre a vida como ela é e as expectativas que as mulheres, moldadas pela sociedade machista, têm sobre o que deveriam ser.

Por fim, temos o conto que dá título à obra, mais longo e, na minha opinião, o melhor dos três. “A mulher desiludida” nos revela Monique, que é o arquétipo mais caricato da dona de casa “exemplar”, ela vê seu mundo higienizado e restrito se transformar num inferno existencial, quando descobre que o marido tem uma amante. Em formato de diário, acompanhamos as dores, inseguranças e falta de sentido de uma mulher que depositou todas as esperanças de vida no casamento, Monique tudo fará para preservar e manter seu casamento. A personagem chega ao extremo de concessões jamais imaginadas, chega a aceitar a vida dupla do marido, mas não consegue se livrar da sombra de sua rival.

A MULHER DESILUDIDA é uma eficiente obra, que combina literatura e crítica do sistema patriarcal, com diálogos intensos e imersivos. Ao construir personagens complexas que questionam suas existências, a autora nos oferece um olhar profundo sobre o que significa ser mulher dentro de uma sociedade que categoricamente rejeita sua autonomia.

NOTA: 8,5

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

RESENHA DE LIVRO – O EVANGELHO SEGUNDO O FILHO

Antes de entrarmos na análise deste trabalho do aclamado escritor Norman Mailer, é preciso que seja feita uma oportuna ressalva: este conteúdo se trata de um breve resumo de minhas impressões. Aqui não há intenção de pontuar eventos históricos, muito menos criticar orientações religiosas de ninguém. O intuito deste blog é meramente o de apreciação do conteúdo como ele é de fato: uma obra de ficção literária.

A observação me pareceu indispensável, para então começar esta resenha com questões que me parecem pertinentes e que me acompanharam durante toda a leitura: qual é a intenção deste livro? O que motivaria um amante de literatura a lê-lo? Porém, se estamos diante de um conteúdo doutrinário, quais elementos atrairiam a atenção de um leitor cristão?

Indiscutivelmente popular, a história de Jesus já foi amplamente contada por diversos historiadores, acadêmicos, teólogos e igualmente interpretada por várias vertentes religiosas ao longo de dois mil anos de existência. Seja você religioso ou não, há algo aqui que não pode ser negligenciado: a história de Jesus narrada pelos evangelhos é ampla, rica em substância e flexível em sua forma. Isso significa que se trata de conteúdo detentor de elementos variados o suficiente para se contar reproduções magníficas e até pontos de vistas fora do senso comum. Cinema, teatro e a própria literatura possuem exemplos eficientes dessa possibilidade e amplitude narrativa.

Pois bem…, O EVANGELHO SEGUNDO O FILHO, traz-nos uma visão em primeira pessoa, ou seja, o próprio Jesus é quem nos relata sua jornada, partindo especificamente dos mesmos pontos que os evangelhos: um breve resumo do nascimento, passando fugazmente pela vida adulta e chegando aos tempos finais de sua vida. Com uma fidelidade aos textos bíblicos quase que congénere. Tudo aqui exibe-se de modo a deixar os leitores do evangelho familiarizado, como se tratasse de uma réplica narrada em primeira pessoa.

Portanto, insisto em perguntar: o que Norman Mailer queria com este livro?

Causando-nos expectativas, o Jesus de Mailer faz uma introdução em que diz: “Porquanto não diria que as palavras de Marcos sejam falsas, elas contêm muito exagero. E mais ainda as de Mateus, e Lucas, e João, que me atribuíram frases que nunca proferi, descrevendo-me como amável, quando estava pálido de ira. (...) Portanto, farei meu próprio relato”. Pareceu-me a introdução de uma personagem que quer revisar o que foi dito, quer corrigir equívocos, complementar impressões deixadas nas escrituras. Infelizmente esse narrador ousado e original não aparece em nenhum momento.

Logo nas primeiras páginas nota-se que o autor não está a contar uma história sob uma perspectiva crível e humanizada, como fez José Saramago com seu excelente O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO (tem resenha aqui no blog); também não estamos diante de um livro destinado ao público religioso, afinal, esse tipo de leitor busca o conteúdo fonte de sua doutrina em leituras que lhe são sagradas, ou seja, dentro dos evangelhos. E mesmo para um público geral, interessado na condução fluída aqui presente, assim como os fãs do autor, mesmo para esse público não parece haver uma causa notória que motivasse a obra.

Norman Mailer não apresenta sua personagem de modo distinto. Apenas o faz contar na própria voz o que já está escrito nos textos bíblicos. A narrativa mantém-se, o tempo inteiro, ajustando-se à ordem cronológica de cada episódio, simplesmente para fidelizar as escrituras do evangelho, algumas vezes conduzindo a narrativa para se chegar às falas, exatamente como estão nos evangelhos. É como se houvesse uma preocupação em relatar cada uma das passagens importantes da vida de Jesus, algo que, do meu ponto de vista, retirou a possibilidade de envolvimento do leitor; deixou a trama enfadonha e protocolar; o excesso de preocupação em reproduzir tudo como já conhecemos, inclusive na fidelidade das falas dos personagens, fez com que se perdesse a chance de se contar uma história detentora de sua própria essência.

O EVANGELHO SEGUNDO O FILHO é um livro sem alma, que replica tudo o que está escrito em escrituras históricas, deixando o leitor sem saber se o que está lendo é uma simplificação esquecível da trajetória de Jesus para leitores preguiçosos, ou se estamos diante de um autor que resolveu contar uma versão de sua personagem histórica favorita, mas que por alguma razão, achou mais seguro apenas replicar o que já foi dito... Nem revisionista, tampouco revolucionária, é uma obra que não sabe a que veio.

NOTA: 4,4