Antes de entrarmos na análise deste trabalho do aclamado escritor Norman Mailer, é preciso que seja feita uma oportuna ressalva: este conteúdo se trata de um breve resumo de minhas impressões. Aqui não há intenção de pontuar eventos históricos, muito menos criticar orientações religiosas de ninguém. O intuito deste blog é meramente o de apreciação do conteúdo como ele é de fato: uma obra de ficção literária.
A observação me pareceu
indispensável, para então começar esta resenha com questões que me parecem
pertinentes e que me acompanharam durante toda a leitura: qual é a intenção
deste livro? O que motivaria um amante de literatura a lê-lo? Porém, se estamos
diante de um conteúdo doutrinário, quais elementos atrairiam a atenção de um leitor
cristão?
Indiscutivelmente popular, a
história de Jesus já foi amplamente contada por diversos historiadores,
acadêmicos, teólogos e igualmente interpretada por várias vertentes religiosas
ao longo de dois mil anos de existência. Seja você religioso ou não, há algo
aqui que não pode ser negligenciado: a história de Jesus narrada pelos
evangelhos é ampla, rica em substância e flexível em sua forma. Isso significa
que se trata de conteúdo detentor de elementos variados o suficiente para se
contar reproduções magníficas e até pontos de vistas fora do senso comum.
Cinema, teatro e a própria literatura possuem exemplos eficientes dessa
possibilidade e amplitude narrativa.
Pois bem…, O EVANGELHO
SEGUNDO O FILHO, traz-nos uma visão em primeira pessoa, ou seja, o próprio
Jesus é quem nos relata sua jornada, partindo especificamente dos mesmos pontos
que os evangelhos: um breve resumo do nascimento, passando fugazmente pela vida
adulta e chegando aos tempos finais de sua vida. Com uma fidelidade aos textos
bíblicos quase que congénere. Tudo aqui exibe-se de modo a deixar os leitores
do evangelho familiarizado, como se tratasse de uma réplica narrada em primeira
pessoa.
Portanto, insisto em
perguntar: o que Norman Mailer queria com este livro?
Causando-nos expectativas, o
Jesus de Mailer faz uma introdução em que diz: “Porquanto não diria que as
palavras de Marcos sejam falsas, elas contêm muito exagero. E mais ainda as de
Mateus, e Lucas, e João, que me atribuíram frases que nunca proferi,
descrevendo-me como amável, quando estava pálido de ira. (...) Portanto, farei meu
próprio relato”. Pareceu-me a introdução de uma personagem que quer revisar
o que foi dito, quer corrigir equívocos, complementar impressões deixadas nas
escrituras. Infelizmente esse narrador ousado e original não aparece em nenhum
momento.
Logo nas primeiras páginas
nota-se que o autor não está a contar uma história sob uma perspectiva crível e
humanizada, como fez José Saramago com seu excelente O EVANGELHO SEGUNDO
JESUS CRISTO (tem resenha aqui no blog); também não estamos diante de um
livro destinado ao público religioso, afinal, esse tipo de leitor busca o
conteúdo fonte de sua doutrina em leituras que lhe são sagradas, ou seja,
dentro dos evangelhos. E mesmo para um público geral, interessado na condução
fluída aqui presente, assim como os fãs do autor, mesmo para esse público não
parece haver uma causa notória que motivasse a obra.
Norman Mailer não apresenta sua personagem de modo distinto. Apenas o faz contar na própria voz o que já está escrito nos textos bíblicos. A narrativa mantém-se, o tempo inteiro, ajustando-se à ordem cronológica de cada episódio, simplesmente para fidelizar as escrituras do evangelho, algumas vezes conduzindo a narrativa para se chegar às falas, exatamente como estão nos evangelhos. É como se houvesse uma preocupação em relatar cada uma das passagens importantes da vida de Jesus, algo que, do meu ponto de vista, retirou a possibilidade de envolvimento do leitor; deixou a trama enfadonha e protocolar; o excesso de preocupação em reproduzir tudo como já conhecemos, inclusive na fidelidade das falas dos personagens, fez com que se perdesse a chance de se contar uma história detentora de sua própria essência.
O EVANGELHO SEGUNDO O FILHO é um livro sem alma, que replica tudo o que está escrito em escrituras históricas, deixando o leitor sem saber se o que está lendo é uma simplificação esquecível da trajetória de Jesus para leitores preguiçosos, ou se estamos diante de um autor que resolveu contar uma versão de sua personagem histórica favorita, mas que por alguma razão, achou mais seguro apenas replicar o que já foi dito... Nem revisionista, tampouco revolucionária, é uma obra que não sabe a que veio.
NOTA: 4,4
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